quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Consciência (in)tranquila

 

Não me lembro de nenhuma figura política, ao demitir-se de um cargo ou sendo demitida, que não diga que está de consciência tranquila. Um secretário de estado do atual governo, cuja demissão foi conhecida ontem, repetiu, igualmente, que estava de consciência tranquila. 

Esta expressão, com tanto uso e abuso, vai-se tornando vazia do significado que, nestes casos, querem dar, com ar sério e circunspecto. Como se quem a ouve a aceitasse sem pensar ou não tivesse consciência.

E, depois das demissões, chovem até elogios, mas nenhuma referência aos motivos que levaram à cadeira ter ficado vazia. Sobre isso, os governantes nada dizem porque, perante factos, esgotam-se os argumentos que seriam desejáveis.

Esses governantes, tão palavrosos tantas vezes, remetem-se ao silêncio quando as coisas correm mal e ficam-se por uma nota escrita, curta e breve, para a comunicação social sobre o caso e a vida continua. 

Esquecem-se, porém, de que a consciência do comum dos mortais vai ficando intranquila. E triste. Como fria tempestade.


domingo, 26 de janeiro de 2025

Uma imagem/frase para um domingo de chuva!


Bom domingo!



sábado, 25 de janeiro de 2025

É sábado, há sol e músicas assim!


 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Um ingrediente que entrou por engano

 

Sou fã do caderno Ideias do jornal Expresso. Nele, vem uma crónica, que não costumo perder, de Ricardo Dias Felner, com o título sugestivo de ‘O Homem que Comia Tudo’, sobre gastronomia e restaurantes. O cronista parece ser honesto, conhecedor e exigente nas apreciações e nas sugestões que apresenta, falando de todo o tipo de restaurantes e de comidas onde moram bons e consoladores sabores, não necessariamente caros.

Ora, na crónica de 15 de novembro último, com o título “Isaltino e os restaurantes”, a dado momento, o cronista diz:

“Na sequência disso, Isaltino foi para as redes sociais promover alguns dos restaurantes locais que tinham beneficiado dos dinheiros públicos

- sugerindo que os gastos haviam sido em prole da extraordinária gastronomia oeirense, mais do que em prole do seu extraordinário estômago.“

Como se vê neste excerto, o cronista repete a palavra ‘prole’ que é mal utilizada, neste contexto. O que ele quereria escrever era ‘prol’, que significa a favor de, em defesa de, em proveito de...

Por exemplo: Todas as semanas, ele escreve em prol da boa gastronomia.

A palavra 'prole', por sua vez, significa descendência...

Por exemplo: Ao domingo, o casal costuma ir ao restaurante com a sua prole (com os filhos).

Assim, vemos que até uma simples letra pode fazer a diferença. E de que maneira. É como uma bela sobremesa com um ingrediente que entrou por engano!


quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Na caixa 29


Ontem à tarde, estava sol e ela resolveu sair. Assim, sempre mexia um pouco mais as pernas e não ficava tanto tempo no sofá a dormitar e a ver a Tânia ou a Júlia ou o Goucha. Iria ao Centro Comercial, que ficava perto de casa. Podia até encontrar alguém conhecido e conversar. Ou mulher ou homem também com sinais de solidão que olhassem para ela e lhe dirigissem, amigavelmente, a palavra e até a convidassem a sentar um pouco ou até a tomar um café. Que mal tinha? Mal era ficar sempre em casa a ver e ouvir histórias tristes que lhe aumentavam a solidão e a tristeza.

Pois bem, limpou a pele, pôs creme, pó de arroz e desenhou o traço negro nos olhos o mais direitinho possível. Tinha de realçar o melhor de si. Daí a pouco tempo, estava no Centro Comercial. Olhou à sua volta. Bastantes pessoas sozinhas. Mulheres sobretudo. Teriam saído com os mesmos propósitos que ela: ter um pouco de companhia que as alegrasse. Apetecia-lhe esboçar um sorriso a ver se alguém lhe sorria também, mas algumas pessoas estavam era fixadas no telemóvel ou nos seus pensamentos.

Através dos vidros largos, via-se o estádio do Dragão, e entrava uma luz imensa e boa. Foi percorrendo o átrio. Apeteceu-lhe um café pingado. Aproximou-se do bar. Duas jovens funcionárias falavam de uma colega, reproduzindo o que ela tinha dito e o que lhe tinham respondido. 

Ficou algum tempo a ouvir com agrado, para mais uma das raparigas era brasileira e sempre gostara da doçura daquele sotaque. Finalmente, deram conta que tinham uma cliente à espera. Pediu o pingo bem quentinho. Coisas de velhos, pensou ela sobre o que elas teriam pensado. Apetecia-lhe meter conversa, mas as jovens tinham recomeçado a história de há pouco. Sentou- se a uma mesa, aquecendo as mãos na chávena, e olhava quem passava, quase sempre com ar sério, embora em passo vagaroso. Deixou-se ficar algum tempo. 

Mesmo com o risco bem acentuado dos olhos, parecia invisível a quem passava e com quem se cruzava no largo e luminoso átrio do centro comercial. O melhor era ir comprar pão e regressar a casa. Daí a pouco, começaria a escurecer e a ficar frio. Assim fez.

No Continente, a fila para pagamento era grande. Atrás de si, estava outra mulher. Teria a sua idade. Ambas tinham poucas compras. Cabiam-lhes nas mãos. Entretanto, foi chamada para a caixa 29 e logo a vizinha de fila também, o que foi motivo de conversa:

- Continuo atrás da senhora.

- É verdade. Hoje a fila está demorada.

- Há poucas caixas a funcionar. Nem é costume.

- Devia haver uma caixa para quem compra poucas coisas.

- E está-me a custar estar aqui. Dói-me tanto uma perna.

- Oh, isso é que é pior!

E já fora da caixa de pagamento:

- Então adeus e as melhoras.

E saiu a pensar que, da próxima vez que viesse ao Centro Comercial, poderia encontrar a vizinha de fila, ir ter com ela e perguntar-lhe se estava melhor. E haveria motivo de conversa.


sábado, 18 de janeiro de 2025

Tenho uma filha emigrante


Quando a minha filha mais nova rumou, sozinha, a Londres para prosseguir estudos, ainda não sabia que ficaria a viver lá e que encontraria, por si, condições profissionais que aqui não tinha. Apesar de ela não ser muito dada a queixas e lamentos, pelo menos o inicio da sua vida naquela grande cidade não deve ter sido fácil. Teve de ser muito organizada, trabalhadora e muito corajosa. Acho que, se eu estivesse no lugar dela, não teria nem metade dessas capacidades.

Por isso, toca-me diretamente o tema, e, sendo Portugal um país de forte emigração, considero desumana a forma como muitos imigrantes e muitos dos seus filhos, mesmo já  nascidos no nosso país, são tratados. Chocam-me expressões como: ‘vão para a terra deles’, ‘encostem-nos à parede’..., expressões gritadas e repetidas até na Assembleia da República. Haverá exceções, mas, quando as pessoas decidem migrar, fazem sacrifícios na busca de uma vida melhor a que têm direito.

Há crimes? Há excessos? Há vícios? Existem, com certeza, como há em todas as comunidades. Porém, recorrentemente, ter-se a pele mais escura, ser-se pobre e ser-se estrangeiro acentuam desconfianças e medos, mesmo que não haja evidências de comportamentos desviantes.

Um dos argumentos por cá apresentados é que os imigrantes roubam o trabalho a muitos cidadãos, o que retira riqueza ao país.

Londres ou outra grande cidade, incluindo as portuguesas, não empobrecem com os imigrantes que acolhem. Pelo contrário, eles contribuem até para a riqueza do país pelo seu trabalho nas obras, na restauração,  em serviços públicos, etc.

Porque são então tantos imigrantes vilipendiados e associados, aleatoriamente, à criminalidade? A este propósito, o diretor da polícia judiciária Portuguesa afirma que são perceções e desinformação que levam à ligação  imigração-criminalidade e não o que acontece de facto.

Por isso, quem não quer esclarecer mas apenas espalhar a confusão usa e abusa de microfones que lhes estendem, alterando o poder da realidade e buscando a realidade do seu próprio poder.

Em Londres, passar-se-á o mesmo, porque o fenómeno é geral. Lá, a minha filha e tantas outras pessoas, vindas de diferentes países, trabalham e interagem, pacificamente, procurando fazer o melhor possível. Na escola da minha neta, há meninos e meninas de diferentes proveniências e cores de pele,  o que para eles é normal. Muitos adultos poderiam aprender com estes exemplos, contudo, a ambição desmedida provoca grande surdez e cegueira.

Oxalá que muito trabalho feito por tanta gente, nos mais diferentes setores, no seu país ou noutros de acolhimento, se vá dando a conhecer mais e melhor, para bem da humanidade. Ainda que os microfones estejam deles demasiado  afastados.


quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

‘Se senta, se tenta’


Havia um restaurante no Porto  (não sei se existe ainda), com o nome que pus em título. Lembrei-me dele a propósito de um aniversariante muito próximo que, ao fazer setenta anos, sentiu um peso a cair-lhe em cima como pedras de muro que desaba. Dado ao humor e a tornar mais leves coisas mais pesadas da vida, os setenta anos fizeram-no pensar mais profundamente nos outros e na vida.

Parece que ficou diferente - comentava quem o observava. E não era difícil ler-lhe o pensamento. Quando acenderam as velas para lhe cantarem os parabéns, lembrou-se dos aniversários da sua infância que passavam sem doces nem parabéns. Quando os convidados foram embora, ajudou a arrumar a loiça e foi-se deitar.

No dia seguinte, escreveu num grupo do whatsapp : A vida continua. Viva a Vida!

E saiu para trabalhar, como fazia há muitas dezenas de anos. Sentando-se, como habitualmente, disse para si que, se se senta, se tenta a pôr em prática as palavras que partilhou logo pela manhã do dia seguinte a fazer setenta anos.


terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Bom Dia!

 



domingo, 12 de janeiro de 2025

O (meu) olhar e (ainda) um almoço de Natal!


Há muitos anos, um colega de trabalho disse-me, amigavelmente, que o meu olhar era muito avaliativo. Nunca mais me esqueci e, na altura, desagradou-me, confesso. Não pelas palavras que acabava de ouvir, mas sobretudo porque verifiquei que era verdade. A confirmá-lo bastava ver algumas fotografias. E o pior é que ainda não aprendi a corrigir. Raios! A gente aprende (que remédio!) tanta coisa e outra tanta não consegue corrigir!

Ora, tenho um grupo de amigos de longa data que se reúne sempre antes ou depois do Natal. Pois bem, ontem foi o dia do almoço natalício,  não fosse o Natal ‘quando o homem ou a mulher) quiser’. Sempre animado e divertido o nosso encontro, trocamos presentes, partilhamos petiscos e, à boa maneira de quem gosta uns dos outros e se conhece bem, há conversas que se cruzam, que se sobrepõem e que acabam em risota. E as fotos tiradas lá vão fixando alguns momentos.

Vendo algumas agora, lá me salta à vista o tal meu olhar bastante avaliativo que, mais uma vez, confirmo. E digo para mim: raios! Não gosto nada!

Mas foi uma tarde bem passada entre amigos - é a avaliação que faço. Tenho pena é do tal olhar avaliativo. Nem sempre, é claro. E é o que vale para as boas amizades continuarem a valer.


quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Quantos deles leram um livro do princípio ao fim?

Hoje, debaixo de intensa chuva, os restos mortais de Eça de Queirós, que faleceu em Paris no ano de 1900, foram trasladados de um cemitério de Baião, perto da Casa de Tormes, para o Panteão Nacional, em Lisboa.

A urna, sobre uma charrete puxada a cavalos, percorria a estrada sem ninguém a ver nem a aplaudir, tanta era a água que do céu caía. O cenário era digno de  filme triste mas belo, que dispensaria legendas, mas não o silêncio.

À hora prevista, na igreja de Santa Engrácia, reuniam-se governantes, familiares do grande escritor e muitas figuras públicas convidadas para prestarem homenagem ao homem que foi cônsul, escritor, jornalista…

Segui a cerimónia pela televisão, ouvindo os discursos, a música, a leitura de textos de diversas obras do autor, nomeadamente Os Maias, O Primo Basílio,  O crime do Padre Amaro, A Cidade e as Serras. E também As Farpas, obra escrita com Ramalho Ortigão.

Achei uma ótima ideia lerem excertos de livros do autor e os palestrantes lembrarem que a leitura das obras é a melhor homenagem que se pode fazer a quem as produziu, neste caso, de forma prodigiosa.

Ora, nestas diferentes obras literárias, há uma forte - sem ultrapassar linhas vermelhas, como agora se diz - crítica (construtiva) ao Portugal da época, havendo a caracterização de personagens, com traços, curiosamente, muito semelhantes a figuras públicas atuais, fazendo rir o leitor pelo humor e ironia. Nisto também o escritor foi genial. 

E, enquanto, decorria a homenagem, ia-me perguntando: quantos políticos atuais leram um livro de Eça de Queirós, do princípio ao fim? 

É que, com as obras do autor homenageado, também se aprende muito sobre o mundo em que vivemos. E sobre o mundo em que seria melhor viver.


segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

A travessa cavalinho e a festa dos Reis



Tenho esta travessa há muitos anos. Trouxe-a de casa dos meus pais. Vive agora pendurada numa parede. Sempre que a olho, vejo-a na mesa da minha infância, com batatas, bacalhau e hortaliças a fumegar, no tempo em que se festejava o Dia de Reis. A comemoração não era bem como a do Natal, mas não faltava a aletria nem o leite-creme nem as rabanadas, tudo feito ao fim da tarde para ser saboreado  ainda quentinho.
Agora, que eu saiba, poucas pessoas, no nosso país, festejam os Reis Magos - Belchior, Gaspar e Baltasar - vindos do Oriente e que, seguindo a sua estrela, se deslocaram até Belém para visitarem e oferecerem ouro, incenso e mirra a Jesus, recém-nascido.
Atualmente muito se fala do Oriente por guerras e conflitos que alastram, destroem e matam. Que bom seria que terminassem como termina agora a época de Natal.
A partir de hoje, arrumam-se presépios, árvores e enfeites de uns dias natalícios, dos quais ficaram boas ou más memórias. Às vezes, são objetos que trazem ao de cima muitas recordações. Como acontece com esta velhinha travessa que já cavalgou décadas. Não fosse ela uma travessa cavalinho.

Quero ir ao encontro de alguém, mas não de encontro a qualquer coisa!


Por todo o lado, incluindo na comunicação social, ouvimos as expressões 

Ao encontro de 

De encontro a

Ambas existem, mas o seu significado é bem diferente, apesar de serem usadas, por distração ou desconhecimento, como se o significado fosse o mesmo.

Se vamos ter com alguém ou concordamos com certas ideias, vamos ao encontro dessa pessoa ou dessas formas de pensar ou agir, como, por exemplo:

'Fui ao encontro dos  meus amigos, como tínhamos combinado.

'Ele é generoso e vai sempre ao encontro das necessidades dos outros


Porém, ir de encontro a significa esbarrar, ir contra qualquer coisa, como, por exemplo:

'A criança ia a correr tanto que foi de encontro ao muro.


Num mundo de tantos choques e tantos desencontros, saibamos então distinguir:

. ir ao encontro de - satisfazer, dar resposta, aproximar-se de alguém ou de ideias, sem choque físico.

. ir de encontro a - colidir, chocar


Acrescento, então:

Hoje vou ao encontro de uma pessoa amiga. Espero não escorregar na rampa do café e ir de encontro à  porta de entrada.


Que este Dia de Reis de 2025 vá ao encontro dos desejos de cada um e que os políticos não vão, mais uma vez, de encontro às ideias de todos os adversários, mesmo que sejam boas para o país.


sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Olhemo-nos uns aos outros!

 Primeiro (não) olhar

A menina era uma boa aluna. Raramente se queixava dos professores. Havia, porém, uma professora que dirigia quase sempre o seu olhar para o melhor aluno à sua disciplina, o que não era confortável. A professora parecia querer ter o seu aval do que dizia e do modo como agia. Os outros alunos sentiam-no e, claro, a adolescente que era boa aluna à disciplina, mas talvez nem tanto como o colega de turma, também. Passados alguns anos, a professora e a ex-aluna encontraram-se por acaso. Reconheceram-se, falaram do tempo de escola, a professora elogiou-a, desejou-lhe muitas e bem merecidas felicidades. E, curioso, passado tanto tempo, a imagem do não olhar na sala de aula não deixou de dizer presente. 


Segundo (não) olhar

A mãe foi ao médico com a filha. Era a mãe que precisava da consulta. A filha, já adulta, levaria o carro e faria companhia à mãe. A consulta era num hospital particular para a marcação ser mais rápida, apesar de ambas não dispensarem e reconhecerem toda a importância do SNS. Após a consulta, o médico, que parecia apressado e com pouca paciência, comunicou o diagnóstico. Fê-lo, olhando apenas a filha, como se a pessoa mais velha, a principal interessada e, felizmente, na posse de todas as suas faculdades, não estivesse ali. E ia pensando que o ato médico é também um ato de comunicação. Cada vez mais. O olhar com empatia pode melhorar muita coisa. A falta dele pode estragar muita coisa também. 


Terceiro (não) olhar

A visitante chegou ao pequeno museu no país estrangeiro. Estava feliz, porque já há muito tempo queria conhecer aquele espaço, onde tinha vivido um grande poeta. À hora marcada, havia quatro pessoas para a visita guiada. Três delas eram falantes da língua do país e uma vinha de fora. O guia, um jovem estudante, bem informado sobre todo o espólio do museu, ia dialogando com os visitantes. Ou melhor, com todos menos com a visitante que não dominava a língua daquele país. O seu olhar ia, portanto, ao encontro daqueles que o entendiam por completo. A visitante olhava-o para compreender melhor a sua mensagem e ficar mais informada, mas o olhar não lhe era retribuído, com alguma tristeza sua. Terminada a visita, a visitante saiu. O guia estava distraído, mas a senhora, que estava junto dos objetos à venda, sorriu-lhe e desejou-lhe bom dia. Até ali, a visitante tinha prometido a si própria que não voltaria, mas, depois daquela saudação empática, talvez voltasse um dia. 


FELIZ ANO NOVO! 

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Uma aldeia natalícia

 


Chama-se Quintandona, fica no concelho de Penafiel, distrito do Porto, e vale a pena visitar.
Em família, foi o que fizemos ontem, em tarde cheia de sol, ainda que um pouca fria.
A aldeia tem sido restaurada e encontram-se, aqui e ali, muitos elementos decorativos, feitos pelos habitantes, e aproveitando produtos naturais, como troncos de árvore, cabaças, pinhas, etc.
Numa loja, ampla e moderna, a que chamam Feirinha, vendem mel, compotas, chás, casinhas e presépios de xisto, etc. Não resisti.
Tive pena de estarem esgotadas as tigelinhas de barro onde servem café da púcara ou as tigelas maiores onde se come o caldo da aldeia, feito em panela de ferro. No meio de um terreiro, as chamas iam cozinhando a sopa e aconchegando os visitantes, mesmo ao lado de um restaurante, que também tem dinamizado muito a aldeia.
Ah, e há pelo menos um trilho para caminhadas, através da floresta bem próxima. Não tive coragem para tal, mas fiquei a saborear o momento e a olhar as laranjeiras, as árvores já despidas de inverno, as casas e muros reconstruídos, os arranjos manuais a embelezar a aldeia natalícia que soube bem visitar, em vésperas de Ano Novo. 
Talvez muitas aldeias também o façam. Oxalá haja apoios para tal e pessoas que as visitem. E que comprem alguns dos produtos da aldeia. E olhem e sorriam para quem lá mora, não como seres decorativos, mas como pessoas que vivem dando vida à terra onde vivem. E se há criatividade, como acontece em Quintandona, ainda melhor.














sábado, 28 de dezembro de 2024

O elogio mora ao lado?

Não sei se é perceção (palavra usadíssima nos últimos meses) minha, mas acho que muitos rostos traduzem a falta de elogios. E outros o contrário: o sorriso mais seguro de quem nasceu e viveu com muitos elogios e poucas críticas.

De uma maneira geral, elogiamos pouco, diria eu, e criticamos muito. E há quem elogie muito fora de casa e se esqueça de o fazer dentro de portas. Às vezes, ouve-se que não é preciso, mas, sim, é cada vez mais necessário. Em todas as idades. Quem não precisa de uma palavra ou olhar de reconhecimento? Se a comida está boa, porque não dizê-lo? Se se está feliz pela presença de alguém mais próximo, porque não demonstrá-lo? Se o que foi feito é útil, porque não parar um bocadinho e ver com mais atenção?

Quase todos conhecemos pessoas que sorriem mais às pessoas de fora, elogiando aspetos que parecem invisíveis dentro de casa. Como o ano velhinho está quase a despedir-se e o novo está a chegar, poderá ser um motivo para alterar algumas práticas. Nem que seja devagarinho para não parecer nem ser forçado ou postiço. Se assim fosse, seria pior a emenda do que o soneto. Às vezes, basta não criticar tanto tantas pequenas coisas.

Em tempo de tantas perceções, também as tenho, é claro: muitas pessoas precisam de sorrir mais e de sentir que o que dizem e fazem também é importante. Um elogio dado e recebido pode ser meio caminho andado.

FELIZ ANO NOVO!

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

O que dizer a poucos dias do Ano Novo?

 

Todos dizemos, ou ouvimos dizer, nos finais de dezembro: Boas entradas, Entra com o pé direito, Bom Ano Novo, Que vá embora o ano velho e venha o ano novo… E muitas outras expressões que desconheço ou das quais não me lembro.

E há quase sempre uma esperança no ar quando se contam as uvas passas ou se levanta a taça de champanhe ao Novo Ano.

Não sou muito de festejar o que pode acontecer, a mais ou menos longo prazo, sobretudo se as perspectivas políticas que condicionam o mundo são más ou muito más. A tomada de poder de Trump e a manutenção de Putin no poder, por si só, não auguram nada de bom. A não ser para eles próprios.

O que vale é que existe ‘a beleza das pequenas coisas’ que nos agarra à vida e nos traz alegrias. Que, pelo menos essas, não nos abandonem para que nos olhemos e olhemos os outros, com um sorriso, desejando, com alegre convicção: Bom Ano Novo, por estas ou outras palavras!


quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Já passou o Natal?

Muito se pensa, muito se faz, muito se diz, muito se escreve para um ou dois dias do Natal. É bom que assim seja, porque também é bom que haja marcos na nossa vida para nos lembrarmos mais dos outros, mostrando que são muito importantes para nós. Contudo, há alguns exageros (quem pode, é claro!) no que se come, no que se bebe, na quantidade de brinquedos que muitas crianças recebem. Mas também gosto de dar e de ver os olhinhos a brilhar de quem recebe, ainda que seja só por instantes. E gosto também de ver mesas bonitas de Natal, ainda que simples. E pratos natalícios com doces mimos da época. E que nos fazem lembrar outros natais e outras pessoas que fazem parte de nós. E de outros mimos: não há aletria como a da minha mãe!

Conheço pessoas que passaram o Natal sozinhas e, de forma calma e sorridente, não aceitaram o convite para se sentarem a outras mesas. Há quem diga que é um dia como os outros. Pessoas há também que gostavam de ser convidadas, mas não tiveram essa alegria. E muitos não o celebram, porque a sua religião impõe outras datas e comemorações.

Gosto do Natal, mas não das pressões e freimas (esta palavra é muito utilizada na zona onde nasci e vivo). Nem das correrias. Nem das enchentes em centros comerciais. Que me desculpem os lojistas que precisam de ganhar dinheiro e de pagar contas e ordenados, mas não fui a nenhuma loja para presentes de Natal. Fiz alguns presentes; comprei umas peças de artesanato a quem as faz com arte, amor e carinho; fiz pedidos de livros pela net, o que também  ajuda na economia. Grão a grão…

E ontem, Dia de Natal, foi um dia que lembrava um pouco o tempo da pandemia. Tudo o que era loja, café, supermercado ou grande superfície estava fechado. Era o descanso merecido, a pausa necessária depois de dias tão trabalhosos. Contraste para juntar a tantos outros da época natalícia.

Com um abraço, desejo a todos Muito Boas Festas!


P.S. Enquanto tomávamos o pequeno almoço, li este post, antes de o publicar. Uma das minhas filhas disse: Gosto, mas acho bastante didático. 

Desculpem, se pensam o mesmo, mas não era essa a minha intenção!

Porém, reforço  o desejo de Muito Boas Festas! E acrescento: Uma boa quinta-feira!


sábado, 21 de dezembro de 2024

Porque em breve será Natal!

Se não lesse, treslia

Apesar de ter tido uma infância e juventude em que nem um tostão era esbanjado, sempre convivi com livros e jornais. Todos os dias, chegava à nossa casa O primeiro de Janeiro; na Feira do Livro do Porto, o meu pai comprava romances de Camilo Castelo Branco e de outros autores  clássicos. Para nós, filhos, trazia quase sempre livros de histórias, em que a raposa e o lobo eram os protagonistas. Como tínhamos bastantes livros em casa, eu e a minha irmã liamos alguns e também alguns às escondidas - aventura ‘picante’ que qualquer jovem agora estranha ou desconhece. Íamos à estante e tirávamos um desses livros, quando podíamos, como O crime do Padre Amaro de Eça de Queirós, A Curva da Estrada de Ferreira de Castro, etc. Este ano, junto da árvore de Natal, tenho livros para os meus netos. Eles gostam de livros, felizmente. E fico contente porque, se não lesse, eu treslia, apesar de a vida ter outras necessárias belezas.


Os caracóis do Menino Jesus

Ainda hoje, acho que foi verdade. Há muitos, muitos anos, depois da ceia de Natal, pusemos o sapatinho - julgo que, no meu caso, foi uma bota do par comprado naquele inverno e para durar toda a estação. Estava na hora de ir dormir e, de manhã cedinho,  viríamos a correr à cozinha ver o presente que o Menino Jesus nos tinha trazido. Mesmo com a alegre e infantil ansiedade, veio o sono enfeitadinho de sonhos que me chamaram à cozinha ainda a manhã não tinha acordado. E lá estava ele, o menino Jesus, de cabelinho aos caracóis, a pôr o presente na botinha: um molhinho de chocolates pequeninos, atado por uma fitinha, e um guarda-chuvinha também de chocolate. Já não me lembro das cores, mas do Menino Jesus e dos seus caracóis, sim. Hoje, passados tantos e tantos Natais, ainda acho que foi verdade!

FELIZ NATAL!


terça-feira, 17 de dezembro de 2024

O mistério e a chaminé


Esta pequena história foi igualmente publicada na coletânea Lugares e Palavras do Natal, 
Editora Lugar da Palavra.

Para a escrever, inspirei-me no meu neto que, desde o Natal passado, espreita, de vez em quando, para dentro da chaminé.


 Era quase Natal e Pedrinho, entusiasmado, via vezes sem conta o Pai Natal. Encontrava-o na escolinha, nas ruas, nas lojas… e sempre diferente. Às vezes, era gordo; outras, magrinho; outras, assim-assim, mas sempre com barbas brancas, óculos pequeninos e ar sorridente.

Um dia, numa festinha, onde estava com os pais, ouviu alguém dizer que o Pai Natal não traz presentes para todos os meninos. Ficou pensativo e perguntou porquê, mas a pessoa mudou logo de assunto.

Mistério! - Pensou Pedrinho, que tinha aprendido essa palavra há pouco tempo. E logo perguntou à mãe se era verdade que nem todos os meninos recebem prendas do Pai Natal, mas a mãe pediu-lhe silêncio porque um grupo ia tocar violino.

Quando terminou o momento musical, saíram apressados para a casa da avó, onde toda a família ia passar o Natal.

- E a Clarinha também vem? - Perguntou o menino.

- Sim, claro, e podes brincar mais tempo com ela.

Pedrinho ficou muito feliz com a vinda da prima, que morava num país distante, e pensou que podia então pôr-lhe aquela pergunta, porque ela era mais velha, sabia muitas coisas e tinha mais tempo que os adultos.

Ao chegarem à sala da casa da avó, aproveitou para lembrar à mãe o carro de bombeiros que tinha pedido ao Pai Natal.

- Vamos ver, disse a mãe, se o Pai Natal e o presente cabem na chaminé.

Uns dias antes do Natal, chegou a Clarinha, que tinha escrito uma carta ao Pai Natal, sem esquecer de lhe agradecer o presente que esperava.

Nessa tarde, enquanto brincavam, Clarinha contou ao primo que gostava de ter pedido ao Pai Natal presentes para todos os meninos, mas o papel da carta não chegava para escrever tudo. Foi então que Pedrinho se lembrou da pergunta que tinha ficado sem resposta. E Clarinha disse com os olhinhos azuis a brilhar:

- Vamos então escrever outra carta ao Pai Natal para lhe pedir presentes para todos as crianças, porque eu também já sei que muitas não recebem nada. Eu escrevo e tu fazes os desenhos.

À noite, na véspera de Natal, Pedrinho e Clarinha puseram um banquinho para o Pai Natal descansar quando descesse da chaminé - que estava limpa e apagadinha. Numa mesa pequena mesmo ao lado, ficou um pratinho com bolachas, uma cenoura e um copo de leite.  Ah! E a carta de ambos, com letra redondinha e desenhos bonitos.

Ao acordar, os dois meninos, ainda em pijama, foram a correr ver os presentes e ficaram muito contentes. Para mais, o Pai Natal tinha levado a carta e comido o lanchinho, para recuperar forças.

E, para surpresa da Clarinha, a primeira coisa que Pedrinho fez foi pôr a sua cabecinha ruiva dentro da chaminé - que estava limpa e apagada, como já vos disse - vendo-o a olhar para cima até onde podia, com ar misterioso. Sorriu-lhe como menina mais velha e compreensiva de mistérios que também sentia.

A partir desse dia, quando  Pedrinho estava a brincar junto da lareira da avó, espreitava de vez em quando, sempre curioso. E pensava:  Mistério! Tanto mistério!

 

domingo, 15 de dezembro de 2024

Viagem até ao Natal



Esta história, quase toda real, foi publicada, este ano, 
no livro Lugares e Palavras de Natal, Editora Lugar da Palavra


Dezembro estava a correr, tal como novembro e outubro haviam corrido. Com vários outonos a interligar-se, surgiu uma viagem inesperada, a fazer o mais recatadamente possível, com duração prevista de três meses. Apesar de longa, aceitou-a de bom grado e foi dando os passos necessários para que os percursos fossem amenos, para ela e para quem com ela viajava.

Nos anos anteriores, e antes que chegasse dezembro, já costumava ter prontos os presentes para a família (mesmo havendo o divertido ‘amigo secreto’) e para amigos.  Há muito que deixara de gostar de ir às lojas em alturas do Natal. Se lá entrasse várias semanas antes das Festas, nem saberia o que escolher pela profusão de coisas nas prateleiras; se fosse quase nas vésperas, o frenesim de pessoas a vasculhar o que restava tirava-lhe a motivação. Fazendo ela própria os presentes, podia também ir ao encontro de quem os iria receber.

Contudo, neste Natal, tudo seria diferente pela viagem em curso. No entanto, as ideias para os presentes continuavam-lhe na cabeça, mas, feito, visto e palpável, permanecia apenas o início de uns trabalhos em tecido e em crochet, na cestinha, que se mantinha sossegada e onde se misturavam os novelos, as agulhas, a tesoura… Ah, e também lá estava o livro que andava a ler. Até a leitura não tinha avançado, como bem mostrava o marcador que parecia colado às mesmas páginas. E tal não acontecia por falta de tempo, mas por serem cansativos bastantes dias da viagem.

E pensava como eram bons os Natais na velha casa de A-Ver-O-Rio em que a família sempre se reunia. Como todos juntos eram numerosos, as panelas para a ceia tinham de ser grandes. Para a canja, para as batatas, para o bacalhau, para as hortaliças, para o molho de Natal - prevendo-se sempre o saboroso farrapo velho do dia seguinte.

Numa mesa ao canto da sala, as sobremesas exalavam o perfume consolador e natalício da canela, vindo de iguarias que cada um ia trazendo: rabanadas, aletria, bolinhos de abóbora, bolo-rei…

Mas era na cozinha que reinava a peça capital: o fogão a lenha, que o patriarca da casa antigamente mandou instalar para aquecer a alma e o coração da amada matriarca, cujos gostos gostava de satisfazer.

Como o fogão era aceso quase só pelo Natal, às vezes, parecia adormecido por alguma inabilidade ou falta de lenha ou por esta ter sido guardada ainda húmida; noutras ocasiões, parecia um dragão ardentemente enfurecido, fazendo saltar água a ferver pela boca das panelas…  Eram momentos de algum embaraço e aflição, mas que passavam a peripécia contada com graça, quando já estavam todos sentados para a ceia e as travessas a fumegar sobre a mesa farta, alegre e ruidosa. E ainda mais pela festiva vozearia das crianças, ansiosas pela brincadeira e pela abertura das prendas.

Fazia-lhe falta o Natal em família, apesar da trabalheira desses dias. Vivê-lo-ia, este ano, à distância daquele espaço familiar bonançoso, mas fechado por causa do frio, do vento e da chuva. Estaria próxima só em pensamento, porque não poderia interromper a viagem até ao desejado bom porto, que esperava encontrar logo a seguir ao Natal, para, em 2025, poder estar de novo à volta do fogão de lenha e à mesa com toda a família.

E, até lá, revigorada e com tempo, concluiria os presentes que tinha apenas começado. E terminaria a leitura do livro. E leria mais. E escreveria mais. E sorriria mais. E viveria mais.

Olhou o relógio. Estava na hora. Tomou banho, lavou o cabelo - que continuava forte, mas que se tornara mais fino - hidratou bem o corpo, vestiu o seu vestido preferido, pôs os brincos com a pedra a condizer, usou o perfume de que mais gostava, bebeu um copo de água, viu-se ao espelho e sorriu à imagem que via.

Estava próximo o final previsto da viagem, iniciada três meses antes. E saiu, com alegre e firme esperança, para o seu último tratamento.