segunda-feira, 3 de maio de 2021

A toalha e o ar que (não) se respira


Comprei-a, há uns vinte anos, numa feira ao ar livre em Goa. Foi barata e continuo a gostar dela. Era uma das minhas toalhas preferidas no tempo em que a família almoçava ou jantava mais vezes cá em casa. A feira tinha as vivas cores dos garridos tecidos, das frutas, dos saris e era ao ar livre. Agora milhões de indianos lutam pelo oxigénio para poderem respirar natural ou artificialmente. O mercado negro já entrou no negócio servindo apenas as castas com mais poder económico.

Os contrastes na Índia, embora eu lá tivesse estado como mera turista ocidental, eram gritantes. O luxo era vizinho da extrema pobreza. Nos sítios aonde chegavam os turistas para fotografar os pontos de todos os guias (quando lá estive, ainda eram as máquinas fotográficas que prevaleciam), acumulavam-se sobretudo grupos de mulheres e crianças que pediam esmola, com um olhar de doce negrura profunda. Bem perto do celebérrimo Taj Mahal, havia esgotos a céu aberto, rentes a casebres habitados. Em diferentes cidades, havia barbeiros a cortar o cabelo e a fazer a barba na rua. Também havia homens a lavarem-se com baldes de água, indiferentes a quem passava. Em Nova Deli, vi carnes penduradas para venda enxameadas de moscas. Quem entrava nos belíssimos templos dos diferentes lugares tinha de se descalçar e passar os pés pela água, quase sempre de um pequeno tanque com água parada que era para todos. No centro da cidade de Jaipur, bela cidade de todas as cores, de todos os ruídos e de todas as luzes, as pessoas amontoavam-se, sem se distinguir bem o que era rua do que não era. 

Jaipur -  Índia

Hoje revi o álbum que sempre fazia depois de uma viagem mais longa. Ontem, na Índia, foram vários milhares as vítimas mortais de covid 19.

Acho que só usarei a toalha que comprei na bela Goa quando a situação melhorar na Índia. Pouco importa - dir-se-á. Será apenas o mais ínfimo gesto de uma turista, que por lá andou durante uns dias, como milhões e milhões de tantos outros, que marca o desejo de que todos possam respirar.

 

12 comentários:

  1. Muito bom-. Adorei o texto. 🌹🌹
    ~~
    Coisas da alma...
    ~
    Beijos e uma excelente semana.

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  2. O equilíbrio do mundo é feito pelos remediados. Os ricos tudo fazem para levantar a sua parte do mundo, em favor do seu bem-estar. Os pobres cada vez mais pobres, sem hipótese de sobrevivência neste mundo cão e injusto, onde só os ricos querem ter lugar.
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    Início e uma semana muito feliz … abraço
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    Pensamentos e Devaneios Poéticos
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    1. Sim, o desnível social é grande em muitos países. Possa, pelo menos, a pandemia ir reduzindo os seus efeitos para que as condições de vida de todos melhorem.
      Abraço e bom início de semana.

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  3. A Índia tem se crescido positivamente nos últimos anos, mesmo que há muito a melhorar. Isso me alegra muito, pelo fato de ser um país que realmente investe em ciência e tecnologia.
    E que lembrança boa em, uma toalha não é apenas uma toalha, são histórias S2

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  4. Pelas notícias, a Índia tem-se desenvolvido muito nessas áreas, felizmente. A pandemia parece ter provocado atrasos. Oxalá possam recuperar também com ajudas internacionais que têm recebido.
    Um abraço e continuação do seu bom trabalho.

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  5. Muito triste o que se passa por lá com a pandemia.
    Abraço, saúde e uma boa semana

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  6. Deus queira que as coisas melhorem e que o oxigénio chegue para todos.
    Beijinho e um dia bom, Elvira.

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  7. Soa-me a injustiça ouvir diariamente as notícias que nos chegam da Índia. Neste guerra ou nos salvamos todos ou muito pouco valem os cuidados que temos. Mas, além disso, a morosidade da ajuda internacional irrita-me. Eles precisam para ontem e a ajuda chega a conta gotas e para depois de amanhã. Ontem resolvi não assistir os telejornais e não sei concretamente se o oxigénio deixou de ser pertença dos mais abonados e comprado a peso de ouro. É a desgraça covid mas também a miséria moral em que todos vivemos.

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    1. De facto, dá mesmo vontade de não ver notícias quando as injustiças no mundo são mais que muitas, como no caso covid. E são aterradoras imagens de tanto sofrimento na Índia. É difícil vê-las sem ficar desassossegado.
      Boa noite, Bea.

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  8. Um texto belíssimo e emocionante, Maria Dolores. As lágrimas saltam-me dos olhos ao ver as imagens que a nossa televisão tem transmitido nos últimos dias, e que nos aproximam das gentes que veem impotentes e magoados,os seus mais queridos morrerem ali à sua frente.
    Também andei pela India e demorei-me em Goa, e li livros sobre esse país quase continente, e em todas essas experiências o que sempre mais me impressionou foi a distância escandalosa, criminosa, entre classes sociais...

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  9. Obrigada, Justine, pelas palavras carinhosas.
    As imagens que nos chegam da Índia são cenários de um sofrimento terrível.
    Os contrastes que vi nos lugares que visitei também me chocaram muito, apesar da beleza sublime de alguns. Hoje, talvez ainda me chocassem mais, porque em vinte anos vivemos, lemos, ouvimos muita coisa que nos tornam mais atentos.
    Boa noite, Justine.

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