terça-feira, 26 de julho de 2022

Dias de Londres - com podcasts dentro

 

Hoje de manhã ouvi dois podcasts: A noite da má língua e Old friends.

No primeiro, foi longo o diálogo cheio de graça e ironia sobre o beijinho que o Marcelo deu na barriga de uma grávida; no segundo, os dois sábios, Sobrinho Simões e Júlio Machado Vaz, teceram muitas considerações sobre vida e obra da grande artista Paula Rego, falecida há pouco (quando puder, quero voltar à Casa das Histórias, em Cascais).

Entre imensas coisas muito interessantes, referiram o facto de a pintora-contadora de histórias ter saído de Portugal a conselho do pai, porque, na época, em Portugal, as mulheres não viviam em liberdade. A partir desse cenário, abordaram o tema do medo presente nalguns quadros da artista.

Apesar de eu não ter vivido nos primeiros anos em que ela viveu, reconheço que, mesmo depois, a educação se baseava muito em medos: sobretudo dos castigos de Deus, traduzidos em tempestades, catástrofes, etc. Havia que ter medo de tudo para que tudo se mantivesse. E palavras como submissão ainda me ferem o ouvido.

O apoio do pai corrobora uma ideia há muito cimentada em mim: a de que as pessoas que têm grande sucesso habitualmente tiveram ou têm alguém que lhes deu apoio e lhes mereceu confiança. Ou porque acredita nelas, ou porque lhes reconhece valor, ou porque está do seu lado, etc. 

Às vezes, basta um elogio sincero, um sorriso de empatia na hora certa, uma palavra para motivar para uma vida. Quando fiz a 4a classe, era necessário o exame de admissão aos liceus. A preparação era feita pela própria professora. Eu não iria prosseguir estudos, como a grande maioria das raparigas da turma, mas a insistência da professora para que não deixasse de estudar, prescindindo até da respetiva remuneração para me preparar para o exame, ficou-me para toda a vida.

 Chamava-se Gracinda e nós dizíamos D. Gracinda. Deve ter falecido há muito tempo, mas as suas palavras nunca me morrerão. Como uma old friend que, ainda que ausente e só vivendo em memória, nunca esquecerei.


 

segunda-feira, 25 de julho de 2022

Dias de Londres - (des)arrumações

 

 Hoje passei a manhã e uma parte da tarde em arrumações no quarto da Clarinha. Já tinha reparado que havia coisas e caixas que precisavam de organização, mas gosto cada vez menos de ser demasiado intrometida. Ainda bem que a minha filha me falou do assunto. 

Mãe, como ficas ainda algum tempo, não queres dar ordem a esta desordem do quarto?

Claro, filha, já tinha visto que era preciso.

Depois, já sozinha no quarto, porque estas coisas gosto de as pensar em sossego e em silêncio, olhei as caixas, voltei a olhar e ia-me interrogando como podia separar e ordenar legos, loucinhas de brincar, lápis de colorir, bonecas, peluches, desenhos, travessões do cabelo, contas para colares... para reduzir espaço ou ganhar mais espaço.

Antes de começar, tirei fotografias para registar o antes e o depois, tipo querido mudei a casa!

 Ao fim da tarde, veio a reação da dona do quarto. Foi boa e fiquei contente. E também quando aspirei o chão e recoloquei os caixotes, podendo circular-se melhor, sentir-se mais organização e até descobrir ou ter à mão coisas que há muito não se encontravam.

Foi então o momento de tirar, toda ufana, a foto do depois. Só que, ao contrário do querido mudei a casa, não tive de recorrer ao Ikea nem ao Leroy Merlin - ficando as casas intervencionadas, na minha opinião, todas brancas e muito parecidas umas com as outras, mas isso é outro assunto.

Depois do depois da arrumação, ouvi, sentindo o olhar claro e meigo (quando  não há pressa nem a pressão do trabalho):

 Mãe, tenho estes 2 caixotes ainda por abrir, desde que mudámos de casa há dois anos…

Nem a deixei terminar e logo lhe respondi: 

Sim, querida, essa será a próxima etapa. Também já tinha reparado nestes caixotes.

E acrescentei: do meu vagar - como sempre diz a avó.

 

domingo, 24 de julho de 2022

Dias de Londres - D. Vitória da Moldávia e várias claraboias

 

Hoje é dia de vir a D. Vitória, uma senhora que veio há anos da Moldávia. Faz limpezas, é simpática e tem ar triste desde que a conheço há já uns anos, mas agora mais.

O meu inglês não é forte e o dela talvez ainda menos. Perguntei-lhe como estavam as coisas no seu país devido à guerra na Ucrânia. Suspirou e disse quase soletrando e com ar cansado: - mal, muito mal. Estamos muito perto da Ucrânia, temos medo do poder militar russo e daquele louco. 

Disse também ter amigos na Ucrânia que estão passando muito mal. E que uma amiga, que fugiu de Odessa, vive agora na sua casa na Moldávia.

Nisto, o telefone dela tocou. Afastei-me da cozinha onde estávamos. Ela atendeu e ia falando em língua para mim muito estranha, mas para ela materna e familiar, a avaliar pela grande fluência.

Peguei no livro que tinha começado a ler e fui para um pequeno espaço donde se veem árvores e se ouvem os pássaros a cantar. De vez em quando, um saltita na vedação de madeira exterior e fico a olhar-lhe os movimentos e a escutar-lhe os sons.

Sento-me e reabro Claraboia de José Saramago, cujo contexto são os anos cinquenta do século XX num bairro de Lisboa - onde vive e trabalha um velho sapateiro ex-revolucionário, uma mulher que recebe visitas noturnas sempre à mesma hora, uma espanhola que nunca se adaptou ao país nem ao casamento, uma jovem empregada de escritório que anseia por salário melhor, um jovem que vai vivendo temporariamente em quartos que aluga em errância quase permanente, duas irmãs - uma delas marcada por um romance dos muitos já lidos - que vivem com a mãe e uma tia... 

Neste livro, em que o narrador olha para o pulsar do bairro como iluminado por uma claraboia, escrito em 1953 mas só publicado em 2011, um ano após a sua morte, Saramago ainda recorre à pontuação tradicional, o que causa certa estranheza a quem está mais familiarizado com a maior parte dos livros mais atuais em que evita, por exemplo, os dois pontos, o travessão, o ponto de interrogação, etc. 

Enquanto a D. Vitória ia avançando na sua manhã de limpezas cá em casa, eu avançava na leitura do livro.

De repente, lembrei-me de que nas várias vindas a Londres eu lhe trouxe um pequeno presente, quase sempre em filigrana da minha região. Desta vez, esqueci-me e tenho pena, porque, mais do que nunca, ela precisaria de mimos e alegrias. Ainda que pequenas. 

Porque as dificuldades da D. Vitória são muitas e variadas, para além do medo daquele homem tenebroso que ataca o mundo, nunca saindo da sua escura claraboia.

 

 

sexta-feira, 22 de julho de 2022

Dias de Londres - Dia do Pai

 

Celebrava- se o Dia do Pai em Londres. A minha neta fez, rapidamente, dois postais com 2 folhas a4 e pô-los sobre a mesa da cozinha, no lugar que é sempre ocupado pelo pai. Quando pressentiu que ele vinha tomar o pequeno almoço, logo correu - habitualmente corre ou saltita - e ficou, curiosa e com o seu olhar azul, a ver a reação do pai.

São felizes estes momentos simples e bons.

Daí a pouco, saímos. Voltei ao metro londrino, mais de dois anos depois. Quase ninguém usava máscara. Apenas nós e mais três ou quatro pessoas. E os casos de covid não estão a baixar.

Depois do almoço de comida mexicana, numa esplanada em rua bonita e sem carros, depois de um café num café grego, depois de passar no local de trabalho da minha filha, eis-nos a entrar no museu da cidade de Londres, para ficarmos a saber mais sobre as invasões romanas e vestígios visíveis ainda hoje, como os do exterior do museu. 

 

E também no museu tivemos informação bem apelativa sobre o grande incêndio de Londres de 1666, que começou numa padaria e que logo se propagou a outras casas - todas muito próximas e de madeira. 

A minha neta tinha dado o assunto na escola - anda no segundo ano - e deixou as suas impressões no caderno de visitantes. Recordou-nos que a professora, nessa aula sobre o incêndio, de vestira de Samuel  Pepys (Londres 1633-1703) que testemunhou e descreveu o incêndio no seu diário.

Por isso, e graças ao seu relato escrito, mais se sabe sobre essa tragédia que causou mortes e roubou a casa a milhares de pessoas que viviam na cidade.

O valor da palavra que fixa o que vai acontecendo.

O passeio terminou em Barbican.

Um belo e polivalente espaço no meio dos imensos prédios da larga construção dos anos 60 do séc. XX, de cujas varandas se erguem ou pendem viçosas e abundantes flores.

 


Sentámo-nos um pouco naquele espaço largo e aberto que à noite se destina apenas a residentes.

Pessoas de todas as nacionalidades ali tinham também convergido. Como se o mundo fosse uma varanda feliz que desse para naturais e repousantes convergências.