A chuva de hoje levou-me até à minha infância ou
juventude (por mais distantes que fiquem, bastante próximas parecem!). A nossa casa
ficava situada junto a uma casa de lavoura, também familiar, e muitos
campos à volta.
Havia também outras casas e da minha memória não
desaparecem duas altas moradias: uma de azulejo azul e outra de azulejo verde.
A de azulejo verde tinha um mirante onde agora (julgo que) ninguém vai e
a azul está revestida a pedra granítica e (julgo também que) as vozes que a
preenchiam e mantinham viva foram desaparecendo.
Era o tempo de as raparigas fazerem uma boa parte da lida
da casa e de se aproximarem, com mais tempo, da janela e da própria natureza.
Ao longe, havia uma árvore muito alta cujos ramos nos mostravam a intensidade
do vento. A minha mãe dizia: hoje, sopra vento da serra. Ou então: hoje, o
vento vem do lado do mar.
Em dias de chuva miudinha tocada pelo vento, víamos a
precipitação ao longe e parecia correr na nossa direção, preenchendo o espaço
entre a erva dos campos e o cinzento do céu. Ficávamos a olhar, embora fosse
frequente aquela aproximação.
Os campos ficavam mais húmidos, as árvores pingavam
pérolos de água, as pessoas abrigavam-se em casa, fugindo da chuva que chegara
em diagonal ou fazendo ondas que o vento desenhava.
De uma outra janela víamos a casa de lavoura, a casa
verde e a casa azul. Como seres que sossegavam e cuja presença mais se notava
quando a chuva chegava, mansa, miúda e persistente. E parecia que nada mudaria
de cor.