sábado, 22 de novembro de 2014

Os casos políticos e os mais jovens



Recuando algum tempo, e mencionando casos mediáticos, os portugueses lembram-se dos privilégios concedidos a Cavaco nas ações do BPN; do caso do imbróglio de milhões na compra dos submarinos; da confusão da Proforma que o primeiro-ministro nunca chegou a explicar; dos Vistos Gold, atribuídos por mãos sujas de polvo; da detenção, ontem, de Sócrates e, infelizmente, muitas mais.
E isto acontece porque existem mentiras, traições, falsas promessas, ambição desmedida, atropelamento de deveres e direitos, abandono de valores humanos, esquecimento do serviço público, desrespeito pelos cidadãos e muito mais.
Pelo que observo, poucos jovens veem ou escutam notícias, mas ouvem falar delas, recebem ecos, muitas vezes até vagos e distorcidos.
Muitos, hoje, dirão: "é mais um, são todos assim", etc. Mas o pior, na minha opinião, é quando pensam e dizem: "se eles são assim, por que é que eu não posso dizer e fazer a mesma coisa?"
Grave é o facto de as gerações mais jovens se confrontarem com estes casos nebulosos em que cada um afirma ter razão, tantas vezes perdendo a razão, ou pensando que os outros nem razão têm.
Quem corrompe ou se deixa corromper nem terá tempo para pensar nisso, tal é a espessura da teia. E é pena não se importarem com o mal que fazem e que não se fica pelo presente, avançando rapidamente para o futuro.
O que mais se irá esconder/descobrir?
Haja justiça, mas não apenas para alguns. Esta prática é também nefasta para os jovens.




quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Liberdade


  
Maria Keil

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,


Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Penhora?! Como disse?



Hoje, o meu fim de tarde foi avassalador.
Como já contei há tempos, pelo mês de abril, recebi uma carta das Finanças, apresentando-me uma dívida de uns quatro mil euros, pelo facto de não ter descontado – diziam eles – para a Caixa Geral de Aposentações, enquanto tive recibos verdes.
Nesse momento, fiquei boquiaberta porque sempre havia descontado para a CGA. Aliás, nem conheço nenhum professor do ensino público que não o faça, uma vez que nos é resgatado do ordenado.
Pedi ajuda (não se confunda com cunha) para organizar as papeladas e comprovativos como, de facto, tinha as contas em dia.
Como o tempo passava e não recebia qualquer resposta, fui várias vezes à Segurança Social, mas a resposta era sempre que teria de aguardar, porque eram coisas demoradas.
Hoje, ao fim da tarde, recebo um contacto do banco, dizendo-me que haviam tido ordem para me penhorarem o ordenado. Apesar de já ter sido avisada que tal poderia acontecer pela calada e de repente, não podia crer no que ouvia.
Estava entre colegas e, claro, vieram à baila os casos conhecidos de pessoas conhecidas que roubam descaradamente; que o país está a saque; que, se não fosse a idade e a família, o desejo seria emigrar…
Seguiu-se um frenesim de telefonemas: para quem me tinha ajudado a organizar o processo e para o banco.
Bem, o melhor era ir à Segurança Social, no Porto, e expor o caso de novo!
- Pode ser amanhã?
- Sim, claro. Vou telefonar e marcar.
- Obrigada. Vemo-nos, então, amanhã.
Passados uns minutos, através de novo contacto, fico a saber que, afinal, ontem havia sido emitida ordem de cancelamento da penhora porque, de facto, como eu tinha declarado e provado, nada devia.
Uf! Que alívio!
E agora pergunto: em vez do ministrinho do Ambiente andar a propagandear a redução dos sacos plásticos do supermercado, não seria melhor contribuir para que não houvesse estes  desperdícios?!
O papel utilizado foi bastante, a gasolina gasta também. Para não falar do stress que provocam cartas maçudas e secas a apontar o dedo como garras para sacar dinheiro que já havia sido descontado. E se o meu caso for multiplicado por muitos mais, que prejuízo ambiental!
Soube que seria penhorada e que, afinal, já estava tudo resolvido em menos de uma hora! Um dos comentários que ouvi foi:
- O melhor é saber destas coisas, porque sabe-se lá o que nos pode acontecer!!
- Poça!

domingo, 16 de novembro de 2014

Não se importam de explicar???



sábado, 15 de novembro de 2014

Cores de proximidade







Mas que a obra não morra!





 

Retrato do artista quando coisa

A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.

Manoel de Barros


                                            
No descomeço era o verbo
Só depois é que veio o delírio do verbo
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é voz de fazer
nascimentos –
O verbo tem de pegar delírio.

Manoel de Barros

 

 
Manoel de Barros nasceu  a 19/12/1916  e morreu a 14/11/2014, com quase 98 anos.
Comunicado pela livraria Poetria

sábado, 8 de novembro de 2014

Exercício de escrita



Este pequeno texto resultou de duas instruções - 
Redigir um texto, em 10/15m, com, obrigatoriamente,
duas frases:
- Pensar com os pés dentro de água;
- Apanhar fruta da árvore e saboreá-la no momento.

No verão, fui ao quintal ver se ainda havia laranjas. Tinham ficado duas no cocuruto da laranjeira. Não lhes chegava. Desdenhei-as, então, como a raposa fez às uvas que apenas estavam ao alcance do seu olhar.
Queria apanhar fruta da árvore e saboreá-la no momento e as únicas possibilidades estavam mais perto do céu do que das minhas mãos. Desisti do intento,
Entrei em casa e pus-me a pensar com os pés dentro de água. Não, pensar não é “estar doente dos olhos”, mas queria sentir os frutos em vez de apenas os olhar pela janela.
De madrugada, chegariam os pássaros. Nessa altura, a bacia de água morna onde amaciei os pés ganharia a dimensão do mar. Ou não.
Porque também os sonhos se servem frios.