domingo, 23 de outubro de 2022

O melhor quarto de hotel do mundo - pensou Saturnino

 

A minha mãe, que sempre gostou de rimas, dizia que me podia chamar apenas Nino, enquanto eu fosse pequenino, e que, quando crescesse, logo se via porque até lá canta a cotovia.

Quando me dizia isto, e poucas vezes me falava do assunto, sorria, mas eu, no sorriso dela, via frieza, desamor e ficava a odiar ainda mais o meu nome. Mesmo sem querer, o desgosto de me chamar Saturnino sempre me fez recuar no tempo e vasculhar más recordações, embora no presente encare com mais naturalidade o que acontece e que não podemos controlar.

Eu esquecia isso tudo quando a minha mulher me chamava Saturnino com doçura e alegre naturalidade. Nessas ocasiões, sentia-me, de facto, um homem com nome normal como se me chamasse António, João ou Luís, embora tivesse consciência da mais que provável efemeridade da situação.

Um dia, fomos a Londres e eu próprio me surpreendi com o que viria a passar-se. Estávamos a celebrar o nosso segundo ano de casamento.

 Ela captava muito bem a pronúncia de diferentes línguas e repetia muitas palavras ou sons que ia ouvindo. Costumava até dizer que se vivesse mais do que uma semana num país estrangeiro, quase se esqueceria da língua materna. Eu achava exagerado, mas relativizava tudo quando ela me chamava com meiguice pelo nome.

Uma tarde, andávamos a passear, de mãos dadas, no Green Park, vimos muitos pássaros numa árvore frondosa e um deles tinha um cantar que se distinguia. De repente, largou a minha mão e disse apontando para o pássaro:

- Sat, look!

Foi a primeira vez que me chamou Sat e pronunciou de tal maneira que ouvi Sad. Eu estava tão habituado a que as pessoas ligassem o meu nome à tristeza que irrompeu, na minha cabeça, um turbilhão de más memórias e começámos a discutir.

 Foi quando ela disse com azedume que eu não lhe dava a alegria suficiente que ela desejava para viver feliz. E esperava que, quando tivéssemos filhos, se parecessem com ela e nunca comigo, porque o mundo já tem amargura que chegue e eu aumentava-a em cada dia.

Fiquei desanimado e ainda mais vulnerável. O meu ar de derrota enfureceu-a. Disse-me então que estava farta de mim e do meu nome e que, durante algum tempo, nem queria ver-me por perto. Como estávamos junto de uma estação, correu para o metro e nem tive tempo de ver a linha que seguiu.

Muitas vezes, quando discutíamos, desaparecia por umas horas e, quando regressava, chamava-me Saturnino com voz doce e tudo passava.

Pouco tempo depois, entrei, devagar, na mesma estação de metro e dirigi-me ao hotel, ficando na sala junto ao átrio a ver as fotografias que havia na parede. Quase todas mostravam sítios conhecidos de Londres: a Tower Bridge, o Big Ben, o rio Tamisa, o palácio da rainha, etc. Tudo muito turístico, tipo postal ilustrado de todos os quiosques, sem deixar de ser bonito.

 Pouco depois, quando entrei no quarto, deparei com ela a experimentar, com ar de eterna harmonia e felicidade conjugal, uma lingerie vermelha que estava a estrear e perguntou-me com voz doce:

- Saturnino, gostas?

Claro que gostava. Era maravilhosa e o corpo dela merecia-o, tornando-o ainda mais sensual. Disse-lho, olhando-a com voraz atenção.

Acabámos por ficar muito tempo no quarto e ouvi-a repetir, com voz melíflua:

- Amo-te, Saturnino.

Aquele quarto passou a ser o melhor quarto de hotel do mundo.

 

Saturnino continua a viver aquelas horas na cidade. Vai descobrindo o que é possível. E também em si próprio? 

 

sábado, 22 de outubro de 2022

A melhor cidade do mundo ou Quando ela me chamava Saturnino

 

Confesso que me sentia imensamente feliz quando ela me chamava carinhosamente pelo meu nome que é Saturnino. Sim, Saturnino. Nesses momentos, até o achava comum como António, João ou Luís, sentindo-me normal, como se tivesse também um nome normal, embora essa sensação de normalidade não fosse habitualmente duradoira.

Tenho amigos também com nomes esquisitos, como Bráulio, que até custa a pronunciar por parecer uma trava-línguas; como Adolfo que logo faz lembrar o que ficou na história por tanto mal que fez à humanidade; como Leocádio, a que associo um animal enfurecido a correr na selva, a Octacílio e muitos outros, sei lá eu.

Mas, quando ela me chamava Saturnino de forma carinhosa, até esquecia a tristeza que o meu nome me cravou na cara desde criança.

Um dia, na escola, a professora perguntou-me:

- Saturnino, por que estás tão sotur - no?

Quando reparou na semelhança de som, nem acabou a palavra. Como podia gerar risota, emendou logo e em vez de soturno, disse triste.

Outra vez, a minha turma tinha de dizer o nome de um planeta. O meu companheiro de carteira, que era muito gozão, disse quase a gritar:

- Eu deixo o saturno para o Saturnino. Foi gargalhada geral. A professora tentou conter-se e começou a assoar-se para disfarçar o riso.

De facto, chamar-me Saturnino foi, desde muito cedo, um empecilho à minha felicidade. Eu sentia-me inseguro com medo das reações das pessoas quando ouviam o meu nome.

Em pequeno, quase nunca ouvi a minha mãe chamar-me pelo nome, o que também me marcou. Ficava-se quase sempre por "filho, isto; filho, aquilo". Acho que se arrependeu de ter concordado com a escolha que queria marcar como não sendo sua.

Foi-me dado este nome porque, quando eu nasci, os meus pais tinham uns amigos que aceitaram ser meus padrinhos, mas com a condição de eu me chamar Saturnino. Diziam que gostavam muito do nome, que já não havia crianças que se chamavam assim, o que era uma pena, porque o nome era bonito e estava a cair no esquecimento. Os meus pais aceitaram, porque a minha mãe não queria parecer ingrata, uma vez que aquele que viria a ser o meu padrinho, e que também se chamava Saturnino, tinha arranjado trabalho para o meu pai.

Saturnino continuará a narrar a sua história. 

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Vá lá, um sorrisinho!

 

Devo ser antipática ou, como se diz por cá, talvez morcona (acho tão feia esta palavra; deve haver outras do género noutras regiões). 

Isto tem a ver com um parênteses do post anterior. Se tiveram paciência (obrigada!) de ler, viram que tinha havido uma coisita menos agradável na pequena feirinha biológica aonde fui sábado de manhã. Só tem três vendedores e os compradores também não são muitos, embora o número vá crescendo, felizmente.

Habitualmente, compro mais coisas a um dos vendedores, porque gosto do que vende, como vende e tem pão variado. Ele não tem cartão multibanco e eu quis pagar com mbway, como habitualmente. Eu também tinha pouco dinheiro. Porém, demorou um par de minutos a tentar fazer a operação, mesmo com a ajuda do vendedor que é muito mais novo do que eu. Duas pessoas esperavam a sua vez de pagar. Não gosto nada que haja esperas por minha causa. E ainda menos quando olhei e nem um sorriso, para amostra de qualquer compreensão ou empatia.

Será que sou antipática e não mereço nenhuma atenção? Será que sou aquilo que já referi no início do texto e de cuja palavra não gosto? - Pensei eu com os meus botões.

Não sei, mas o que penso é que quem vai a uma feirinha biológica, para além dos vegetais com menos adubos podia ir compostando mais umas camadinhas de paciência e simpatia, quando ninguém está a perder tempo ou a desrespeitar o tempo dos outros. 

Ah, acabei por pagar com dinheiro, para ser mais rápido. Nem assim houve um olhar sorridente.


quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Hoje é 4ª e ainda me lembro bem do sábado passado

  

Fui à feirinha de produtos biológicos que há ao sábado de manhã, não muito longe de minha casa. Tinha sido interrompida duas semanas para dar lugar a tasquinhas, das Festas do Concelho - Senhora do Rosário/ Festa das Nozes (Ah, aconteceu uma coisa que me desagradou, mas depois conto, porque agora prefiro falar do que gostei).

Deixando as verduras em casa, para sopas, saladas e outras misturas boas de sertã,  fui à cidade com mar ao fundo aonde gostava de ir mais vezes, mas o tempo corre, faz-nos correr também e nem sempre vamos aonde gostávamos de ir. A livraria Bertrand, como habitualmente, chamava-me sem me ver. E entrei, é claro.

- Precisa de ajuda?

- Sim, obrigada, queria ver livros da senhora que recebeu o prémio Nobel de Literatura (de repente esqueci-me do nome dela - Annie Hernaux, que também estava na capa da revista do Expresso e cuja entrevista queria ler).

- Oh, lamento, mas já não temos nenhum. Recebemos livros duas vezes e duas vezes esgotaram. Os anos (dizia Ojanos) foi o primeiro a esgotar.

Nova remessa virá, pensei eu. E ainda tenho tantos livros por ler. E fiquei-me pelo último livro para crianças de Mia Couto, com ilustrações maravilhosas de Danuta Wojciechowska - O rio infinito.

A cidade com o mar ao fundo tem ainda peixeiras na rua que apregoam o peixe, disposto em pequenos carros de mão, onde não falta um bocadinho de areia da praia que agrada porque lembra frescura e sempre pesa mais um bocadinho na balança. Também os há com frutas da época ou vindas de fora e que agora se libertam, respirando a brisa fresca da maresia. Uma rapariga muito magra, com andar veloz de alguma loucura, segurava na mão duas laranjas que agradecia à vendedora. Nunca parava, olhava para trás e agradecia repetidamente, enquanto se afastava em passo cada vez mais rápido.

Daí a nada, era hora de almoço e outro ponto me chamava - Grão de soja, um restaurante simpático, económico, bem iluminado de comida vegetariana e saborosa.

À tarde, depois de ler o que me interessava na revista do Expresso, ouvi A Força das coisas, de Luís Caetano, na antena 2, um programa das 16 às 18h. Vale a pena para quem gosta de livros e de ouvir pessoas que também gostam de livros e de outras artes.

 

Deixem-me acreditar que, apesar de todos os problemas no mundo, ainda são legítimos os nossos pequenos/grandes prazeres.


segunda-feira, 17 de outubro de 2022

terça-feira, 11 de outubro de 2022

'E que a guerra não chegue cá'

 

Hoje, falando ao telefone com uma amiga,  na despedida, ela disse a frase que pus em título, naquele momento em que se está para se desligar e se ouve vezes sem conta: Xau...  xau...  beijinhos... beijinhos... 

Às vezes, esta fórmula é repetida de forma bem sonora, outras vezes em voz mais baixa, mas só no tom parece variar.

Esta minha amiga disse coisa diferente para finalizar a conversa, embora logo acrescentasse a cruel realidade:  mas infelizmente a guerra já chegou e sentimo-la todos os dias no bolso.

O que ela queria dizer é que por cá ainda não há mísseis nem soldados invasores com ordens devastadoras. E esperemos que não e que quem vive bem perto os estrondos da guerra - alimentada pela ambição do poder que leva à cegueira e à surdez de tudo - possa ir limpando os destroços, embora da memória nunca limpe a morte e a destruição.

Já não me lembro como, finalmente, nos despedimos. Se calhar, também foi com Xau... beijinhos... É que há certas expressões que parece que vieram para ficar. Oxalá a guerra, não.


quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Fazer horas

 

Raramente tenho de andar a fazer horas. Não sei se é bom ou se é mau, mas faltam-me muito mais horas do que as que me sobram.
No último domingo, precisei de ir fazer umas compras ao Corte Inglês. Como tinha outros afazeres nessa manhã, fui cedo e cheguei lá pouco depois das 9 h, julgando eu que o parque estava aberto, podia tomar um café, ir ao supermercado e, entretanto, as lojas abririam. Nada disso. Tudo fechado. Acabei por pôr o carro mais longe.
Era da maneira que andava um bocadinho a pé. Fui caminhando até ao largo em frente ao grande edifício envidraçado. Uma rapariga ia dispondo as cadeiras na esplanada da confeitaria do exterior. Estava frio. Olhei a fachada do edifício cheia de publicidade sem vida porque as portas estavam fechadas e não havia ninguém. Sentei-me num dos bancos de madeira. Senti falta do livro que ando a ler.
Era da maneira que via aquele espaço bem largo a despertar e olhava as poucas pessoas, umas mais ligeiras, outras em passo lento de passeio de domingo despreocupado. 
Mas que ar tão frio. Por que não trouxe eu um casaco. O melhor é ir ao café mais próximo. Fui. Sempre é mais resguardado. Três pessoas de três gerações estão sentadas à mesa ao meu lado: mãe, filha e neta. A mais nova é uma criança. Falam-lhe com ternura. Diz que quer mais sumo. Dizem-lhe que vá pedir ao balcão, mas que não se esqueça de pedir por favor e dizer obrigada. Que bom, penso eu para mim.
Olho para o relógio à minha frente - 10 h. As lojas deviam estar a abrir.
Paguei o pingo e a miniatura e saí. Daí a minutos, estava num provador do Corte Inglês, quente, como são quase todos os provadores de roupa. Para mim, pelo menos, e a responder à questão:  Gosta? O tamanho está bem? 
Sim, obrigada.
Compra feita, desejamo-nos bom domingo! 
Durante uns tempos, não precisava de fazer mais compras.
E por isto também me soube bem não ter deixado o carro no parque. Até parecia mais domingo  e a frescura da manhã mais saborosa.


terça-feira, 20 de setembro de 2022

Os mimos podem ser em qualquer altura

 



 Texto meu publicado na página 36

Como era eu quando nasci?

 

- Mãe, como era eu quando nasci?

- Filha, eras compridinha e sossegada. Já mais crescida, sentavas-te no pedal da máquina de costura a fazer roupinha para as bonecas.

- Mãe, em que dia da semana vim ao mundo?

- Julho ia muito quente e conheceste a luz do dia a meio da tarde de um domingo, filha, de muitas dores. Aliviou-mas a parteira, a senhora Ana Restiva. Quando chegou a nossa casa, a água já estava quente e a bacia no quarto com uma toalha ao lado. Depois de deitar uma colher de açúcar na água, lavou-te e deu-te a beber um pouco dessa água:

'Bebe, minha menina, água de cu lavado, para não correres o fado'.

- Isso fê-la sorrir, mãe?

- Filha, a vida era dura e nem a graças achava graça. Tínhamos de ir buscar a água à fonte, lavar a roupa ao ribeiro... A tua irmã era muito pequenina e, passado um ano, nasceu o teu irmão Manuel, que só viveu uns dias. Chorei muito. A gente não ia ao médico como agora e havia muitas doenças.  

- Todas as noites, mãe, o procurávamos no céu estrelado. Escolhíamos a estrela mais brilhante e dizíamos que era ele a sorrir.

- Adormecia-vos com a cantiga que a minha mãe nos cantava e quase caía de cansaço:

'Dorme, dorme, meu menino, que a mãezinha logo vem, foi lavar os teus paninhos à ribeira de Belém'.

- Mãe, muitas mulheres da família eram tão sérias. 'Muito riso, pouco siso', repetiam.

- Filha, a vida era dura, já te disse.

- Mas muitas vizinhas falavam alto e davam gargalhadas.

- E trabalhavam tanto. E levavam tanta pancada dos maridos.

- Algumas batiam muito nos filhos.

- E também nas outras mulheres, quando se zangavam.

- Elas gostariam era de bater em quem as agredia em casa. Agora compreendo o riso forte para sustentarem o siso. Parece-me vê-las e ouvi-las entre as ruínas das casas onde moravam.

- Diziam palavrões em todas as frases.

- Não lhes oiço os palavrões, mãe, mas pressinto-lhes perguntas que nunca fizeram por desconhecerem o amoroso sossego e um tempo sereno para elas próprias, mesmo em dias longos de verão.

               Mãe, a vida é tão breve e tantas vezes tão dura!

 

 

domingo, 18 de setembro de 2022

Coisas de final de domingo

 

Pois, hoje é domingo (até parece novidade!) e está calor. Muito calor. Na semana passada, comprei 'novidades' para plantar. E lá vim eu toda contente com os molhinhos de alho francês, beterraba, couve-flor, brócolo, etc. Já está tudo plantado em carreirinhos. No horto, disseram-me, perante uma pergunta minha se teria sucesso na plantação: Isto agora vem tudo. Mas logo veio um alerta: Mas é preciso tratar, é claro.

E o melhor tratamento agora seria regar, mas sempre ouvi que o melhor é fazê-lo de manhã cedo, pela fresca (gosto muito desta expressão). Para mais a poupança da água é cada vez mais urgente. Porém, não sei se conseguirei levantar-me tão cedo, embora me levante sempre cedo. Se não o fizer, eu sei que é mais um dia em que as plantas novas passarão sede de morte, o que lhes pode ser fatal e à minha vontade de as ver crescer.

Logo de manhã cedo fui à padaria/confeitaria, comprei roca - que nos sabe tão bem aos domingos - e não resisti a croissant para a minha mãe. Ela sempre gostou destes mimos com açúcar, onde, talvez, veja também afeto.

Como ainda não eram oito da manhã, havia pouca gente, talvez umas três mesas ocupadas. Numa das mesas estava uma mulher cheia de carnes (não gosto da palavra gorda) que enchia a mão com um pastel que, acompanhado com uma meia de leite, a encheria de prazer. Talvez o primeiro prazer do dia ou, até, o único prazer do dia. Olhei, se calhar, de forma indiscreta, e ela acusou o olhar. Desviei logo os olhos, enquanto a menina perguntava: E a menina? Nem que a menina deste lado do balcão pudesse ser avó da dita menina.

Ao sair com os sacos, senti o ar ainda fresco da manhã. Olhei o céu que logo me lembrou - céu sardinhento ou é chuva ou é vento. Mas nem uma coisa nem outra, porque até no céu há aparências que iludem.

Neste momento, oiço o meu neto a brincar e a palrar. Tem dezassete meses, está muito engraçado e exige muita atenção porque faz asneiras próprias da idade.

As hortaliças da horta, se chover ou se as regar, darão boas sopas para ele e para nós.

Amanhã tenho mesmo de me levantar ainda mais cedo.


segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Tanta realeza! God save us!

 

As notícias que tenho visto e ouvido têm sido em modo zapping, mas, sempre que ligo a televisão, seja qual for a estação, lá está a realeza. Já não há paciência. Deus nos salve e não só à rainha e agora ao rei, porque isto de rei morto rei posto não fica só no provérbio.

As imagens da rainha e da realeza vêm de Londres, ou da Escócia, ou dos países em que a coroa inglesa ainda é soberana, etc. Para não falar de países em que há comunidades do Reino Unido e das quais os microfones sedentos se abeiram, como é o caso de Portugal.

Muitos especialistas da realeza têm estado em ação e a causa monárquica tem saído da sombra. O D. Duarte Pio - que tanta gente imita de forma tão humorística - também tem falado da família real e do regime a que estão ligados. Comentadores políticos também têm intervindo assiduamente e jornalistas muito conhecidos fazem as suas reportagens in loco, não esquecendo que dar voz às pessoas anónimas que prestam homenagem à rainha também é relevante e agrada a quem ouve e a quem vê as notícias. E são grandes as multidões que depositam flores, brinquedos, desenhos, mensagens nos locais com muitas marcas da rainha. Se querem e têm tempo livre, estarão no seu direito. Eu não teria essa paciência, mas cada um é como cada qual.

Apesar de todo o clima criado à volta da morte da monarca, custa-me a aceitar que a grande maioria dos jornalistas se vista de luto. Julgo até ter ouvido que Isabel II era a rainha de todos nós! Há um culto que se generaliza, mas que, de repente, pode também desaparecer. Poucos referem traços negativos da realeza como a imensa fortuna acumulada, práticas de imperialismo, etc. Privilegia-se o conto de fadas. Todos nós precisamos de beleza, mas os contos de fadas podem variar.

Talvez vivamos tempos de fenómenos coletivos que dão que pensar.

Sábado passado, houve uma grande festa em Queen's Park - já prevista e não cancelada. Felizmente. No final, a multidão que lá se reuniu cantou o hino God save the king. Tudo bem. Para mais, quem canta seu mal espanta.

O funeral da soberana será daqui a uma semana. Até lá, muito pormenor do presente e do passado será repetido à exaustão nos meios de comunicação social. Já cansa, mesmo só fazendo zapping. Valha-nos Deus!


sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Morreu a rainha e a coroa já espera o rei

 

Nunca fui muito de monarquias nem de grandes poderes herdados sem ser por mérito ou eleição. No entanto, dou valor à rainha Isabel II, sobretudo pela persistência, coerência e amor pela vida. Ela teve o privilégio de ter uma existência longa e de ser muito apreciada no seu país e pelo mundo fora.

Quando eu soube da morte da rainha, estava com a minha mãe e não tive coragem de lhe dizer. Nascida no mesmo ano que a monarca - 1926 - via nela uma das figuras da terra mais admiradas, sobretudo pelas notícias, muitas delas vindas do passado longínquo. Isabel II foi sempre um ídolo para a minha mãe.

Neste momento, já deve saber do falecimento de que toda a gente fala e em breve vou saber as suas impressões. Vai-me dizer de certeza que, atendendo à idade, o mesmo fim está para lhe acontecer. Eu, por mim vez, vou repetir que nunca se sabe e que na nossa família alguns partiram bem cedo. Como gosto sempre de amenizar, lá virá aquela de que chegará pelo menos aos cem.

Voltando ao assunto que ocupa por estes dias todos os meios de comunicação social, às vezes interrogo-me sobre o interesse da monarquia para um país e o que encontro é sobretudo a importância dos negócios e do emprego para muita gente. Para além deste lado mais prosaico, a vida real, considerada de sonho e recheada dos mais belos e dispendiosos adereços, assume uma dimensão mágica na vida de muitas pessoas. Se essa dimensão não existir, desta forma ou doutra, a vida fica mais triste. Se tal acontecer, que a festa continue, mas que as despesas pagas por tantos cidadãos sejam reduzidas ou cessem, assim como os privilégios nas contas da realeza.

Tenho lido que muitos elementos da família real britânica contribuem, com trabalho, para que quem precisa possa viver melhor, na área social, desportiva, artística, etc. Ainda bem que tal acontece porque têm posses, tempo e influência, embora o invólucro luxuoso dessas personagens mediáticas seja o que costuma chamar mais a atenção, pela ilusão que alimenta.

Ontem a rainha morreu num palácio na Escócia, aonde rumou a família mais chegada da monarca, para despedida e homenagem bem merecidas. Por nascimento - e também por mérito, neste caso, acho eu - , ela teve acesso a bens, como a natureza, dos quais pôde usufruir plenamente. Contudo, viveu muitos desgostos, por erros graves de familiares. Parece que foi estoica ao ter de os enfrentar como corrupção, violência sexual, etc.

Que a rainha descanse em paz.

Quanto ao rei, finalmente terá a sua coroa. Com ou sem espinhos, como noutros regimes políticos.

 

terça-feira, 6 de setembro de 2022

Ontem gostei de ouvir a chuva a cair

 

Há tanto tempo que tal não acontecia. A chuva dos últimos tempos não tem passado de orvalhadas. Ontem à noite, porém, ouvia-se o ruído bom da chuva a cair.

Hoje, logo de manhã, fui ver o efeito da chuva nas plantas, se a terra dos vasos estava molhada, etc. Com pena minha, havia ainda muitos espaços secos. Bastaram folhas mais largas para a água da chuva não lhes chegar.

Vejo agora que as previsões são de sol. Não me importava nada que fosse de pouca dura e mais longa fosse a chuva. Tal como tanta gente.

Ah, quando a chuva voltar, vou pôr um balde ou bacia para a aparar. Regará, pelo menos, as plantas que também precisam de beber.

 

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Ana Luísa Amaral - uma tília bem merecida

Ontem, domingo, passei uma boa parte da tarde na Feira do Livro do Porto. Ana Luísa Amaral é a autora homenageada, decisão já tomada antes da sua morte.



E como acredito que uma boa homenagem é ler a obra dos autores, comprei dois livros da poeta. A seguir, partilho os poemas da contracapa de cada um desses  livros.



Já fui à Feira do Livro muitas vezes, mas, assim, foi a primeira vez!



A Editorial Novembro, que publicou As fadas do bosque e das estórias, convidou-nos, a mim como autora do texto, e à Cristina Pinto como ilustradora, para estarmos presentes ontem, entre as 18 e as 19 h, no stand 88/89 da livraria Convergência - na Feira do Livro do Porto. Não sabíamos como ia correr, porque isto de se ser 'ilustre desconhecido' é sempre uma incógnita.

Porém, confesso que gostei muito da experiência e, pelo que conversámos no regresso, a Cristina Pinto também. Para além da presença de familiares, o que soube muito bem, houve pessoas que pararam, se interessaram pela história e pelas ilustrações e fizeram perguntas. E ficou-me o ar de encantamento de algumas crianças e adultos, que não conhecíamos, segurando um marcador, uma fadinha, para além do livro com um desenho feito na hora na página da dedicatória. Vendemos uma meia dúzia de exemplares - o que, no contexto, foi bastante bom. Como foi bom ver uma menina, com ar curioso e feliz, quando lhe oferecemos um marcador e fadinhas de vários tamanhos querendo ela saber como se faziam, mesmo sem comprar o livro.

Foi uma tarde boa entre árvores, entre livros, entre pessoas simpáticas que gostavam de afetos, de arte e de livros. Eu ia a dizer que tinha sido um tempo mágico, mas prefiro outra palavra: inspirador.


sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Ilusão/desilusão

 

A menina foi aos Estúdios do Harry Potter, em Londres, e saiu de lá muito desiludida: afinal, a magia presente nos livros e filmes não era magia verdadeira, era fabricada. Foi penosa a descoberta. Ao ouvi-la, a mãe interrogou-se se não tinha sido melhor terem deixado a visita para muito mais tarde. E ficou desiludida consigo própria pela opção.

E como a desilusão até nas cerejas existe, lembrou-se do que tinha ouvido dizer a alguém muito próximo há longos anos e com séria aspereza: Desiludiste-me. 

Era das piores críticas que se podia ouvir.

Enquanto jantavam, a menina e a mãe, cada uma à sua maneira, pensavam na desilusão mais recente. A menina porque era a primeira vez que via a sua verdade interrompida; a mãe porque comparava a desilusão à fria e indesejada solidão. 

No final da refeição, a menina falou, já não sei a que propósito, do Pai Natal, em quem sempre tinha acreditado. E em quem continuava a crer.

A mãe sorriu e nada disse. Deixaria as palavras para quando a desilusão chegasse mais veloz do que um trenó ou de qualquer truque mágico do Harry Potter.

Só não sabia era quando. 

 

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Mindelo em quase outono