domingo, 14 de fevereiro de 2016

Namoro(s)



Chuva miudinha
Luísa - O dia de namorados vai estar bom para namorar. Com esta chuva!
A cliente mais velha - Se fosse no meu tempo, já não se podia namorar!
A cliente mais nova - Era o que faltava!
Luísa - Como assim?
A cliente mais velha - É que namorávamos à porta.
Luísa - Era da maneira que entravam e fechavam a porta!
A cliente mais velha - Seria bom seria mas não era!
Namorava à porta e a minha mãe acendia a luz.
A cliente mais nova - E a lâmpada não fundia?!
A cliente mais velha - Não, mas o Manel dizia que um dia qualquer partia a lâmpada!
Luísa - Que desconsolo! 
E, por falar em namoro, hoje o cabelo é liso ou com caracóis?


Grande caudal

sábado, 13 de fevereiro de 2016

"É Isto o Amor"



Almada Negreiros
 
Em quem pensar, agora, senão em ti? Tu, que
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
dizer: «Como é mais fácil deixar que as coisas
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos
apenas dentro de nós próprios?» Mas ensinaste-me
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo
esse que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo
que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar: com
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu:
a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti, como
gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste.


Nuno Júdice, in 'Pedro, Lembrando Inês'

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A chuva na nossa direção



    A chuva de hoje levou-me até à minha infância ou juventude (por mais distantes que fiquem, bastante próximas parecem!). A nossa casa ficava situada junto a uma casa de lavoura, também familiar,  e muitos campos à volta.
Havia também outras casas e da minha memória não desaparecem duas altas moradias: uma de azulejo azul e outra de azulejo verde. A de azulejo verde tinha um  mirante onde agora (julgo que) ninguém vai e a azul está revestida a pedra granítica e (julgo também que) as vozes que a preenchiam e mantinham viva foram desaparecendo.
Era o tempo de as raparigas fazerem uma boa parte da lida da casa e de se aproximarem, com mais tempo, da janela e da própria natureza. Ao longe, havia uma árvore muito alta cujos ramos nos mostravam a intensidade do vento. A minha mãe dizia: hoje, sopra vento da serra. Ou então: hoje, o vento vem do lado do mar.
Em dias de chuva miudinha tocada pelo vento, víamos a precipitação ao longe e parecia correr na nossa direção, preenchendo o espaço entre a erva dos campos e o cinzento do céu. Ficávamos a olhar, embora fosse frequente aquela aproximação.
Os campos ficavam mais húmidos, as árvores pingavam pérolos de água, as pessoas abrigavam-se em casa, fugindo da chuva que chegara em diagonal ou fazendo ondas que o vento desenhava.
De uma outra janela víamos a casa de lavoura, a casa verde e a casa azul. Como seres que sossegavam e cuja presença mais se notava quando a chuva chegava, mansa, miúda e persistente. E parecia que nada mudaria de cor.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Com e sem máscaras

Há alguns anos (éramos todos vivos e, apesar das naturais incerteza, tudo parecia menos incerto), fui a Podence, freguesia do concelho de Macedo de Cavaleiros. Não era Carnaval. O passeio era um dos habituais a Trás-Os-Montes. Falávamos muito do frio seco, da comida saborosa e fumegante, dos velhos sentados à porta sempre prontos para conversar um bocadinho, das aldeias que se iam desmoronando, deixando adivinhar histórias antigas ainda entranhadas nas ruínas...

No dia em que fomos a Podence, visitámos o museu - julgo que Casa do Careto. Vale a pena, Tomámos nas mãos pesadas máscaras de madeira. Eram caras. E logo ouvimos: é tudo feito à mão.

Não voltei a Podence. Ontem, vi imagens na televisão. Mostravam as provocações feitas pelos mascarados. Ninguém levará a mal, com certeza. De outro modo, não se iria lá nesta época. E existe aproximação, contacto, criatividade e não apenas imitação, confronto com a realidade. Também esta se revela sob muitas máscaras. Só que usadas de modo mais neutro e subtil.

As de Podence são exuberantes e garridas. Neste momento, muitos dos que as transportam de modo festivo e brejeiro olharão o tempo. Ou talvez não, porque é Carnaval e, mesmo com chuva, ninguém leva a mal.

S. Paulo - Brasil

Fotos tiradas sábado passado

Camélias com rendas ao pé


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Um belo poema de Amor


Maria do Rosário Pedreira


Hoje, uns minutos antes das 13h,
ouvi este poema, dito pela autora, Maria do Rosário Pedreira,
no  programa "A vida breve", na Antena 2.
Procurei-o agora em Podcast.
 Ainda não estava disponível, mas vale a pena
tentar de novo e ouvir
"a poesia por quem a escreve".
http://www.rtp.pt//play/podcast/1109

 Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.

Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema — como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa

que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudade de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite — porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me 


a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria, E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.


Maria do Rosário Pedreira

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Tal como músicas!

Sim, também as palavras

O beijo Gustav Klimt  1907-1908
  
Neologismo
  
Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo

Teadoro, Teodora.
                             Manuel Bandeira (1886/1968)


Há Palavras que Nos Beijam

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

                                  Alexandre O'Neill  (1924/1986)

Há palavras (tão) cinzentas. Estas são cor-de-rosa!


Leia-se "fugaz" (efémero, transitório, rápido...)
É caso para dizer: na primeira imagem, cai a nódoa!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Breves em breve Porto-Londres-Porto

Casa
Como está grande! E os olhinhos mais azuis! Que riqueza!
E a bebé sorria. E também os pais. E também as visitantes, se se pode chamar assim a um tronco tão comum.
 E em breve saíam à rua, fixando o momento numa sorridente selfie sob o sol fresco de Londres. A rua estava húmida, os arbustos pingavam gotas de chuva acumulada, mas as árvores floriam como luzinhas cor-de-rosa. 
Ou era a bebé que sorria?

No aeroporto de Stansted:
Mãe, neste avião para o Porto só vão portuenses?
Não, filha, vão outras pessoas.
São londrenses?

No avião da Ryanair:
No final da viagem, antes de aterrar, os assistentes de bordo passam revista para verem se os cintos de segurança estão apertados.
Uma passageira, nuns loiros trinta anos, tem um casaco sobre as pernas, tapando o cinto. 
O assistente pergunta se o cinto está apertado. 
Não, diz ela, com voz bem sonora. E continuou:
- Na descolagem não apertei o cinto e vocês nem repararam.
Os assistentes, com um sorriso de "o cliente tem sempre razão" sorriram, com a exigida simpatia, e acrescentaram:
- Como é possível? Não vimos que não tinha apertado o cinto na descolagem.
E logo ela em voz mais alta:
- Eu conheço todos os truques!
E sorria da pretensa esperta vitória.

Altos parabéns
Antes de chegar ao Porto, ainda por cima das altas nuvens, a hospedeira, com voz macia,  anunciou ao microfone:
- Hoje, temos um passageiro especial.
Sim, viaja connosco o senhor Manuel Silva que veio a Londres festejar o seu aniversário. Muitos parabéns e para ele peço uma salva de palmas.
E o avião, cheio, aplaudiu. Ninguém conheceria o senhor Manuel Silva, mas ele poderá contar e recontar que, no dia 31 de janeiro de 2016, um avião inteiro lhe deu os parabéns.
E não é mentira.