quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Fósseis já sem megafone

 


Perto da zona onde vivo, há serras com fósseis. Há muitos anos, participei, por lá, em visitas de estudo. O dinamizador punha todo o empenho e entusiasmo nessas atividades. Preparava mapas, fazia desenhos, apontava para o relevo e para as linhas do horizonte, respondia a perguntas... Ah, e levava sempre um megafone que outros elementos do grupo, em momentos de descontração, também usavam para slogans que faziam rir toda a gente.

Motivados e divertidos, calcorreávamos montes e vales à procura de fósseis para os quais nos eram dadas explicações. Ficou-me sobretudo a busca alegre e arejada de marcas de seres que por lá viveram e que nós, passados milhões de anos, procurávamos com interesse. Ainda guardo alguns desses fósseis.

Os da foto trouxeram-mos esta tarde. Do mesmo local.

Para além das recordações que me avivaram, interrogo-me:

Que marcas humanas deixaremos nós?

 

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Procurando...

 ... a terra

 




... o céu






segunda-feira, 27 de setembro de 2021

O solitário da rua, as sondagens e o self made man

 

Ainda tenho nos olhos e nos ouvidos muito do que vi e ouvi na noite de ontem, de eleições autárquicas. E das muitas sondagens que, nas semanas anteriores, ilustravam manchetes e títulos de muitas páginas de jornais. Eram previsões tidas como quase certezas. E assim eram discutidas. E comentadas. E divulgadas. E propagandeadas... 

Em grande plano estava a Câmara de Lisboa.

Como a noite ia longuíssima e não sou pessoa de grandes noitadas, fui dormir, o que sossegou este espectador e não candidato a qualquer cargo público ou político. 

Na repartição onde trabalho, continuarei a ouvir alguns ecos dos resultados das eleições, mas como as pessoas agora se afastam mais umas das outras e não entram todas de uma vez como num funil, nada haverá de especial, com certeza. Tal como não há na minha vida. E digo isto sem tristeza, apesar de ter algum ar tristonho, eu sei.

Hoje, não sei se pela chuvinha, que começou a cair logo de manhã, se pelo outono que está a chegar, lembrei-me que me sinto várias vezes um Fernando Medina, se confio que vou ter uma vitória - ainda que as vitórias de um funcionário de uma repartição pública sejam muito pequeninas.

Nesses momentos, fico contente, acredito, sorrio, quase me empolgo, mas, na hora agá, quem sai vencedor é um Carlos Moedas em quem, aparentemente, poucos pareciam apostar, que aparece e tira a cadeira.

E isto acentua a minha mania de achar que se o dia começa bem, pode acabar mal, como a Fernando Medina; ou, então, se a coisa começou mal, pode acabar bem, como aconteceu com Carlos Moedas.

Eu sei que sou um anónimo cidadão, um self made man que pouco sabe e que muito terá de aprender. Pode ser que daqui a quatro anos a variação do meu humor não oscile tanto entre modelos FM ou CM. Para isso, continuarei a ouvir os ensinamentos da vida, se calhar, com a televisão mais vezes desligada.
 
Entretanto, pode ser que os senhores das sondagens aprendam também a acertar mais na mouche. Mas, como tenho dúvidas e muitas vezes me engano, continuo aberto às surpresas, embora não as saiba explicar. Não esqueçam que sou um self made man.
 
 
 

domingo, 26 de setembro de 2021

Quem não gosta de mimos?

 

Fui a uma editora

e oferecerem-me uns livros

A mim e à ilustradora

e sorrimos como meninos



Com os livros para crianças

eu fiquei muito contente

Não cessem as esperanças

de ver Crescer toda a gente

 


E  naquela editora

tanta palavra respirava

O mundo de que tanto gosto

sob meus olhos estava

 


E ao sair trazia os livros

feliz de presentes recebidos 

Os beijos são de evitar

mas nunca os mimos sentidos




Bom domingo! Votar também é mimar a Vida em Democracia!

 

 

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

 Obrigada, C.P.

 

Uma amiga emprestou-me este livro. Tem menos de 200 páginas e conta histórias relacionadas com alimentos e em que a nossa História também intervém. Destaco algumas narrativas: sobre um forno de cozer pão cujo uso era um ato de desobediência; acerca da alheira que foi criada por cristãos-novos como um modo de escaparem à Inquisição, estabelecida no séc. XVI, por D. João III.

Transcrevo aqui uma das páginas em que se explica a adoção deste enchido sem carne de porco - não consumida pelos judeus.

Começa assim o excerto:

'Na vila de Vinhais (...), criámos um  tipo de enchido que imita os enchidos...


Também há histórias sobre o bacalhau, a sericaia, o  D. Rodrigo, etc., contando-se a história dos primeiros usos culinários dessas iguarias, estando algumas ligadas aos Descobrimentos.

Cada narrativa é antecedida por uma explicação histórica contextualizando o alimento e de uma receita atual: bacalhau com broa, alheira com batatas e grelos, etc.

É, assim, um livro com diferentes sensações e experiências gastronómicas e históricas.

Sobre a autora - Paula Morais - , nada posso dizer porque nada sei. Se souber, digo, porque é preciso divulgar estes autores desconhecidos que produzem bons livros. 

 

Bom e saboroso fim de semana! 

 

 

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

O solitário da rua e essa coisa do normal

 

Eu, o solitário da rua, cheguei à conclusão de que não sou o único solitário da rua. Há o Manel. Não sabem quem é o Manel, pois não. Muita gente não sabe quem é o Manel. E talvez por isso as pessoas têm medo dele, atravessam a rua para não se cruzarem com ele, aceleram o passo, sentem o coração a bater mais depressa quando o veem ou o ouvem mesmo à distância...

Mas o Manel não faz mal a ninguém, ou melhor, só fez mal a si próprio e a dois primos com quem trabalhava. Foram mútuos os insultos e também a agressão foi de ambos os lados, mas, nesse dia, o Manel estava sóbrio. Só que não estava pacato, ainda que, quando está sóbrio, pareça pacato. Não andava de garrafa de vinho na mão como anda quase sempre. Nem vociferava fazendo gestos acusatórios com os braços sem se saber bem a direção.

Somos dois solitários da rua. Cada um à sua maneira. Ele a abrir-se a qualquer hora em acusações e ameaças a alguém ausente; eu, um pouco ensimesmado, um rato de casa depois de chegar da repartição, embora goste de janelas abertas à luz do dia, desde cedo.

Conheci os pais do Manel, que mal se ouviam de tão discretos que eram. Não sei se ele conheceu os meus e nem vale a pena perguntar-lhe porque, por estes dias, não larga a garrafa, anda sempre aos ziguezagues e nem se percebe bem o que diz. Os pensamentos devem ser uma gaveta atafulhada de quase tudo que é barafunda.

Por que é que todas as ruas, ou melhor, muitas ruas têm sempre um ou dois alguéns que, embora diferentes, saem da caixa da normalidade?

Ou será este o normal e não o outro a que sempre nos habituámos a chamar normal?

 

sábado, 18 de setembro de 2021

Conversa com escola(s) dentro

 

- Não sei o que se passa comigo.

- Então?

- Trabalho há mais de trinta anos e continuo ansiosa nesta altura.

- Por ser o primeiro dia de aulas?

- Sim. Nessa noite, nem consigo dormir.

- E eu, já pensaste?

- Tu? Também ficas ansiosa?

- Fico, claro.

- Porquê?

- É que já nem sei quantas vezes entrei em escolas pela primeira vez.


Quadros da pintora Menez - 1926/1995




sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Diz-me, espelho meu!

 

Diz-me, espelho meu, 

haverá mais medricas como eu?

Quando faço exames médicos,

fico triste a cismar

nos resultados que vou ter

e a espera até aumenta

cá a minha nostalgia

que a vida me revelou

a par de muita alegria.

 

Diz-me, espelho meu, 

há esquisitos como eu?

Eu sei que sou emotiva,

que quero muito a esta vida,

mas gosto de ser racional.

Então, por que penso no mal

quando há incerteza

sobre o que o laboratório

- que me parece um purgatório,

apesar de nele verem

o que dizem ser beleza - 

vai contar

em tabela nunca igual?

 

Diz-me, espelho meu, 

se outros sentem como eu

este pico de ansiedade

antes de saber a verdade

de análise ou diagnóstico.

Eu, um ser crente e não agnóstico,

já devia saber

que não é preciso sofrer

com esta antecipação,

apelando à calma e à razão 

e, com boa disposição,  

pensar como diz o ditado,

mas sempre de olhar animado,

que tudo passa

- ainda que nem tudo passe -

e haverá por cá sempre gente

que a vida convida a ficar,

embora ficar cá não fique

ninguém para a semente! 

 


terça-feira, 14 de setembro de 2021

Conversa com trovoada e gente dentro

 

- Que trovoada!

- Tem medo?

- Tenho. Desde pequena.

- Tem medo também?

- Eu, não. 

- Que bom, então.

- Medo só de gente, de trovoada, não! 

 

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

O sítio

 

Com o seu sotaque brasileiro, ela disse que agora tudo lhe corre melhor, mas quando chegou a Portugal e começou a trabalhar nas diferentes casas e a mandavam pôr as coisas no sítio, ficava confusa.

Para ela, o sítio era uma fazenda, como a fazenda do seu avô, no nordeste do Brasil. E que o quintal de uma das senhoras lhe fez recordar esse sítio. 

Até fiquei arrepiada, quando o vi pela primeira vez. Ainda me arrepio só de pensar. Veja só! Parecia que estava no sítio do meu avô, disse ela.

Ah! Então, o Sítio do pica-pau amarelo tem esse sentido.

Tem, sim. E eu gostava de ver a série e de ler os livros de Monteiro Lobato. Já faz muito tempo, mas não esqueci, não. Quando lembro, parece que volto ao sítio do meu avô.


sábado, 11 de setembro de 2021

Difícil falar

 
Obrigada, IA, por este livro.

deste livro. Para mim, é claro.

O título dos capítulos contém sempre palavras da primeira frase da página. Resolvi fazê-lo também para iniciar este texto, apesar de não gostar de imitações. Talvez por não saber muito bem como começar. Mas vamos a isso, porque palavra puxa palavra...

A história, ou melhor, as histórias passam-se num Oriente, muitas vezes imaginado. Uma espécie de Mil e Uma Noites, em que muita coisa é criada e recriada e nos deixa atentos e fascinados como os olhos das crianças quando gostam do que estão a ler ou a ouvir.

É um romance poético, que gostei de ler com um lápis na mão porque há muitas e muitas frases que apetece sublinhar. Ou porque são sábias, ou porque são belas, ou porque são encantatórias, ou porque são surpreendentes...

Destaco algumas personagens: um menino que viveu com o seu pai biológico e outro menino que foi adotado, um homem mudo e que é um grande poeta, a mulher de um homem que o abandona, um homem que tem uma fábrica de tapetes e que às vezes não sabe como tecer a sua vida, uma mulher que quer casar e que anseia por uns sapatos de salto alto...

E nas quase seis centenas de páginas, intercaladas de imagens a preto e branco, há temas como o amor, a infância, a traição, a morte, o abandono, a alegria, a guerra, o poder, o questionamento, o prazer, a religião e tantos outros que se vão entrelaçando. E só quem tem

um grande fôlego de escrita, de conhecimento, de estudo, de imaginação consegue realizar um livro assim. 

Os nomes das personagens parecem estranhos, embora uns mais do que outros: Bibi, Elahi, Salim, Isa, Badini, Nachiketa Mudaliar, Aminah, Azizi...

E tantas e tantas outras personagens - às vezes pessoas, outras vezes, uma espécie de marionetas - num universo que, próximo ou distante no espaço e no tempo, seduz o leitor, porque caminham entre o real e o imaginário.

Deixo um excerto, de entre tantos que poderia salientar.

Antes disso, deixem-me dizer que o autor - Afonso Cruz - nasceu em 1971, na Figueira da Foz e já recebeu muitos prémios literários. Para além de escrever, é ilustrador, músico, cineasta, produtor de cerveja e, se calhar, muita coisa mais (tantos talentos, meu Deus).

O excerto que escolhi tem a ver com o título do livro: PARA ONDE VÃO OS GUARDA-CHUVAS

 

Boas leituras e, sobretudo, feliz fim de semana. Com ou sem guarda-chuva(s). 

 


 

 

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

A importância do olhar

 

Uma mãe chega com uma filha, adulta, a um hospital particular. A mãe, à chegada, diz ao que vem. A funcionária pede-lhe os documentos. A mãe entrega os documentos pedidos. A funcionária pede o número de telemóvel, desta vez olhando a filha. A mãe diz o número do telemóvel. A funcionária pergunta se tem e-mail, olhando, de novo, só para a filha. A mãe diz o seu e-mail.

A filha, olhando a funcionária, diz: desculpe, quem vai fazer a intervenção cirúrgica é a minha mãe, não sou eu, por que que só me faz as perguntas a mim? A funcionária passou a olhar a mãe, tratando-a pelo nome.

 

terça-feira, 7 de setembro de 2021

Anunciando o outono

 

 

Vão aparecendo sinais de outono. Nas nossas vidas? Também.


segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Modos de olhar

 

 

Um dia, alguém me disse que o meu olhar era bastantes vezes avaliativo. Fiquei com pena, porque não gosto desse tipo de olhar. Só que nós próprios não nos olhamos enquanto olhamos os outros.

 

domingo, 5 de setembro de 2021

Será intrusa?

 

Se não tivesse sido eu a tirar a fotografia, diria que eram só flores, na sua singeleza e  diversidade. Mas está lá uma cabaça, e não é pequena, deixando viver feliz e à vontade quem lhe dá ajuda e apoio.

 

sábado, 4 de setembro de 2021

Doçuras ao sol de setembro

 

 

Um dia, ouvi: nunca colhi frutos de uma árvore. 

Lembro-me sempre disso quando vou ao quintal, apanho os frutos e saboreio-os logo ali.

Quem gostasse devia ter árvores de fruto por perto para os olhar e saborear.


sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Uma janela em setembro

 


quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Pássaros no aeroporto

 

Se calhar, é comum, mas nunca tinha visto pássaros dentro do aeroporto. Foi em Heathrow, de regresso ao Porto.

Cheguei duas horas antes como é da praxe. Dantes, tomaria um café enquanto esperava pelo voo, mas, desta vez, não o fiz porque não queria tirar a máscara.

Também gosto de me sentar e observar as pessoas, tão diferentes, a passar. 

Tal como tinha reparado em Gatwick, havia menos movimento. Talvez porque para quem chega ao Reino Unido é pedido teste covid, certificado digital de vacinação, inquérito de localização preenchido, passaporte...

Mas voltemos aos pássaros que, pela sala de embarque, andavam a esvoaçar. Talvez  tivessem fome e procurassem migalhas dispersas pelo chão. 

Também eu me deslocara a Londres para matar a fome da saudade. Não tinha ficado ainda satisfeita porque foi uma semana em presença quando a ausência havia sido de dezoito meses. E há tanta gente nestas condições.

Deixei de ver os pássaros quando me dirigi à porta com destino ao Porto, ou melhor, a Lisboa, onde fizemos escala e onde não vi pássaros, mas também os teremos, uns mais esfomeados, outros mais consolados.

Era bom regressar a Portugal, mas a vontade de voltar a Londres esvoaçava na minha cabeça. Como os pássaros no aeroporto.


quarta-feira, 1 de setembro de 2021

terça-feira, 31 de agosto de 2021

Levar-nos ou não a sério, eis a questão

 

Sempre gostei de coretos. Talvez por ouvir, desde muito cedo, o meu avô falar das bandas que ele apreciava e que tocavam em coretos nas festas populares. Ele usava uma expressão que acho deliciosa: tocar uma pecinha. Também o meu pai a utilizava.

Pois bem, no Queen's Park, em Londres, há um coreto e domingo passado havia uma banda  a tocar. Os espectadores sentavam-se na relva, crianças corriam, algumas pessoas dançavam... Uma tarde bonita e plácida de domingo.

O maestro, ao anunciar as músicas e voltado para o público, punha as mãos à volta da boca, em modo altifalante e dizia graças. Muitas pessoas riam-se e os músicos do coreto também. Ora, o meu inglês já não é bom e como ele falava para todas as direções, só nos chegavam algumas palavras, ficando eu com curiosidade sobre a piada que ele tinha dito. O que me valia era ter a minha filha ao pé de mim para me ajudar a compreender.

Uma das coisas que o maestro disse foi que ele tinha muito ritmo, o que logo causou riso. E muito mais graças ele disse, apesar da seriedade na execução musical.

Eu interroguei-me, então, se em Portugal tantas piadas seriam ditas neste tipo de espetáculo e de forma tão descontraída.

Foi então que a minha filha disse: em Portugal, as pessoas levam-se muito a sério. 

Eu dei-lhe razão.