domingo, 25 de setembro de 2016

Coincidência?

Ontem à noite, falava ao telefone com uma amiga.
Tinha vindo a propósito a obra de Lídia Jorge.
Ela estava com o computador aberto e ia procurando textos da escritora.
Foi quando ouvi a chuva que caía com alguma intensidade.
No mesmo instante, leu-me o poema que aqui transcrevo.

Cai a Chuva no Portal

Cai a chuva no portal, está caindo
Entre nós e o mundo, essa cortina
Não a corras, não a rasgues, está caindo
Fina chuva no portal da nossa vida.
Gotas caem separando-nos do mundo
Para vivermos em paz a nossa vida.

Cai a chuva no portal, está caindo
Entre nós e o mundo, essa toalha
Ela nos cobre, não a rasgues, está caindo
Chuva fina no portal da nossa casa.
Por um dia todos longe e nós dormindo
Lado a lado, como páginas dum livro.

Lídia Jorge, (Inédito)

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Frutos de outono


Rosas no outono




Também vem a propósito do post seguinte

Às vezes, fica uma certa dúvida: será que eles se lembram de nós ou estão apenas entretidos a falar de nós?

In Expresso Curto de hoje, a propósito do debate de ontem no Parlamento português

A aposta está nas novas gerações. Estará?

É crescente o número de políticos da Comissão Europeia que olham de frente para o dinheiro que podem ganhar com os conhecimentos que têm pelo cargo ocupado, deixando na retaguarda a ética e o interesse dos cidadãos.
É vê-los com pose de quem "tem sentido de estado" e que, muitas vezes, apenas pretendem pôr o estado em sentido para não os perturbar.
E o que é certo é que se criticam os jovens por não terem experiência de vida, mas se estes seguirem os exemplos à sua volta, tudo se torna bem pior. 
Porém, também se conhecem casos de jovens que, ligados nomeadamente  a juventudes partidárias, vão singrando na vida, o que não aconteceria sem essas ajudas que, mais tarde, vão ser bem pagas, dizendo bem dos líderes que os apoiaram e seguindo-os para que os privilégios de uns e de outros não se percam.
Quando eu era pequena, jogando à patela com outras crianças, e não concordando com as regras impostas, dizíamos: assim, não brinco e íamos fazer outra coisa qualquer.
Às vezes, apetece dizer e fazer a mesma coisa, perante esses políticos que amam vaidosamente o poder e todos os poderes que daí advêm. 
É minha convicção que os media, as redes sociais - para além de muitos exageros - podem ir impedindo que o mal se alastre ainda mais. De facto, com a divulgação de casos comprometedores, os políticos poderão vir a assumir uma conduta menos egocêntrica e interesseira.
Perante o estado do mundo, se calhar ainda vai demorar várias gerações. Mais vale tarde...

sábado, 17 de setembro de 2016

Lugar comum: Uma vida

Obrigada
Quando cheguei à escola, intimidei-me
Uma nova vida começava
As turmas de Francês eram muitas e enormes
Responder e questionar exigiam saberes organizados
Entrava na sala de aula e os olhos abriam-se
Não eram poucas as dúvidas
Tantas coisas aprendi com todos
A ajuda inicial de coordenador foi lição de vida

A ensinar Português, aprendi a amar mais as palavras
Não foram poucos os dias de descrença
Os cargos exercidos entusiasmavam muitos dias
Ser professor é um belo caminho nunca perfeito

terça-feira, 6 de setembro de 2016

As pessoas também se cansam

Há uns meses, no regresso de Londres e devido a grande atraso no voo, dirigi-me a um café no aeroporto de Gatwick. Era hora do almoço. Em inglês, fiz o pedido ao balcão, A funcionária que me atendeu logo me perguntou se eu era portuguesa. Porque ela também era. Com largos sorrisos, acrescentou que estava a trabalhar naquele café havia um mês e que reconhecia sempre as pessoas do seu país. Sobretudo pelos traços do rosto, acrescentou ela, sem nunca perder o alegre sorriso aberto.
Como ela era muito comunicativa, eu tinha tempo e não havia fila, falámos um bocadinho.
Ainda não conhecia Londres, porque o seu dia a dia era casa-trabalho-casa e tinha de descansar.
Mas queria conhecer a cidade quanto antes, porque a curiosidade era grande desde os tempos de escola.

Passados uns tempos, apanhando de novo o avião no mesmo aeroporto, fui tomar um café naquele espaço da zona da restauração. Logo avistei a portuguesa, baixinha e com o cabelo forte enroscado no cocuruto.
Quando chegou a minha vez, fui atendida por outro funcionário. Ela, ao lado,  entregava os tabuleiros a uns clientes, com ar sério e concentrado, sendo indiferente aos meus traços portugueses. Como se já tivesse dado para esse peditório. As pessoas também se cansam.

A uma(s) boneca(s)

Se eu tivesse tido, Clarinha,
Uma boneca como a tua,
Seria muito feliz
A brincar em casa ou na rua.

Ficou na minha memória,
E lá sempre se mantém,
Uma boneca de papelão,
Oferecida por minha mãe.

Tinha o rosto redondinho
E os olhos pra mim olhavam;
Desfez-se em noite de chuva
Quando as fadas descansavam.

Também de trapos eu tinha
Bonecas que minha mãe fazia.
Gostava de as rever agora,
Perdida a inocente fantasia.

Clarinha, brinca muito,
Sempre que puderes brincar;
A vida passa depressa
E não a vemos passar.


Fim de tarde em Hampstead Heath


sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Praça pública

O tempo estava londrino - cinzento e húmido. Era quase outono. Num  largo, concentravam-se vários pubs, cafés, umas poucas lojas de roupa, outras tantas de solidariedade e que vendiam o que era doado para algumas instituições.
Também bem próximo,  havia um pequeno supermercado que tinha o cognome de Essencial. Fora, havia uns bancos de jardim, onde os mais velhos se sentavam a ver quem passava ou a conversar com o companheiro ou companheira. Numa fase da vida em que o essencial contava bem mais do que o acessório.
Ora, nesse dia, num dos bancos, estavam sentadas duas mulheres, mãe e filha,  parentesco logo pressentido  pelas semelhanças físicas entre elas e pela grande diferença de idades.
Ambas eram bem robustas, tinham cabelos encaracolados e presos em rabos de cavalo. A mais velha usava roupas tão compridas que, sentada, quase lhe tapavam os pés. O cabelo era mais curto, mais grisalho e mais crespo do que o da filha, cujas roupas também eram largas e longas.
Como eram volumosas e tinham um saco grande do supermercado, ocupavam todo o banco. Foi quando a mais nova tirou frango do saco e as duas começaram a comer com vagar e aparente regalo. Quando terminaram, olharam as pessoas que passavam naquela pequena praça, uma a uma, tendo no rosto, cheio e corado, alguma dor por terem de ir para as águas furtadas, onde residiam e donde nem a rua podiam avistar. Na casa, havia uma mesa mas nela se instalava sempre a cinzenta e húmida solidão.

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Dar nomes às coisas

A avó da Clarinha
Quando olha para os brinquedos
Dá-lhes nomes que lhe surgem
Muito simples e sem enredos

Assim é a boneca-carrapito
O peixe de boca aberta
E a Clarinha pela certa
Também achará piada
Sabendo reconhecer
Os bonecos que prefere
Bem antes de adormecer

O boneco narigudo
A bonequinha-risota
O panda que é sortudo
E o cãozinho sem casota

A bola grande do Ronaldo
A pequena dos coelhinhos
A malinha da música
E o jogo dos peixinhos

E é tão bom ver a Clarinha
Com alegria a brincar
Parece que a vida renasce
Com motivos pra celebrar

Para estar mais segura
E não meter coisas à boca
Pra que tudo corra bem
E nada aconteça de trágico
Ao quadrado onde brinca Clarinha
A avó chama-lhe mágico

E assim a avó
Nomes às coisas acrescenta
Mas tudo surge natural
O mundo torna-se melhor
Distante de qualquer mal
Parecendo que nada inventa!

domingo, 28 de agosto de 2016

Motivação à leitura


Cartaz afixado numa biblioteca pública nos arredores de Londres. 
Estava colocado numa sala destinada às crianças.

sábado, 27 de agosto de 2016

As Bibliotecas são para comer?

Pelo que conheço de Londres, existem muitos locais com atividades destinados às crianças. Parecem-me ser frequentes os concertos para os mais pequeninos que, acompanhados por um adulto, vão adquirindo hábitos musicais e  de interação com os outros.
No caso dos bebés, os adultos sentam-se em círculo com o respetivo pequerrucho e vão participando todos das músicas que se vão ouvindo ou cantando.
Num desses concertos, numa Biblioteca pública, com canções acompanhadas à viola, havia crianças até uns quatro ou cinco anos. Como nessas idades o tempo de concentração é bastante reduzido, o concerto durou pouco mais de meia hora.
A uma dada altura, uma das adultas presentes - não sei se a mãe ou nani, -  levantou-se, levando consigo um menino de uns dois anos e uma menina de uns quatro. Havia uma mesa para a leitura ou desenhos e sentaram-se os três. A jovem tirou um livro da carteira e pôs-se a ler, depois de ter colocado; à frente dos meninos, muito branquinhos e muito louros,  dois pratinhos cheios de comida que foram comendo em silêncio.
Bem perto, o músico continuava a tocar, a sorrir, a dizer pequenas frases motivadoras, a partilhar o seu gosto pelas canções que iam passando de geração em geração, como "Old Macdonald had a farm".
E, curioso, também era estranha a comida, partida aos bocadinhos, aparentemente viscosos, e toda da mesma cor. E, ainda mais curioso, os meninos comiam com a mão.

Girassóis na rua

Numa das muitas ruas sossegadas de Londres, existem árvores em pequenos canteiros quadrados, integrados nos passeios relativamente largos. Nesses canteiros, florescem pequenas flores cujas cores se conjugam com harmonia. De um desses canteiros, era ver vários girassóis bem largos na sua cor e altura.
Se alguém tivesse dúvidas sobre a rua onde se encontrava, uma vez que as casas são muito semelhanças, quando visse os girassóis, logo teria uma boa referência.
Não sei quem planta essas flores nesses espaços públicos. Se for trabalhador de qualquer autarquia, está a fazer um trabalho útil  à Comunidade; se for alguém por livre iniciativa, partilha, generosamente,  sentido estético e amor à Natureza.
Possa haver cada vez mais flores nas ruas. Que crescem sem abafar as mais pequeninas à sua volta,  todas com a sua própria cor.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

As flores na caixa

Não conhecia o nome a quem as flores se destinavam, mas havia uma semana que a caixa se encontrava naquele sítio, bem perto da porta por onde os diferentes inquilinos, que mal se conheciam, entravam e saíam. Como tinha havido um aniversário no prédio, a caixa poderia conter um presente para o aniversariante, mas não, as flores tinham outro destinatário. Se calhar, flores escolhidas com gosto e critério, mas, a avaliar pela demora em recolher a caixa, seriam para alguém que, por certo, já lá  não morava.

Para quem gostava de flores, custava imaginar um ramo a murchar sem ser olhado com olhos a sorrir e lábios felizes a agradecer.
Também quem fez o ramo devia ter pensado na melhor maneira de reunir as flores, combinando cores e carinhos.
Ninguém no prédio deslocara sequer a caixa, por curiosidade ou para libertar melhor a passagem.
Porém, toda a gente, ao passar, olhava a embalagem ali deixada. Como um velório de alguém que foi morrendo sem nunca ver apreciado o seu real perfume.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

As histórias de Clarinha

O riso da Clarinha

A Clarinha gosta de rir
Ou melhor, de a todos poder sorrir
Mas são sobretudo as crianças
Que o sorriso  lhe fazem abrir

Desde pequena que oiço
Que o sorriso é dobrado
Quando parece gargalhada
Por motivo inesperado

Mas nem sempre a Clarinha
Ri por alheias brincadeiras
parece por vezes dizer
Adultos, tenham maneiras

Assim, não ri quando se quer
Porque o sorriso não é forçado
A Clarinha tem de achar graça
Para o sorriso se ouvir dobrado

As histórias de Clarinha

Os livros e a avó

A Clarinha gosta de livros
De os abrir e folhear
Parando naquelas imagens
Que a sabem fascinar

Como  só tem um aninho
Não repara num pormenor
Que a avó gosta de os ler
Mesmo já sendo senior

E gosta de ler à Clarinha
Tantas hístórias do dia a dia
Porque o que é natural  e simples
Ensina e dá alegria

A avó da Clarinha
Olha a capa e a contracapa
Apreciando todo o trabalho
Que a tantos leitores escapa.

E a os livros de Clarinha
Quando ela vai fazer oó
Dão mais vida à prateleira
Ou são relidos pela avó

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Um garfo e o café expresso

Numa manhã de agosto, mãe e filha passaram pela confeitaria Gail - recentemente aberta em West  Hampstead, nos arredores de Londres,
Pediram café e uma fatia de bolo. Em inglês, continuando a falar entre si em língua portuguesa.Foi quando, do lado de dentro do balcão, um funcionàrio perguntou: 'querem um garfo'? Como não era habitual ouvirem falar português, só passados uns segundos as suas palavras foram assimiladas, seguidas logo de um sorriso e de um obrigada.
Após alguns dias, uma delas passou por lá outra vez na esperança de ver o mesmo funcionàrio e pedir-lhe um café bem tirado. Bem mesmo à maneira portuguesa - o pedido e o café. Só que o homem não  estava lá. Ela pediu na mesma um expresso -  sendo-lhe perguntado se era para levar ou tomar à mesa e se o café era duplo ou single.  Respondeu que era para tomar lá, que era single e deram-lhe um número para ser identificada a mesa onde iria sentar-se,
Dentro de alguns minutos, chegava um jovem funcionário com o café bem curto, bem azedo, bem morno que foi tomado em dois ou três goles. E mostrou admiração pela cliente tomar apenas o café sem comer nada. E talvez por aquele liquidozinho escuro no fundinho da pequena chávena custar duas libras.

domingo, 21 de agosto de 2016

Tal como na escrita

Em composições dos meus alunos, e não só, leio muitas vezes que se escreve para esquecer a realidade e os problemas da vida. Poderá ser, mas será sobretudo para encontrar outros caminhos e outros prazeres que enriquecem essa realidade. Tal como muitas pessoas se comprazem com outras atividades ou diversões.
Escrever é também um modo de estar só, tentando ir ao encontro dos outros.
Não sei como me surgiu esta ideia em manhâ de domingo que ainda está no início.
Talvez por ser o dia em que comummente  se busca algum relaxamento. Tal como na escrita.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

'Eating in the rain'. Or loving?

Em Londres, mesmo em dias de chuva de verão, as pessoas não deixam de tomar os seus capuccinos, lattes, sumos, etc nas esplanadas, mesmo quando estas ocupam parte de um estreito ainda que  coberto passeio. Não sei se no inverno será assim, mas penso que os ingleses nâo desperdiçam o ar livre sempre que podem.
Numa sexta- feira de agosto, um par de namorados tomava um chá com os habituais bolinhos servidos em pratos com pé. Chovia. Os pingos finos mas persistentes da chuva caíam a um meio metro. Saboreavam o chá e os docinhos amorosamente e devagar. A rua era sossegada por oposição à parte da frente da Patisserie Valerie, bem perto da zona dos museus de grandes filas, mesmo em dias de chuva quase outonal. Ao lado, sentou- se uma jovem que logo abriu uma revista folheando-a.
Como as mesas estavam muito próximas, os três começaram a falar e foram ficando, apesar de a manhã se ter despedido e a tarde ter chegado.
O par continuava aconchegado, dando as mãos, apoiando-as no ombro da pessoa amada...
Quando se despediram, sorridentes, a rapariga continuou a ler a revista, a rua manteve-se
 quase sem tränsito, mas tinha parado de chover.