quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Diário de Mariana

7 de Outubro

Querido diário,

Hoje tive uma crítica de uma das minhas irmãs. Mostrei-lhe uma página do meu diário e ela disse assim: Mariana, é tão pediátrico!

Fogo. Eu a pensar que a minha irmã ia dizer que era altamente e outras coisas do tipo: Vês, Mariana, consegues ter os trabalhos em dia e escrever o teu diário… e vem-me com aquela que é muito pediátrico. Isto ainda veio aumentar as minhas confusões. Ainda que as confusões sejam outras, não é. Quando eu contar à Bea, ela vai dizer logo: ó Mariana, deixa lá isso. Ao Gi não vou contar, porque não tenho muita confiança com ele e ia logo pensar que sou uma queixinhas. Por outro lado, a minha mãe diz-me muitas vezes que a gente não pode contar tudo.

No oitavo ano, tive uma colega que disse ao namorado a password. Depois, zangaram-se e ele mostrou a palavra-passe a uns amigos e eles enviaram mails mesmo feios como se fosse ela. Às vezes, penso nisso, porque achei super-indecente. A minha mãe diz-me muitas vezes: Mariana, tem cuidado; não se pode confiar em toda a gente.

E tudo isto por causa de a minha irmã dizer que o meu diário é pediátrico.

- Se calhar é mas não é por isso que vem o mal ao mundo, disse-lhe logo eu.

Eu sou sincera: não gosto nada de ouvir críticas, mas, embora não diga nada, às vezes até dão jeito, porque a gente pode melhorar. É mais chato falar com aquelas pessoas que nem dizem se concordam ou se não concordam. Dá mais pica quando as pessoas dizem o que pensam. Não à bruta, é claro, porque acho isso horrível.

Do que gosto mesmo é de te escrever, querido diário. Posso não te dizer coisas importantes, mas é importante para mim dizer estas coisas. Até parece que vejo e ouço melhor as outras pessoas. É mesmo fixe ter gozo naquilo que fazemos. Uma prof até me disse. Mariana, acho-te mais atenta. E eu pensei logo: será que o Gi ouviu o elogio?

Até à próxima, meu “amiguinho pediátrico”.

Mariana

Breve sobre uma vida breve


A morte também leva os ricos e talentosos. Steve Jobs criou produtos que modificaram a comunicação entre os seres. Termos como iphone, iPod, iPad... tornaram-se quase comuns, sobretudo para as novas gerações.
Não sou utilizadora destas novas tecnologias, mas acho fascinante ver tantas pessoas a desfrutar delas como uma coisa boa e natural. São a prova de que a mente humana é inesgotável. E a criatividade e a vontade do homem também.
Não foi (aparentemente) a Universidade que motivou e ensinou o criador da Apple a produzir estes bens que estão disponíveis no mundo. O mérito dever-se-á a ele próprio, às pessoas de quem se soube rodear, ao estímulo de quem lhe reconhecia valor e capacidades.
Sou mais velha do que Steve Jobs e será difícil adquirir e usar um dos seus produtos, mas posso, felizmente, usufruir da evolução que este homem provocou no mundo.
Só é pena a morte levar, mais cedo do que devia, seres de eleição. Felizmente fica a sua obra.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

COMPOTA DE AMEIXAS COM CHÁ E CHEIROS



Ingredientes:

500 g de ameixas frescas e maduras

Um bule de chá com açúcar

Quatro colheres, das de sopa, de rum

Algum tempo, muito afeto

Acessórios essenciais: uma cesta, ervas aromáticas, um bloco, uma caneta, luz do Sol

Se tiver quintal, percorra-o pela manhã. Lá pelo meio de uma manhã de Ssl. Esqueça as ervas daninhas e tudo o que houver de mais rasteiro. Os olhos devem ser levantados para além da sua cabeça, junto das ameixoeiras. Use as duas mãos que ajudarão na procura de ameixas rijas e maduras. Não importa a tonalidade. Podem ser brancas, rosadas ou vermelhas. Tenha consigo uma cesta. No fundo, pode pôr hortelã-pimenta, alecrim, manjericão, lúcia-lima, erva cidreira… Colha os frutos ainda com algumas folhas. Utilize uma tesoura pequena de poda. Usada mas não enferrujada.

Se não tiver árvores de fruto, ou se não for a época procure as ameixas num mercado tradicional. Se a vendedeira quiser aldrabar no preço, é por uma boa causa. Porém, não deixe de regatear. E de escolher os frutos bem frescos, perfumados, coloridos.

Chegando à cozinha, ponha a cesta – mesmo que vá ao mercado, prefira-a ao saco de plástico – sobre a mesa. Retenha as cores e os aromas. Pode até fotografar e registar, por escrito, as suas impressões, porque a memória muitas vezes é curta; as imagens amontoam-se, esbatem-se, apagam-se.

Utilize um bloco que tenha comprado numa viagem ou pequeno passeio com momentos de luz e descoberta. Ponha-o sobre a mesa e vá escrevendo frases soltas. Poderá reutilizá-las, recortando-as e colando-as no frasco. Evite tapar os frutos.

Não desligue o telefone nem o ponha em silêncio. Se alguém telefonar, partilhe o momento.

Lave depois as ameixas, já sem pé nem folhas. Faça-o numa vasilha grande, sem pressa, mexendo os frutos delicada e amorosamente.

Ao lado, tenha outra vasilha. Antiga de preferência. Que lhe traga boas recordações de alguém que gostava de si, que se preocupava consigo, que lhe mostrava sempre um sorriso e que também contava histórias doces.

Misture e ajeite bem as ameixas nessa vasilha. Sobre elas, deite devagar o chá. Use um bule que viu sobre a mesa em dias de festa ou em momentos felizes. Cubra todas as ameixas, independentemente da forma ou do conteúdo. Ponha a tigela num sítio fresco e tranquilo da cozinha. Dê-lhe espaço e visibilidade. Vá à arca e procure uma toalha de estopa ou de linho. Pode ser grossa e enrugada. Aconchegue-a sob a malga. Deixe repousar durante a tarde e noite. Aproveite o silêncio aromatizado para escrever mais longamente.

No dia seguinte, levante-se cedo. Abra a janela. Espreguice-se, esquecendo que a vizinha é madrugadora e curiosa.

Já na cozinha, escorra as ameixas e passe-as para uma compoteira transparente. O rum irá para o lume com um pouco de açúcar e a calda que ficou. Logo que tome ponto, deite-a sobre as ameixas, deixando macerar duas horas. Coloque a compoteira num sítio onde dê o Sol. Vá rodando o frasco para iluminar todos os frutos e poder observá-los melhor na sua unidade e diferença. Saboreie o momento. Guarde a cesta.

Por fim, ofereça as ervas aromáticas à vizinha. Ela disse um dia que não gostava de ameixas.

Tema sugerido em Ateliê de escrita, em Serralves, com o escritor Mário Cláudio

Diário de Mariana

5 de outubro

Querido diário,

Nunca escrevi uma carta de amor. Também acho que nunca escrevi nenhuma carta a não ser na escola. Quando era pequena, ia para o Algarve com os meus pais e as minhas irmãs e a minha mãe comprava-me postais para eu escrever aos meus avós, tios, primos, amigas. Alguns deles, quando iam para fora, também mandavam postais com paisagens bonitas dos sítios onde estavam.

lembro-me de uma vez ter recebido um postal que dizia assim em letra grande: espero que estejas bem. Isto aqui é muito giro. Como não tenho mais espaço no postal, não posso escrever mais nada. Beijinhos para ti e para as tuas irmãs

Quando a minha mãe viu, disse logo: que engraçado, o espaço que gastou a dizer que não tinha espaço. É como a gente passar o tempo a dizer que não tem tempo.

Mas cartas de amor é que nunca escrevi. Um dia, uma prof disse que as cartas de amor têm de ser sentidas e nunca as mandava escrever. Por isso, nunca aprendi a escrever cartas de amor e acho que nunca vou aprender nem escrever. Por exemplo, até gostava de escrever ao Gi e dizer que ele tem uns olhos lindos, mas sei lá se daqui a nada me parecem uns faróis que nem me deixam ver. Fogo, que confusão.

A minha mãe conta que escreveu cartas de amor e também as recebeu. Ainda não tive coragem de lhe perguntar se as guardou ou se as deitou fora. Se ao menos as tivesse reciclado, mas naquele tempo não havia contentores.

Nem sei se hei de contar o que sinto à minha mãe. Vamos indo e vamos vendo, como ela diz.

Até amanhã, querido diário.

Mariana

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Diário de Mariana

4 de outubro

Querido diário,

Fiquei de contar o que se passou na 6ª f. passada e vou tentar dizer agora. Entrei na sala de aula com a Bea como quase sempre. Somos amigas e já somos colegas de carteira desde o sétimo ano de escolaridade. Estamos na segunda carteira da segunda fila. Atrás de nós, mas do lado da porta, está o Gi que teve um acidente e partiu um braço. Estávamos a escrever o sumário e ouvi um comentário do Carlos, que tem a mania de ser irónico e cruel. Ele disse tipo: coitadinho, estás a chorar. Queres colinho? Eu olhei logo para trás. A Bea é que não. Ela está sempre concentrada. Um dia, uma prof disse que a escola podia cair que a Bea continuava a não olhar para o lado. A Bea faz-me lembrar as minhas irmãs. Eu gosto de estudar, mas não consigo ser assim. Parece que as outras coisas me chamam para além do que vem nos livros. Talvez elas sintam a mesma coisa, mas acham que devem saber tudo tudo tudo o que está escrito.Fogo!

Quando olhei para trás, vi a setora com a mão no ombro do Gi a perguntar assim: Gil, o que tens? Por que estás a chorar? E ele respondeu: ó setora, dói-me muito o braço, tenho comichão e muito mal-estar. E a prof: Ó Gil, lembra-te que está tudo a correr bem; o que sentes deve ser natural; vais ver como ficas melhor. Tenta descontrair.

Achei altamente a prof querer ajudar o Gi e fiquei comovida e com vontade de ir ter com ele. Quando cheguei cá fora, a Bea foi ao bar comprar uma garrafa de água e eu perguntei ao Gi: estás melhor? Vais ver que daqui a pouco já estás bom. Ele olhou para mim com aqueles olhos que parecem faróis e disse-me assim: obrigada, Mariana, o que a dê tê disse foi fixe mas vires ter comigo foi melhor. Eu fiquei mais corada do que o laço vermelho do meu cabelo e disse um pouco desajeitada: vou ter com a Bea, deve estar muita gente no bar.

Querido diário, parece que estou sempre a ver os olhos do Gi a olhar para mim. Nunca pensei que isto me acontecesse.

Fico por aqui porque nem sei explicar o que sinto. Será isto o amor? Que pergunta. Nem me conheço.

Até amanhã

Mariana