sábado, 3 de dezembro de 2022

Página do diário de uma menina que não gostava do Natal

 

Como acontece há mais de dez anos, saiu a coletânea 

de textos de Natal 2022

da Editora Lugar da Palavra.

Partilho o meu texto que foi publicado. Em modo adolescente, falo de algumas pequenas coisas

que considero relevantes, no Natal e não só. 

Tenho pena é de (ainda) não as pôr em prática. 

 


Querido diário, para mim, não há estação mais feliz do que o verão. Passar muito tempo com os meus primos é o melhor das férias. As recordações que me ficam desses dias grandes são como peças bonitas de coleção, sei lá, como os bules da minha avó. Ela fala dos seus bules com tanto carinho e alegria que, quando gosto muito de alguma coisa, lembro-me logo deles. Ela diz que gosta dos bules porque lhe contam histórias. Durante muito tempo não entendi o que queria dizer, e agora percebo quando penso nos dias alegres das férias grandes.

Mas não gosto nada do fim de agosto, quando os adultos começam a falar do inverno. É como se as corridas de bicicleta, os gelados a escorrer nas mãos, as tardes na praia acabassem de repente e começassem logo outras coisas sem piada nenhuma, como levantar-me cedo, ter de tomar o pequeno almoço à pressa, ver os meus pais sem paciência...

 E acho esquisito os adultos começarem tão cedo a falar dos comeres do Natal. Este ano, os meus primos e eu ouvimos mais uma vez:

- Vamos no bacalhau? Ou compramos polvo? Ou baralhamos o esquema e fazemos francesinhas?

- Cá para mim, não há nada melhor do que batatas cozidas com bacalhau, penca e grelos. Tudo a fumegar nas travessas antigas.

E por aí fora.

Até das sobremesas já se fala:

- E se este ano o pudim fosse à abade de Priscos?

- A aletria e as rabanadas é que não dispenso.

 Não há pachorra.

Como os meus pais e os meus tios passam tanto tempo a falar do que se vai comer no Natal, a minha prima mais velha até diz que mais parece a festa da comida. E nos aniversários é a mesma coisa. Podiam antes pensar em atividades diferentes e fixes para todos. Às vezes, damos sugestões, mas ninguém as ouve.

Como posso gostar do Natal, querido diário? Para mais, já sei que vou ver a minha mãe stressada porque não teve tempo de terminar trabalhos urgentes por causa de tudo que teve de fazer. E se se lembra de repente de uma coisa importante de que se esqueceu, lamenta-se, fica mal disposta e em casa faz-se intervalo do espírito natalício.

Ao longo do ano, os meus pais queixam-se da falta de dinheiro, dizem que temos de poupar cada vez mais, que não aguentam a inflação, criticam quem gasta mais do que tem, mas só porque o calendário diz que é Natal, até fazem lista de presentes e de um montão de coisas a mais do supermercado. E que dinheirão é preciso. E que desperdício de coisas. E que poluição às vezes. Como se o planeta aguentasse tudo.

Aposto que, quando passar a febre do Natal, vão ficar mais uma vez chateados ao repararem no dinheiro que gastaram a mais e que faz muita falta.

Quando eu era mais pequena, para se justificarem, os meus pais vinham com aquela de que os presentes eram oferecidos pelo Pai Natal. E era tão bom acreditar nisso, querido diário. Eu sei que também era por amor que me davam os presentes, fazendo de conta que era o Pai Natal, mas o amor não é só dar coisas que se embrulham em papel bonito.

 Uma vez, pedi ao Pai Natal o que já tinha pedido ao meu padrinho, em resposta a uma carta que me mandou do Brasil, quando fiz a comunhão solene: gostava de um relógio ou de uns chinelos (ainda estou para perceber este meu pedido) ou de uma boneca. O meu padrinho nunca mais me respondeu. Se não queria dar, por que me perguntou o que eu queria? Às vezes, os adultos nem ouvem nem respondem.

Mas também o Pai Natal não leu o meu pedido ou então esqueceu-se. Acho que foi a partir daí que comecei a desconfiar que ele só existia nas histórias cheias de neve e de ternura. O resto era imaginação e música de Natal.

Nesse tempo, as cartas que eu lhe escrevia eram mesmo bonitas, em letra redondinha e com desenhos a cores alegres para lhe dar força e não desistir da longa viagem. A letra redondinha era para que lesse bem os pedidos e desejos, porque o Pai Natal, como diz a minha avó, já não vai para novo e deve-lhe falhar a vista.

Agora, que esse tempo de magia e ilusão infantil já abrandou, apetece-me dizer que preferia hibernar no Natal, mas ninguém me levaria a sério e diriam logo que são esquisitices de adolescente, o que me ia deixar triste ou furiosa. Ou então que tenho a mania de que posso mudar o mundo, mas que para isso era preciso que todos fizessem a mesma coisa. Eu acho que assim é que o mundo não muda se estivermos à espera que sejam os outros a fazer e se repetirmos sempre as mesmas coisas só porque é tradição.

 Uma vez, eu disse que se cada um fizesse todos os dias uma coisa boa pelo ambiente e pela humanidade - nem que fosse pequenina - já valia a pena e que isso podia ser uma sugestão útil para o Natal. Acho que ninguém ouviu, a não ser a minha avó. Sorriu-me e atirou-me um beijinho. Gosto muito da minha avó. Para ela, os netos são o mais importante que há no mundo e arranja sempre tempo e paciência para nós.

Nunca lhe perguntei se gosta do Natal, mas em breve vou querer saber. Não sei o que me vai responder; mas sei que vai olhar para mim com doçura, que me vai ouvir e que não se vai rir de mim nem me vai criticar.

Eu acho até que, a partir daí, vou passar a gostar mais do Natal.

 

 

 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

São fungos, senhores!

Num passeio nos arredores de Londres, a minha filha tirou estas fotos que me enviou. 

É caso para dizer: - São fungos, senhores!

E também acrescentar: - Até nisto a natureza é Artista.


 


 

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Uma história do João Ratão - vídeo

 

Bom dia! Como o prometido é devido, partilho aqui o pequeno vídeo com um excerto da pecinha de teatro Uma história do João Ratão.

E, só por curiosidade, quando no sábado passado, passámos o vídeo, fez-se silêncio, mesmo os mais pequeninos que estavam presentes.

Oxalá gostem também.

domingo, 27 de novembro de 2022

Um pouco da história de ontem

 

 Antes de mais, obrigada pelas mensagens amigas e carinhosas - tão boas nas histórias dos nossos dias.

Ontem estava sol e foi bonita a tarde com a apresentação de Uma história do João Ratão. Partilho o texto que escrevemos e lemos.

Em breve, partilharei também o vídeo com um excerto da pecinha de teatro.

 

Boa tarde a todos e muito obrigada por terem vindo. Eu e a Maria Clara Miguel estamos felizes neste dia em que partilhamos um livro que escrevemos com tanto gosto, que a Ana Bessa ilustrou de forma tão colorida e criativa, e que teve o apoio da Editora Lugar da Palavra.

Pessoalmente, também me sinto muito feliz e reconhecida pelo apoio, e carinho da minha família e dos meus e nossos amigos.

Muito obrigada também à Dr.ª Teresa Couceiro, que, em nome da Câmara Municipal de Gondomar, gentilmente nos cedeu e organizou este espaço, onde hoje nos reunimos para celebrar os livros, a literatura, para celebrar o teatro, para celebrar a infância…

E muito obrigada também aos jovens e aos colegas que estiveram tão carinhosamente ao nosso lado e ao lado do João Ratão, cuja vida quisemos recontar à nossa maneira, partindo da história que todos nós já ouvimos ou lemos.

 

Boa tarde a todos e muito obrigada por terem vindo. Continuando o que a minha grande e querida amiga Maria Dolores começou por dizer, prossigo: pegámos na história tradicional da Carochinha, mas inventámos a possível infância do João Ratão, com acontecimentos que se vão ligar a um final diferente da história tradicional.

Daqui a bocadinho, vamos poder ver um trabalho de representação de alguns excertos da peça que escrevemos e que alguns estudantes prepararam para todos nós com a ajuda do Clube de Teatro da Escola Secundária de Gondomar, “As três pancadas”, estudantes esses que passo a elencar com muito carinho e reconhecimento: Celso Antunes, Dinis Cunha, Inês Constante, Joana Pereira e Mariana Barandela.

Muito obrigada à professora Albina Dinis, que lhes lançou este desafio a nosso pedido e que, infelizmente, por motivos de saúde não pode estar hoje connosco. Muito obrigada ao ator residente do Agrupamento de Escolas de Gondomar n.º1, António Portela, que os orientou na dramatização de uma passagem do livro que vê hoje a luz do dia.

A Escola, centro de muitas destas sinergias, simpaticamente, cedeu instalações para os ensaios, o António Portela, presencialmente, e a Albina Dinis, à distância, foram orientando os 4 ensaios e do trabalho de todos foi surgindo mais beleza, que se registou em filme no dia 9 de novembro de 2022. Por tudo isto também, o nosso agradecimento à Direção do agrupamento de que faz parte a ESG e que permitiu que esta encenação filmada fosse possível.

 

 

Estamos muito reconhecidas a todos pela vossa colaboração, pelo vosso talento, pela vossa disponibilidade, e por terem revelado tanto empenho.

E nestas palavras de agradecimentos tão merecidos, deixem-me dizer como foi bom e estimulante este trabalho de parceria com a minha querida amiga de longa data, Isaura Afonseca, ou seja, com a Maria Clara Miguel. Foram numerosos e divertidos os encontros de trabalho à mesa de uma pizzaria da marginal de Gondomar, mais ou menos ano e meio antes da Covid 19 fazer parte das nossas vidas. Só afastávamos o computador quando nos dava fome e saboreávamos umas fatias deliciosas de pizza.

Depois voltávamos ao trabalho de escrita  presencial que cada uma de nós continuava ou repensava em casa para voltarmos a aferir o texto em conjunto.

Em maio de 2019, tínhamos o texto concluído e enviámo-lo ao nosso grande amigo Manuel Maria, também ele escritor, que durante muitos anos, foi o responsável pelo Grupo TESG (o antigo grupo de Teatro da Escola Secundária de Gondomar), que nos deu a sua opinião sobre a nossa pecinha de teatro: teria ela pernas para andar em palco? A resposta foi afirmativa. Muito Obrigada, Manel, por também teres contribuído para o nascimento deste nosso João Ratão!

Através da vida que procurámos dar a esta personagem e a outras, quisemos que houvesse alguma graça, mas também valores humanos cada vez mais importantes, como a amizade, o amor, a solidariedade, o respeito mútuo,  a entreajuda, etc

Como a música é essencial numa peça de teatro, sugerimos algumas canções que podem ser cantadas pelas crianças e das quais muitos professores, pais e avós se lembrarão.

Oxalá as crianças e os adultos gostem deste livro, como nós gostámos de o produzir e possam aproveitá-lo em família ou na escola.

Mais uma vez obrigada pela vossa presença e passo de novo a palavra à Maria Clara Miguel

 

Reitero tudo o que a Dolores, pelas duas, já referiu, mas, se me permitem, queria apenas expressar mais algumas breves palavras.

Agradecer antes de mais à minha família pelo apoio que me tem dado e aos amigos que sempre estiveram comigo quer presencialmente, quer à distância.

Quero agradecer à minha parceira de escrita que correspondeu 100 por cento ao meu desafio: “Dolores, vamos fazer as duas uma peça de teatro?”.

Já não sei muito bem os pormenores deste episódio. Lembro-me de que foi ao telefone na sequência de uma das nossas tantas conversas. Lembro-me de que a Dolores se riu e me perguntou qualquer coisa muito parecido com isto. “E vamos escrever sobre o quê?”. E com esta questão, o desafio foi aceite. Depois foi tudo muito rápido. Sei lá, disse eu, talvez reescrever uma história infantil! “É, pode ser. E que tal a história da Carochinha?, sugeriu ela. E foi a partir daqui que nasceu o nosso Ratãozinho feito peça de teatro.

Foram momentos muito felizes junto ao Douro que se prolongaram em casa. Não sei ao certo o contributo que o rio da nossa aldeia, parafraseando Caeiro, teve na criação da nossa história, mas sei que o teve. Nela também há um rio onde um certo Tonico Burrico costuma pescar e junto ao qual há um moinho onde vive uma Joaninha com a sua mãe. Um rio cruzado por uma ponte que o nosso João Ratão atravessa para ir ao moinho comer um rabinho de sardinha, alimento que na história detém um papel fundamental e que cruza os três atos que a constituem.

Mas não vou entrar em mais pormenores. Vamos ver agora o pequeno filme que temos para vós e lançar-vos um desafio.

E se neste Natal nas vossas casas houvesse uma representação de um momento desta nossa pecinha de teatro. Por que não criar momentos de interação entre família, reunindo miúdos e graúdos numa alegre e nostálgica fantasia? Por que não reavivar essa magia que é o Natal?... Por que não?...

Vamos então a este teatrinho feito filme!

Um outro desafio: Quem colaborou neste documento quer dizer algumas palavras?

Mais uma vez obrigada por estarem aqui.

Um feliz Natal para todos e boas leituras!

 


Dois dos atores do vídeo a falar da sua experiência.

sábado, 19 de novembro de 2022

Convite


 

Escrita antes da pandemia, vamos apresentar Uma história do João Ratão, no próximo sábado, dia 26, pelas 16 h, na Biblioteca Municipal de Gondomar.

Digo 'vamos' porque a história foi adaptada e escrita por Maria Clara Miguel (pseudónimo de Isaura Maria Afonseca) e por mim, em bastantes sessões bem dispostas de trabalho, quase sempre à mesa de uma pizzaria à beira-rio, a que se seguia uma releitura individual em casa, para aferirmos, de novo e mais tarde, em conjunto.

Temos agora, o 'nosso' João Ratão em diferentes situações - umas mais comuns, outras menos conhecidas. Esta pecinha de teatro, onde vivem agora, ajuda a contá-las e a cantá-las. 

As bonitas ilustrações são de Ana Maria Bessa e a publicação é da Editora Lugar da Palavra.

Oxalá gostem do livro e as crianças também.

Obrigada.

 



quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Privilégio?


Cada vez gosto mais de ouvir podcasts. Podem-se ouvir quando e onde quisermos e pudermos. Ajudam, na minha opinião, pelo menos os que gosto de ouvir, a conhecer diferentes visões do mundo, com tempo para dizer e explicar.

Numa manhã de um dia destes, deliciei-me a ouvir dois episódios de ‘A beleza das pequenas coisas’, podcast de Bernardo Mendonça. Sentada no sofá, a fazer crochet, ouvi as duas longas entrevistas com duas mulheres tão diferentes mas com vidas de uma imensidão de coisas para partilhar. 

Gostei particularmente da entrevista a Lídia Jorge pela serenidade profunda que põe nas suas palavras, a propósito dos livros que escreve, do que se passa à sua volta, etc, expondo-se, embora com contenção. 

Fiquei com vontade de ler o livro que escreveu a pedido da mãe, já próxima da morte: Misericórdia. A escritora disse ter tido essencialmente a preocupação de lhe dar voz, um modo também de escutar quem é idoso e está num lar.

O episódio seguinte foi com Maria Filomena Mônica, que falou da sua vida e da sua obra num grau de maior de exposição. O pano de fundo foram quase sempre os livros e a vida pessoal e familiar que está por trás de vários: Bilhete de identidade,  Duas mulheres,   etc

A investigadora padece de cancro há vários anos e faz sessões de quimioterapia, que às vezes são longas. E foi bonito o elogio que fez ao marido, António Barreto, que sempre fez questão de a acompanhar.

Ora, a propósito destas sessões, disse que muitas mulheres, no hospital, só falam de doenças e referiu o privilégio que é gostar de ler e de escrever. Partilho deste sentimento. A vida teria bem menos beleza sem a leitura  e sem a escrita. Mesmo destas pequenas coisas.



terça-feira, 8 de novembro de 2022

Do parque infantil à reforma aos 56 anos


Não chovia, ao contrário dos últimos dias e, depois da escola, ainda deu tempo para irmos um bocadinho ao parque:

- Avó, podemos ir ao parque? Os meus amigas vão e eu gosta.

- Está bem, vamos então um bocadinho.

Muitos meninos ficam lá a brincar quando está sol  ou, pelo menos, não chove. Há país e mães que vão conversando, enquanto os veem e esperam. Um pai que eu já conhecia sentou-se próximo e começámos a falar. Como as brincadeiras no baloiço, escorrega, etc iam durando, íamos conversando. Eu não entendia tudo, ele sabia-o e falava de forma clara e pausada (eu estava contente comigo própria porque achava que não conseguia ter uma conversa prolongada em inglês e, afinal, conseguia). Falámos do Brexit, da imigração que muitos não aceitam mas que a ninguém rouba o emprego,  do trabalho que o satisfaz, da família, etc

Como o meu interlocutor era uma pessoa comunicativa, surpreendeu-me o que disse sobre o pai: tinha 56 anos quando se reformou e, nos anos que se seguiram, não tinha quaisquer interesses, para além de estar em casa a ver a televisão. Perguntei-lhe se ele convivia com alguns amigos. Não, só a família. Estranhei pela idade ainda jovem e pelo país cheio de possibilidades.

A tarde ia ficando cinzenta e voltámos para casa, de mão dada porque a rua era populosa. Quantas histórias nela caberiam?



domingo, 6 de novembro de 2022

Um vestido para a boneca