1. Antes de vir para Londres, fiz alguns exames médicos.
Penso sempre que posso ficar doente e vir dar trabalho, o que não quero de modo algum, porque
o tempo já lhes é pouco para os trabalhos que têm de fazer e precisam é de ajuda. Foi então que
fiquei a saber que tenho o sangue um pouco mais açucarado do que devia. Às
vezes, com o tempo, vou-me esquecendo das mazelas que vão aparecendo, mas, desta vez, resolvi levar a sério e logo reduzir aos hidratos de carbono, dizer adeus a croissants, chocolate, etc.
E não me está a custar, como pensei muitas vezes que custaria.
Espero até que a balança sinta menos peso, porque
também tenho andado mais pé. Apesar de ter banido algumas coisinhas doces, se a balança
continuar azeda, não quero mudar o rumo que há pouco encetei. Já tenho idade para não
ceder a azedumes.
2. A mãe de uma vizinha vive em Hong Kong. De vez em
quando vem passar uma temporada aqui em Londres para ajudar a filha.
Uma menina da turma da minha neta tem cá a avó por uns
tempos. Veio de Goa e a outra avó vive na Austrália.
Eu venho de Portugal quando é possível e fico cá
também o tempo possível. O mesmo faz a outra avó que vem da Califórnia.
Muitas mães-avós, venham elas de onde vierem, trazem mimos também para pôr na mesa. Eu trouxe, por exemplo,
marmelada de marmelos do nosso quintal e trouxe bacalhau. No dia seguinte a eu
ter chegado, já havia uns lombinhos de bacalhau de molho que deram bolinhos do mesmo com
arroz de feijão. Pus também o feijão de molho, coisa que esta casa ainda não tinha
visto.
E devia estar bom, porque nada sobrou.
As outras mães-avós não sei o que trarão, porque não
vi, mas vi alguns sorrisos nos rostos de alguns netos ao lado delas, a
dar-lhes a mão.
E muitas outras mães-avós haverá nesta cidade, neste
país, neste mundo que vão adoçando as vidas, muitas vezes muito mais do que a sua.
Não posso falar por quem não conheço, mas acho que às
vezes as mães-avós gostariam de ser apenas filhas. Nem que fosse só por umas
horas.
3. Um dia destes, pus à minha neta a pergunta mais que
batida: o que queres ser quando fores grande?
Pensou um bocadinho e logo respondeu:
- Quero
ser tratadora de pandas.
- Não sei se aqui há pandas verdadeiros, acrescentei eu.
- Não faz mal,
avó, se não houver, vou para outro país, disse ela, aconchegando a si o seu panda,
muito frequente e fofa companhia.
E pensei que, apesar de as guerras atuais baralharem
fronteiras, o que são essas barreiras para uma criança de seis anos? Sabê-lo-á
quando crescer. Oxalá ainda haja pandas e meninos que sorriam e que sonhem.
E avós que, embora pareçam esquecer-se de si, não perderam o gosto de sonhar.