segunda-feira, 17 de outubro de 2022

terça-feira, 11 de outubro de 2022

'E que a guerra não chegue cá'

 

Hoje, falando ao telefone com uma amiga,  na despedida, ela disse a frase que pus em título, naquele momento em que se está para se desligar e se ouve vezes sem conta: Xau...  xau...  beijinhos... beijinhos... 

Às vezes, esta fórmula é repetida de forma bem sonora, outras vezes em voz mais baixa, mas só no tom parece variar.

Esta minha amiga disse coisa diferente para finalizar a conversa, embora logo acrescentasse a cruel realidade:  mas infelizmente a guerra já chegou e sentimo-la todos os dias no bolso.

O que ela queria dizer é que por cá ainda não há mísseis nem soldados invasores com ordens devastadoras. E esperemos que não e que quem vive bem perto os estrondos da guerra - alimentada pela ambição do poder que leva à cegueira e à surdez de tudo - possa ir limpando os destroços, embora da memória nunca limpe a morte e a destruição.

Já não me lembro como, finalmente, nos despedimos. Se calhar, também foi com Xau... beijinhos... É que há certas expressões que parece que vieram para ficar. Oxalá a guerra, não.


quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Fazer horas

 

Raramente tenho de andar a fazer horas. Não sei se é bom ou se é mau, mas faltam-me muito mais horas do que as que me sobram.
No último domingo, precisei de ir fazer umas compras ao Corte Inglês. Como tinha outros afazeres nessa manhã, fui cedo e cheguei lá pouco depois das 9 h, julgando eu que o parque estava aberto, podia tomar um café, ir ao supermercado e, entretanto, as lojas abririam. Nada disso. Tudo fechado. Acabei por pôr o carro mais longe.
Era da maneira que andava um bocadinho a pé. Fui caminhando até ao largo em frente ao grande edifício envidraçado. Uma rapariga ia dispondo as cadeiras na esplanada da confeitaria do exterior. Estava frio. Olhei a fachada do edifício cheia de publicidade sem vida porque as portas estavam fechadas e não havia ninguém. Sentei-me num dos bancos de madeira. Senti falta do livro que ando a ler.
Era da maneira que via aquele espaço bem largo a despertar e olhava as poucas pessoas, umas mais ligeiras, outras em passo lento de passeio de domingo despreocupado. 
Mas que ar tão frio. Por que não trouxe eu um casaco. O melhor é ir ao café mais próximo. Fui. Sempre é mais resguardado. Três pessoas de três gerações estão sentadas à mesa ao meu lado: mãe, filha e neta. A mais nova é uma criança. Falam-lhe com ternura. Diz que quer mais sumo. Dizem-lhe que vá pedir ao balcão, mas que não se esqueça de pedir por favor e dizer obrigada. Que bom, penso eu para mim.
Olho para o relógio à minha frente - 10 h. As lojas deviam estar a abrir.
Paguei o pingo e a miniatura e saí. Daí a minutos, estava num provador do Corte Inglês, quente, como são quase todos os provadores de roupa. Para mim, pelo menos, e a responder à questão:  Gosta? O tamanho está bem? 
Sim, obrigada.
Compra feita, desejamo-nos bom domingo! 
Durante uns tempos, não precisava de fazer mais compras.
E por isto também me soube bem não ter deixado o carro no parque. Até parecia mais domingo  e a frescura da manhã mais saborosa.


terça-feira, 20 de setembro de 2022

Os mimos podem ser em qualquer altura

 



 Texto meu publicado na página 36

Como era eu quando nasci?

 

- Mãe, como era eu quando nasci?

- Filha, eras compridinha e sossegada. Já mais crescida, sentavas-te no pedal da máquina de costura a fazer roupinha para as bonecas.

- Mãe, em que dia da semana vim ao mundo?

- Julho ia muito quente e conheceste a luz do dia a meio da tarde de um domingo, filha, de muitas dores. Aliviou-mas a parteira, a senhora Ana Restiva. Quando chegou a nossa casa, a água já estava quente e a bacia no quarto com uma toalha ao lado. Depois de deitar uma colher de açúcar na água, lavou-te e deu-te a beber um pouco dessa água:

'Bebe, minha menina, água de cu lavado, para não correres o fado'.

- Isso fê-la sorrir, mãe?

- Filha, a vida era dura e nem a graças achava graça. Tínhamos de ir buscar a água à fonte, lavar a roupa ao ribeiro... A tua irmã era muito pequenina e, passado um ano, nasceu o teu irmão Manuel, que só viveu uns dias. Chorei muito. A gente não ia ao médico como agora e havia muitas doenças.  

- Todas as noites, mãe, o procurávamos no céu estrelado. Escolhíamos a estrela mais brilhante e dizíamos que era ele a sorrir.

- Adormecia-vos com a cantiga que a minha mãe nos cantava e quase caía de cansaço:

'Dorme, dorme, meu menino, que a mãezinha logo vem, foi lavar os teus paninhos à ribeira de Belém'.

- Mãe, muitas mulheres da família eram tão sérias. 'Muito riso, pouco siso', repetiam.

- Filha, a vida era dura, já te disse.

- Mas muitas vizinhas falavam alto e davam gargalhadas.

- E trabalhavam tanto. E levavam tanta pancada dos maridos.

- Algumas batiam muito nos filhos.

- E também nas outras mulheres, quando se zangavam.

- Elas gostariam era de bater em quem as agredia em casa. Agora compreendo o riso forte para sustentarem o siso. Parece-me vê-las e ouvi-las entre as ruínas das casas onde moravam.

- Diziam palavrões em todas as frases.

- Não lhes oiço os palavrões, mãe, mas pressinto-lhes perguntas que nunca fizeram por desconhecerem o amoroso sossego e um tempo sereno para elas próprias, mesmo em dias longos de verão.

               Mãe, a vida é tão breve e tantas vezes tão dura!

 

 

domingo, 18 de setembro de 2022

Coisas de final de domingo

 

Pois, hoje é domingo (até parece novidade!) e está calor. Muito calor. Na semana passada, comprei 'novidades' para plantar. E lá vim eu toda contente com os molhinhos de alho francês, beterraba, couve-flor, brócolo, etc. Já está tudo plantado em carreirinhos. No horto, disseram-me, perante uma pergunta minha se teria sucesso na plantação: Isto agora vem tudo. Mas logo veio um alerta: Mas é preciso tratar, é claro.

E o melhor tratamento agora seria regar, mas sempre ouvi que o melhor é fazê-lo de manhã cedo, pela fresca (gosto muito desta expressão). Para mais a poupança da água é cada vez mais urgente. Porém, não sei se conseguirei levantar-me tão cedo, embora me levante sempre cedo. Se não o fizer, eu sei que é mais um dia em que as plantas novas passarão sede de morte, o que lhes pode ser fatal e à minha vontade de as ver crescer.

Logo de manhã cedo fui à padaria/confeitaria, comprei roca - que nos sabe tão bem aos domingos - e não resisti a croissant para a minha mãe. Ela sempre gostou destes mimos com açúcar, onde, talvez, veja também afeto.

Como ainda não eram oito da manhã, havia pouca gente, talvez umas três mesas ocupadas. Numa das mesas estava uma mulher cheia de carnes (não gosto da palavra gorda) que enchia a mão com um pastel que, acompanhado com uma meia de leite, a encheria de prazer. Talvez o primeiro prazer do dia ou, até, o único prazer do dia. Olhei, se calhar, de forma indiscreta, e ela acusou o olhar. Desviei logo os olhos, enquanto a menina perguntava: E a menina? Nem que a menina deste lado do balcão pudesse ser avó da dita menina.

Ao sair com os sacos, senti o ar ainda fresco da manhã. Olhei o céu que logo me lembrou - céu sardinhento ou é chuva ou é vento. Mas nem uma coisa nem outra, porque até no céu há aparências que iludem.

Neste momento, oiço o meu neto a brincar e a palrar. Tem dezassete meses, está muito engraçado e exige muita atenção porque faz asneiras próprias da idade.

As hortaliças da horta, se chover ou se as regar, darão boas sopas para ele e para nós.

Amanhã tenho mesmo de me levantar ainda mais cedo.


segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Tanta realeza! God save us!

 

As notícias que tenho visto e ouvido têm sido em modo zapping, mas, sempre que ligo a televisão, seja qual for a estação, lá está a realeza. Já não há paciência. Deus nos salve e não só à rainha e agora ao rei, porque isto de rei morto rei posto não fica só no provérbio.

As imagens da rainha e da realeza vêm de Londres, ou da Escócia, ou dos países em que a coroa inglesa ainda é soberana, etc. Para não falar de países em que há comunidades do Reino Unido e das quais os microfones sedentos se abeiram, como é o caso de Portugal.

Muitos especialistas da realeza têm estado em ação e a causa monárquica tem saído da sombra. O D. Duarte Pio - que tanta gente imita de forma tão humorística - também tem falado da família real e do regime a que estão ligados. Comentadores políticos também têm intervindo assiduamente e jornalistas muito conhecidos fazem as suas reportagens in loco, não esquecendo que dar voz às pessoas anónimas que prestam homenagem à rainha também é relevante e agrada a quem ouve e a quem vê as notícias. E são grandes as multidões que depositam flores, brinquedos, desenhos, mensagens nos locais com muitas marcas da rainha. Se querem e têm tempo livre, estarão no seu direito. Eu não teria essa paciência, mas cada um é como cada qual.

Apesar de todo o clima criado à volta da morte da monarca, custa-me a aceitar que a grande maioria dos jornalistas se vista de luto. Julgo até ter ouvido que Isabel II era a rainha de todos nós! Há um culto que se generaliza, mas que, de repente, pode também desaparecer. Poucos referem traços negativos da realeza como a imensa fortuna acumulada, práticas de imperialismo, etc. Privilegia-se o conto de fadas. Todos nós precisamos de beleza, mas os contos de fadas podem variar.

Talvez vivamos tempos de fenómenos coletivos que dão que pensar.

Sábado passado, houve uma grande festa em Queen's Park - já prevista e não cancelada. Felizmente. No final, a multidão que lá se reuniu cantou o hino God save the king. Tudo bem. Para mais, quem canta seu mal espanta.

O funeral da soberana será daqui a uma semana. Até lá, muito pormenor do presente e do passado será repetido à exaustão nos meios de comunicação social. Já cansa, mesmo só fazendo zapping. Valha-nos Deus!


sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Morreu a rainha e a coroa já espera o rei

 

Nunca fui muito de monarquias nem de grandes poderes herdados sem ser por mérito ou eleição. No entanto, dou valor à rainha Isabel II, sobretudo pela persistência, coerência e amor pela vida. Ela teve o privilégio de ter uma existência longa e de ser muito apreciada no seu país e pelo mundo fora.

Quando eu soube da morte da rainha, estava com a minha mãe e não tive coragem de lhe dizer. Nascida no mesmo ano que a monarca - 1926 - via nela uma das figuras da terra mais admiradas, sobretudo pelas notícias, muitas delas vindas do passado longínquo. Isabel II foi sempre um ídolo para a minha mãe.

Neste momento, já deve saber do falecimento de que toda a gente fala e em breve vou saber as suas impressões. Vai-me dizer de certeza que, atendendo à idade, o mesmo fim está para lhe acontecer. Eu, por mim vez, vou repetir que nunca se sabe e que na nossa família alguns partiram bem cedo. Como gosto sempre de amenizar, lá virá aquela de que chegará pelo menos aos cem.

Voltando ao assunto que ocupa por estes dias todos os meios de comunicação social, às vezes interrogo-me sobre o interesse da monarquia para um país e o que encontro é sobretudo a importância dos negócios e do emprego para muita gente. Para além deste lado mais prosaico, a vida real, considerada de sonho e recheada dos mais belos e dispendiosos adereços, assume uma dimensão mágica na vida de muitas pessoas. Se essa dimensão não existir, desta forma ou doutra, a vida fica mais triste. Se tal acontecer, que a festa continue, mas que as despesas pagas por tantos cidadãos sejam reduzidas ou cessem, assim como os privilégios nas contas da realeza.

Tenho lido que muitos elementos da família real britânica contribuem, com trabalho, para que quem precisa possa viver melhor, na área social, desportiva, artística, etc. Ainda bem que tal acontece porque têm posses, tempo e influência, embora o invólucro luxuoso dessas personagens mediáticas seja o que costuma chamar mais a atenção, pela ilusão que alimenta.

Ontem a rainha morreu num palácio na Escócia, aonde rumou a família mais chegada da monarca, para despedida e homenagem bem merecidas. Por nascimento - e também por mérito, neste caso, acho eu - , ela teve acesso a bens, como a natureza, dos quais pôde usufruir plenamente. Contudo, viveu muitos desgostos, por erros graves de familiares. Parece que foi estoica ao ter de os enfrentar como corrupção, violência sexual, etc.

Que a rainha descanse em paz.

Quanto ao rei, finalmente terá a sua coroa. Com ou sem espinhos, como noutros regimes políticos.

 

terça-feira, 6 de setembro de 2022

Ontem gostei de ouvir a chuva a cair

 

Há tanto tempo que tal não acontecia. A chuva dos últimos tempos não tem passado de orvalhadas. Ontem à noite, porém, ouvia-se o ruído bom da chuva a cair.

Hoje, logo de manhã, fui ver o efeito da chuva nas plantas, se a terra dos vasos estava molhada, etc. Com pena minha, havia ainda muitos espaços secos. Bastaram folhas mais largas para a água da chuva não lhes chegar.

Vejo agora que as previsões são de sol. Não me importava nada que fosse de pouca dura e mais longa fosse a chuva. Tal como tanta gente.

Ah, quando a chuva voltar, vou pôr um balde ou bacia para a aparar. Regará, pelo menos, as plantas que também precisam de beber.

 

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Ana Luísa Amaral - uma tília bem merecida

Ontem, domingo, passei uma boa parte da tarde na Feira do Livro do Porto. Ana Luísa Amaral é a autora homenageada, decisão já tomada antes da sua morte.



E como acredito que uma boa homenagem é ler a obra dos autores, comprei dois livros da poeta. A seguir, partilho os poemas da contracapa de cada um desses  livros.



Já fui à Feira do Livro muitas vezes, mas, assim, foi a primeira vez!



A Editorial Novembro, que publicou As fadas do bosque e das estórias, convidou-nos, a mim como autora do texto, e à Cristina Pinto como ilustradora, para estarmos presentes ontem, entre as 18 e as 19 h, no stand 88/89 da livraria Convergência - na Feira do Livro do Porto. Não sabíamos como ia correr, porque isto de se ser 'ilustre desconhecido' é sempre uma incógnita.

Porém, confesso que gostei muito da experiência e, pelo que conversámos no regresso, a Cristina Pinto também. Para além da presença de familiares, o que soube muito bem, houve pessoas que pararam, se interessaram pela história e pelas ilustrações e fizeram perguntas. E ficou-me o ar de encantamento de algumas crianças e adultos, que não conhecíamos, segurando um marcador, uma fadinha, para além do livro com um desenho feito na hora na página da dedicatória. Vendemos uma meia dúzia de exemplares - o que, no contexto, foi bastante bom. Como foi bom ver uma menina, com ar curioso e feliz, quando lhe oferecemos um marcador e fadinhas de vários tamanhos querendo ela saber como se faziam, mesmo sem comprar o livro.

Foi uma tarde boa entre árvores, entre livros, entre pessoas simpáticas que gostavam de afetos, de arte e de livros. Eu ia a dizer que tinha sido um tempo mágico, mas prefiro outra palavra: inspirador.


sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Ilusão/desilusão

 

A menina foi aos Estúdios do Harry Potter, em Londres, e saiu de lá muito desiludida: afinal, a magia presente nos livros e filmes não era magia verdadeira, era fabricada. Foi penosa a descoberta. Ao ouvi-la, a mãe interrogou-se se não tinha sido melhor terem deixado a visita para muito mais tarde. E ficou desiludida consigo própria pela opção.

E como a desilusão até nas cerejas existe, lembrou-se do que tinha ouvido dizer a alguém muito próximo há longos anos e com séria aspereza: Desiludiste-me. 

Era das piores críticas que se podia ouvir.

Enquanto jantavam, a menina e a mãe, cada uma à sua maneira, pensavam na desilusão mais recente. A menina porque era a primeira vez que via a sua verdade interrompida; a mãe porque comparava a desilusão à fria e indesejada solidão. 

No final da refeição, a menina falou, já não sei a que propósito, do Pai Natal, em quem sempre tinha acreditado. E em quem continuava a crer.

A mãe sorriu e nada disse. Deixaria as palavras para quando a desilusão chegasse mais veloz do que um trenó ou de qualquer truque mágico do Harry Potter.

Só não sabia era quando. 

 

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Mindelo em quase outono

 



domingo, 21 de agosto de 2022

Todos os dias se volta a algum lugar

 

Há bastantes anos que me abeiro com frequência de Mindelo, Vila do Conde. Gosto da praia - ainda que não vá lá tantas vezes como a família desejaria - e do sossego. Não há altifalantes. Em frente às duas esplanadas, há por vezes uma artesã a vender os seus produtos, mas sem ruídos nem chamamentos nem pregões.

O café do Fernando é o que tem mais clientes, apesar de ser o que impõe mais regras, como não juntar mesas, etc. Os empregados vestem camisolas onde se lê 'Team do Fernando' e pouco tempo devem ter para olhar o mar mesmo em frente ou as pessoas que passam em direção à praia.

Há um tema que é recorrente quando as pessoas se encontram: o tempo. Se esteve frio, se o calor foi muito, se o nevoeiro demorou a passar, se a nortada obrigou a vestir casaco...

Habituei-me a ver as mesmas pessoas, de ano para ano, apesar de não as conhecer de perto. De ano para ano, os rostos vão enrugando, algumas barrigas vão crescendo, crianças que o eram deixam de o ser e já trazem pela mão as suas crianças, etc.

E gosto de olhar o areal a perder de vista. E de sentir a brisa quase sempre fresca. E de ver as bandeiras a esvoaçar ao vento, podendo ler-se Praia acessível, embora ache que as acessibilidades deveriam melhorar.

A configuração da praia vai mudando, sobretudo no inverno. Nem sempre para melhor. As dunas, felizmente, têm vegetação mais densa porque os passadiços impedem de serem pisadas.

E há muita luz. E muito mar. E o cafezinho quase no areal. E os caminheiros rumo a Santiago de Compostela. E as crianças felizes a fazerem construções na areia, indo vezes sem conta ao mar encher os seus baldinhos de água. 

E a dona do café - que já foi pensão e restaurante - para quem a praia de Mindelo é um mundo, descobrindo sempre novas formas no areal, no mar ou no céu e que, por isso, as fotografa vezes sem conta e com elas enche as paredes do seu quiosque.

Gosto muito de Mindelo, talvez por ser a praia que conheço melhor. Nem sempre acontece, mas concordo com o ditado de que mais se ama o que melhor se conhece.


sábado, 20 de agosto de 2022

Dias de Londres - Gostava de lá voltar


Ainda não conhecia Kew Gardens - imenso e belíssimo jardim botânico em Richmond, a Sudoeste de Londres, espaço muito diversificado de muitas belezas, de muitos lugares para repouso e passeios, de muitos estudos, de muitas raízes para proteção do ambiente, etc. Passámos lá uma boa parte de um domingo feliz.

Cada vez mais defendo a ideia de que, seja onde for, nunca se pode conhecer tudo de uma vez. E foi o que aconteceu. Uma das partes que escolhemos foi percorrer o jardim das rosas.



Passar por uma árvore do século XVIII.

 


Observar de perto uma escultura que representa uma colmeia, porque as abelhas e outros insetos úteis ao homem e à natureza são igualmente protegidos.


Percorrer caminhos com flores de diferentes cores, formas e volumes, incluindo as espontâneas.


Parar em extensões de relva - mais ressequida do que habitualmente, mesmo no verão - com mesas para descanso ou piquenique.


Visitar o palacete onde viveu Georges III (1738 -1820) na tentativa de cura da sua doença mental.

 


Ao longo do percurso, ouvem-se e veem-se aviões com frequência porque o grande aeroporto de Heathrow fica perto - mostrando que a perfeição é difícil de atingir. Ainda que todas as razões pareçam reunidas.

Porém, nem o ruído dos aviões fez voar a minha felicidade de passar um domingo com a minha filha, entre flores, entre árvores, entre história, entre conversas de tudo e de nada. Andávamos as duas e eu via-te como se fosses ainda menina, embora tenhas emigrado há quase dezoito anos e te tenhas tornado uma mulher cidadã do mundo, sem deixares de ser a pessoa calma, sensata, doce e corajosa que sempre foste.

Filha, adorei este domingo. Gosto muito de Londres. Talvez porque o que conheço da cidade e arredores me transporta sempre para ti.

 Ah! e, fora do palacete, vimos este gato, que parecia habituado ao lugar e a umas pedras onde descansava e donde muito observava. Como se fossem uma casa, aberta a todo o jardim, aonde eu gostava muito de voltar. E a outros dias de Londres para registar e partilhar.



Dias de Londres - O jantar também de celebração

  

   Depois da defesa de uma tese de doutoramento, várias professoras, ainda jovens, ligadas à mesma Faculdade em Londres foram jantar. Eram todas europeias, mas cada uma de um país diferente. Para além do amor à ciência, uniam-nas experiências de vida comuns. Todas tinham saído dos seus países para prosseguirem estudos no Reino Unido, chegando à situação atual de professoras universitárias, graças ao trabalho realizado. 

E diziam que em boa hora o tinham feito, porque, a partir de agora, seria quase impossível realizar o trabalho de lecionação e investigação da mesma forma. Para tal, seria necessário um visto e o custo do ingresso nos cursos seria incomportável. Só para os muito ricos. Como se ainda não bastasse, após a conclusão desses estudos, o mais certo seria ter de abandonar o país, o que a elas já não deveria acontecer por terem, felizmente, atingido o estatuto de residentes no país, conseguido antes do governo de Boris Johnson.

Com  as novas regras ditadas pela atual governação, o país ficará mais pobre quanto à evolução cientifica.

Porém, só se dará conta disso quando a poeira do Brexit assentar e este tempo de balbúrdia e de cegueira separatista conhecer algumas tréguas. Pelo menos.

 

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Dias de Londres - Os sentidos também se procuram e encontram

 

a - Apesar de haver vários supermercados nas redondezas, prefiro um que tem apenas o que é essencial mas, para lá chegar, os passeios são largos e planos. Como antes de sair tinha avançado na leitura de Claraboia de José Saramago, pelo caminho, dei comigo a recordar as últimas páginas sobre Abel, personagem da obra. Aquele, agora com 28 anos, vai vivendo só e precariamente, por decisão que tomou aos 16 anos. Desta vez, alugou um quarto na casa de um sapateiro e à noite os dois homens têm longas conversas sobre a vida e os sentidos que nela encontram e muitas vezes não.

Ora, na parte do livro em que vou, Abel interroga-se, para além de muitas coisas, sobre a utilidade da sua vida, uma vez que o sapateiro, ex-ativista social, a considerava inútil. Disse-lho por não querer iludi-lo, embora os seus projetos de transformação da sociedade tivessem cessado há largos anos.

De facto, sendo um livro de 1953, portanto o autor andava pelos 30 anos quando o escreveu, revela  preocupações sociais sobretudo do mundo do trabalho, que vão sendo pressentidas pelo próprio leitor.

Só que, muitas vezes - como aconteceu ao velho sapateiro - muitos ativistas vão sentindo que esses projetos se desfazem e, pelas mais variadas razões, optam por caminhar por vias mais fáceis e planas. Como os passeios que prefiro seguir, naturalmente, para ir ao supermercado. Embora não seja ativista de nada, admiro quem o é e assim vai mudando setores da sociedade, ainda que a visibilidade do trabalho nem sempre seja imediata e visível.

 

b - Gosto das manhãs tranquilas aqui em casa, em Londres. A mais pequena vai para a escola na sua saiinha cinzenta e blusa branca ou, nos dias mais quentes, no seu vestidinho de xadrês verde e miudinho. Os grandes vão trabalhar ou ficam de vez em quando em casa em teletrabalho. Levantam-se do computador para virem à cozinha buscar café e retomam o trabalho. 

Como o apartamento não é grande, é fácil a organização da manhã e deixa-me tempo para ler e escrever mais uma destas páginas no bloco de notas do telemóvel. Ou fazer um pouco mais de qualquer trabalhinho com linha ou lã que a Clarinha me pede para adiantar e que olha com agrado sorridente quando regressa.

Mas, ontem à tarde, percorri uma boa parte de Kilburn Road, rua de muita gente vinda de diferentes continentes e de múltiplas lojas com nomes asiáticos onde há de tudo, como se imagina logo à entrada por tudo o que ocupa uma boa parte do passeio.

Comprei uvas numa loja turca com fruta bem exposta e arrumada, de aspeto fresco e tentador. O aspeto condizia com o interior.

Nessa rua - antiga via romana - há um parque, onde as flores crescem viçosas e os meninos se divertem nos escorregas e outras brincadeiras, como a minha neta e coleguinhas de escola.

Na parte mais florida do parque, contornando um pequeno lago, um homem velho lia um livro. Parecia em sossegada velhice. Ao lado, no campo de ténis, onde qualquer pessoa pode jogar, estava o habitual treinador a quem, pelos vistos, as pessoas pedem ajuda frequente. É simpático, falador e passa o dia a ajudar ou a ensinar a jogar ténis, o que parece ser o principal sentido dos seus dias. Ou a maneira que encontrou de dar sentido aos seus dias.

 

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Dias de Londres - coisas de sentir e de comer

1. Antes de vir para Londres, fiz alguns exames médicos. Penso sempre que posso ficar doente e vir dar trabalho, o que não quero de modo algum, porque o tempo já lhes é pouco para os trabalhos que têm de fazer e precisam é de ajuda. Foi então que fiquei a saber que tenho o sangue um pouco mais açucarado do que devia. Às vezes, com o tempo, vou-me esquecendo das mazelas que vão aparecendo, mas, desta vez, resolvi levar a sério e logo reduzir aos hidratos de carbono, dizer adeus a croissants, chocolate, etc.

E não me está a custar, como pensei muitas vezes que custaria.

Espero até que a balança sinta menos peso, porque também tenho andado mais pé. Apesar de ter banido algumas coisinhas doces, se a balança continuar azeda, não quero mudar o rumo que há pouco encetei. Já tenho idade para não ceder a azedumes.

 

2. A mãe de uma vizinha vive em Hong Kong. De vez em quando vem passar uma temporada aqui em Londres para ajudar a filha.

Uma menina da turma da minha neta tem cá a avó por uns tempos. Veio de Goa e a outra avó vive na Austrália.

Eu venho de Portugal quando é possível e fico cá também o tempo possível. O mesmo faz a outra avó que vem da Califórnia.

Muitas mães-avós, venham elas de onde vierem, trazem mimos também para pôr na mesa. Eu trouxe, por exemplo, marmelada de marmelos do nosso quintal e trouxe bacalhau. No dia seguinte a eu ter chegado, já havia uns lombinhos de bacalhau de molho que deram bolinhos do mesmo com arroz de feijão. Pus também o feijão de molho, coisa que esta casa ainda não tinha visto. 

E devia estar bom, porque nada sobrou.

As outras mães-avós não sei o que trarão, porque não vi, mas vi alguns sorrisos nos rostos de alguns netos ao lado delas, a dar-lhes a mão.

E muitas outras mães-avós haverá nesta cidade, neste país, neste mundo que vão adoçando as vidas, muitas vezes muito mais do que a sua.

Não posso falar por quem não conheço, mas acho que às vezes as mães-avós gostariam de ser apenas filhas. Nem que fosse só por umas horas.

 

3. Um dia destes, pus à minha neta a pergunta mais que batida: o que queres ser quando fores grande?

 Pensou um bocadinho e logo respondeu:

             -  Quero ser tratadora de pandas.

-  Não sei se aqui há pandas verdadeiros, acrescentei eu.  

- Não faz mal, avó, se não houver, vou para outro país, disse ela, aconchegando a si o seu panda, muito frequente e fofa companhia.

E pensei que, apesar de as guerras atuais baralharem fronteiras, o que são essas barreiras para uma criança de seis anos? Sabê-lo-á quando crescer. Oxalá ainda haja pandas e meninos que sorriam e que sonhem.

E avós que, embora pareçam esquecer-se de si, não perderam o gosto de sonhar.