domingo, 10 de março de 2024

Hoje há lugar para muitos encontros

 

A mesa de voto, onde hoje votei, fica num centro escolar. Bonito, airoso e com muitos trabalhos coloridos feitos pelas crianças. Como era cedo, ainda havia pouca gente. No passeio de acesso, cruzei-me com uma pessoa desconhecida que me disse bom dia. Bom sinal - pensei.

Já na mesa da entrada do local das votações, logo reconheci duas raparigas que conheço desde muito miúdas, mas que já não via há muito tempo. Uma delas colega de escola de uma das minhas filhas, a outra, colega de brincadeira de ambas. O tempo ainda não era de telemóveis nem de jogos eletrónicos e os medos não estavam tão presentes, por isso, a rua era lugar onde a grande maioria de crianças brincava.

Na sala onde votei, encontrei ex-alunas que logo me reconheceram. Fiquei contente e pensei: as rugas e os quilos a mais não me tornaram, pelo menos, irreconhecível. 

Depois da cruzinha no quadradinho que para mim foi o mais certo, saí e pelo corredor fora mais ex-alunos encontrei e também alguns vizinhos - pessoas que, morando perto ou longe, raramente vejo, porque cada um tem a sua vida.

As eleições também têm esta vantagem: vermo-nos uns aos outros e pensar que cada um tem o valor de ajudar a sustentar a democracia. Oxalá que assim continue. 

E gostei dos reencontros de hoje. E dos sorrisos. E das palavras simples e boas. E de sermos todos chamados. Logo à noite, veremos quem são os escolhidos.

 


sábado, 9 de março de 2024

As andorinhas


Hoje, num grupo do whatsapp, falámos de flores. Não das compradas, mas das que nascem pertinho de nós em vasos, canteiros ou no jardim. Algumas aparentemente espontâneas. E vieram à baila as andorinhas - a flor branca e pequenina, que tem nome de ave, e que agora se vê muito menos do que eu via na minha infância.


Peguei no telemóvel e fui fotografar uma andorinha que me tinha nascido num canteiro, sem eu a ter semeado, trazida talvez no bico de algum melro. Como floriu há bastantes dias e a chuva tem sido muita, lá vai murchando e envelhecendo, mas gostei de a ver aqui renascida, lembrando-me momentos puros da minha infância.

Não sou muito saudosa do passado, mas venham mais andorinhas, trazendo com elas a primavera. Falo das flores e também das aves.


sexta-feira, 8 de março de 2024

Hoje, dia 8 de Março, não faltam

 

 ...  flores para distribuir a mulheres.

Não faltam apelos gentis para que votem no partido que hoje se lembra delas. Como se sempre assim tivesse sido. Como se fosse para sempre.


Oxalá a homenagem e gentileza não durem apenas algumas horas como as flores oferecidas,

como os apelos que logo dão lugar a outros e outros para que tudo fique prometido

até às badaladas que fecham este dia.

 

Que não adormeça, pelo menos, algum perfume dos dias.



«Já sei ler e leio bem!»

 


Tenho ido com a Cristina Pinto a escolas do 1º ciclo, pertencentes ao mesmo agrupamento de Valbom, Gondomar, para falarmos do livro que escrevi e que a Cristina ilustrou.


Tem sido uma belíssima experiência, porque as crianças fazem perguntas, interessam-se, entusiasmam-se, dão a sua opinião, veem que as árvores que recortámos e pendurámos, como um bosque, são feitas de papel reutilizado, escutam a leitura de excertos da história com atenção, aderem à proposta de desenhar uma fadinha para juntar ao bosque, logo fazendo perguntas sobre o tamanho, sobre as cores, etc. E, como já tem acontecido noutras escolas, antes do desenho, lá vem a pergunta engraçada de algum menino: posso desenhar um fado em vez de fada?

São espontâneos. Ontem, um menino de óculos de duas cores bem vivas disse-nos com alegre convicção: ando no primeiro ano e já sei ler muito bem. 

E era verdade, mesmo. Enquanto alguns meninos apreciavam a árvore das fadas e da amizade, feita pela Cristina Pinto, a professora sentou-se numa cadeira e o menino bom leitor sentou-se-lhe no colo e leu um pequeno excerto do livro para quem o quis ouvir. O menino estava feliz e a professora também.

É muito bonito ver a ligação afetuosa dos meninos às professoras. E também para nós  - autoras do livro - houve muitos abracinhos. 

Continuamos na próxima semana.  Vai continuar a ser bom, com certeza. Oxalá que também  para as crianças.


quinta-feira, 7 de março de 2024

Apetecia-me fazer como a avestruz, mas ...

 

Como já tenho dito, vi quase todos os debates com os candidatos e candidatas às legislativas e bastantes debates que se seguiam aos referidos debates, embora,  desde o início, já soubesse em quem ia votar. 

Sei que, com tanta sondagem feita, o meu telefone nunca tocou para me perguntarem em quem vou votar ou se faço parte daquele grande grupo dos indecisos que poderão alterar, ou não, todas as previsões. Também não conheço ninguém que tenha sido contactado, mas também é natural porque o espaço em que me movo não é muito alargado. E não faço parte de bolhas (palavra agora muito na moda) mais contactáveis e sondadas.

Confesso que já sinto algum cansaço da campanha eleitoral, que foi muito longa. De promessas que, mesmo os leigos em macrocontas, como eu, que fazem arregalar os olhos de espanto. Como é possível prometer tal coisa? Onde está o respeito pela inteligência do povo?

E a campanha também se foi fazendo nas televisões, mesmo sem os protagonistas. E de que maneira. Basta ver painéis diários formados, na sua grande maioria, por pessoas afetas ao partido do dono da televisão, a ditar o seu sobe e desce e a ter mais olhos para os candidatos da sua cor política.

Por isso, às vezes, digo para mim própria: vou deixar de ver. Tenho tanta coisa para fazer, tantos livros bons para ler, algumas histórias que quero escrever, mas, nem sempre resisto e lá vou eu ver as sondagens, reportagens, etc.

Amanhã, termina a campanha, julgo que ao bater das doze badaladas, quando o sol se tiver posto há muito. No domingo, ver-se-á quem contou melhor a história. Oxalá que todos a possam ler, sem perder a esperança que ainda nos resta.

 

terça-feira, 5 de março de 2024

"Uma gota no meio do oceano"

 

Gosto quase sempre dos textos que Eunice Lourenço escreve no Expresso, assim como costumo concordar com as suas opiniões em debates na SIC.

Hoje, o Expresso na Estrada começa com o excerto que transcrevo. Mais uma vez concordo com a jornalista. Inteiramente.

 

O voto é sempre útil, mesmo quando parece desperdiçado

EXCLUSIVO ASSINANTES | 05 março 2024

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«“O que eu faço é uma gota no meio de um oceano. Mas sem ela, o oceano será menor” - a frase é da Madre Teresa de Calcutá. E, salvo as devidas distâncias, pode ser aplicada a cada voto: “O meu voto é uma gota no meio do oceano, Mas, sem ele, a democracia será menor.” Não é só o resultado do partido A ou B que será menor, é a democracia. Sempre votei. Ainda sou do tempo em que nos íamos recensear à Junta de Freguesia e lembro-me bem da importância que senti no momento. Sempre votei, mesmo quando não consegui escolher e decidi votar em branco. Haverá voto mais inútil do que um voto em branco?» 

 

Em diálogo numa biblioteca

 


Ontem, numa escola primária (um dia destes, mostro mais fotos do evento de que gostei tanto):

- Tenho uma neta da vossa idade.

- Tem oito anos?

- Sim, e vive em Londres.

- Oh! E ela fala português ou londrês?


domingo, 3 de março de 2024

'Passos e braços' de Clementina de Sousa

 

Ontem à tarde, na bonita e luminosa Biblioteca Municipal de Gondomar, Clementina de Sousa apresentou o livro


O desenho da capa é da sua neta Mafalda.

Somos amigas há muitos muitos anos e conheço bem o seu amor pelas palavras ditas e escritas. E também o conhecem a família, os amigos e os que com ela trabalham ou trabalharam. Para além de escritora, é uma boa comunicadora. Que o digam também os ex-alunos a quem contava histórias. Uma delas era a Branca-Flor, que há uns anos reescreveu e publicou.

Professora aposentada, tem dedicado agora mais tempo à escrita, à leitura, etc.

Manuel Maria - professor também durante longos anos e autor de vários livros - fez a apresentação: uma bela análise e bela aula de Literatura (texto que generosamente já partilhou) à volta do novo livro da Clementina, agora publicado e que considerou uma novela.

O editor - Lugar da Palavra - na sua intervenção, comparou a escrita profunda da autora a Virgílio Ferreira. Merecido elogio.

A autora, na sua intervenção, referiu palavras/questões partilhadas - citadas por Lídia Jorge e vindas do poeta Ramos Rosa - nas Correntes d'Escritas, que decorreram há dias na Póvoa de Varzim: 'Se tanta gente escreve, para que devo escrever também?' E a resposta surgiu inspiradora: 'Mas faltam os meus passos e os meus braços'. 

Este livro - que refere vidas diferentes, nomeadamente de dois irmãos - apresentado numa tarde de chuva mas de muito calor humano, motivará, com certeza, outras leituras e escritas. 

Que não parem 'passos e braços' para expandirem a maravilha da criação e comunicação.

 







sábado, 2 de março de 2024

E se as televisões começassem a falar de um pequeno partido que quase ninguém conhece?

 

Julgo não estar enganada ter ouvido o comentador da SIC José Miguel Júdice, na passada terça-feira, a louvar a prática de países, também considerados democráticos, que defendem o seu próprio candidato às eleições.  Discordo completamente, na minha modestíssima opinião.  No entanto, se estivermos atentos, vemos facilmente a tendência de certos canais no meio tão poderoso como é a televisão. E nem é preciso explicitá-la, basta ver como são constituídos os painéis de opinião - com a grande maioria de jornalistas e comentadores ligados, de uma forma ou de outra, a um determinado partido político. 

Ainda tenho a visão - talvez ingénua nos tempos que correm - que as televisões devem tentar ser imparciais, chamando  comentadores com diferentes visões e pareceres para que cada um forme a sua opinião. Sabemos que muitos jovens nem sequer ouvem ou veem a televisão, mas, para a grande maioria das pessoas, ainda continua a ser o meio de comunicação privilegiado e que exerce uma grande influência.

E pergunto agora:  E se as televisões começassem a falar de um pequeno partido que quase ninguém conhece? Acompanhando-o. Mostrando imagens. Falando dele. Repetindo o que disse, o que não disse, o que podia ter dito. Iniciando o telejornal com notícias sobre ele. Prolongando ou repetindo um pequeno acontecimento, etc.

Desculpem se é parvoíce, mas não duvido que, se assim fosse, esse pequeno partido que ninguém conhece subiria nas sondagens.

De facto, há canais de televisão portuguesa que exercem o seu poder de fazerem crescer votações de candidatos, embora não o digam explicitamente. Ainda. 

 

sexta-feira, 1 de março de 2024

Hoje está bom para estar em casa e ler e escrever...

 

Bom dia!

Está a chover, embora os pingos da chuva se vejam mais nas folhas das árvores onde caem do que a tombar das nuvens. O vento sopra, mas perdeu a força de ontem. Se calhar, o vento também se cansa. Como nós.

E os dias vão sendo do nós e eles na campanha eleitoral. Seja qual for a cor, a tendência, o programa, a visão do mundo, todos os partidos usam esses pronomes. No nós, está o bem; no eles, está o mal. E disso dão conta os comentadores que, com mais ou menos subjetividade, avaliam quem anda nas arruadas, nos comícios, nos mercados, nos cafés, etc.

E, a propósito do partido mais ruidoso, andei zangada com o Expresso Curto que recebo todos os dias online e que, há uns tempos, começava muitas vezes com notícias do Chega em letras bem gordas. Vi uma vez, vi outra vez, e mais alguma vez ainda, começou a irritar-me e mandei um mail pedindo que me retirassem da lista dos envios, uma vez que não estava interessada em ver logo à cabeça do jornal coisas que até fazem mal à cabeça. E sugeri que não levassem tanto ao colo esse partido, porque poderia tornar-se demasiado pesado. Responderam-me, muito delicadamente, que teria de dirigir o pedido a outra secção. Não encontrei o endereço certo e continuo a receber o expresso curto diário. Não tenho visto, porém, esse partido logo no título das primeiras notícias. Não foi por mim, de certeza, mas pode ter havido outras pessoas que também o tenham feito. Oxalá.

A manhã continua cinzenta, colorindo-se com as camélias que vejo da janela. Hoje está um bom dia para estar em casa e ler e escrever. 'Para quem pode' - pensar-se-á. E com razão.

 

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Tenho de trabalhar!

 

Ela tinha três filhos. Três rapazes. Lindos e saudáveis. Foram crescendo, estudaram, saíram de casa  e fizeram-se à vida. Eram o orgulho da mãe. 

O tempo foi passando, eles tornaram-se homens, ela foi envelhecendo, mas sem percalços de maior, e fazendo coisas de que gostava, sempre incluindo os filhos - do que precisavam, do que gostavam, no que poderia ajudar, etc.

Sendo de uma geração em que os mimos não abundavam, ela foi compreendendo e aceitando o seu lado lunar, embora tivesse provas de que o lado solar também nela existia. 

Sempre que havia disponibilidade, ela gostava de contar aos filhos o que se ia passando com ela. Por coincidência ou por natureza, os três filhos, embora tivessem cada vez menos tempo, achavam graça às coisas que tinham graça ou que ela dizia com graça. Mas, como a graça raramente vem só, às vezes, o lado lunar da mãe era lembrado ou metia-se na conversa. E, também por coincidência ou natureza, nesses momentos, cada um dos três filhos dizia: Mãe, tenho de trabalhar! 

 


 

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

O cabide

 

Havia uma homem que vivia numa aldeia. Trabalhava de manhã à noite e raramente sorria. Só quando recebia visitas em casa, mas isso era raro. Nesses dias em que vinha algum amigo jogar cartas - quase sempre ao sábado à noite -, parecia um homem diferente: falava, ria, tinha sentido de humor e a casa ficava mais alegre. Os filhos olhavam para ele e, como ainda eram crianças, acreditavam que o pai se tinha transformado e também para eles sorriria.

Porém, quando as pessoas iam embora, voltava a ficar muito sério, as palavras esgotavam-se e todos ficavam mais sós.

Passavam os dias e o homem continuava a trabalhar, a trabalhar, mas sempre de rosto fechado e assim era em casa.

Nos domingos em que havia festa na aldeia, a família vestia a roupa melhor e ia até lá. Enquanto se dirigiam à festa, onde se encontravam com pessoas conhecidas e comiam doces - todos pareciam contentes.

Só que os filhos já tinham aprendido uma coisa: quando regressassem a casa, as palavras do pai ficariam penduradas no cabide do casaco domingueiro. E, por isso, já na festa entristeciam.


 

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Dizem que não há domingo sem sol, mas há sem programa!

 

Que o poeta Fernando Pessoa me perdoe, mas ocorre-me parafraseá-lo: Ai que prazer ter um domingo para viver e sem nada marcado para fazer!

Não sei se é preguiça, algum cansaço acumulado, a idade que não perdoa, etc, mas gosto muito dos domingos em que posso gerir o meu tempo, quase sempre ficando em casa e fazendo o que quero e o que o momento me vai pedindo.

Teria bastante dificuldade em sair de casa de manhã todos os dias para o trabalho, chegar à noite e não parar um pouco, pelo menos, no fim de semana, embora saiba que não temos de ser todos iguais nem gostar das mesmas coisas. Deus me livre. Porém, para mim, trabalhar fora as horas normais e continuar a trabalhar em casa ao fim do dia pode ser muito duro. E a dureza aumenta se houver indiferença, desamor ou não reconhecimento.

No tempo em que as minhas filhas eram pequenas, poucos homens faziam trabalhos de casa e o que era feito pela maioria era encarado como ajuda, quase favor e não obrigação, ainda que as mulheres também trabalhassem fora.  Muitas zangas e momentos infelizes esta prática provocou. Felizmente, as coisas vão mudando. Para melhor, neste caso.

E, neste domingo por minha conta sem ter de pensar até no que vou fazer para o almoço, tenho a portada da janela aberta e vejo algumas camélias que caem empurradas pelo vento. Muitas outras mantêm-se nas suas hastes, ainda que frágeis.

De vez em quando, o vento sopra mais forte. Oh, fechou até uma portada e a luz natural da sala diminuiu. Porém, como estamos a meio do dia, pode ainda vir sol. Espero é que o meu domingo continue sem programa.

Bom domingo para todos!

 

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Pequenos diálogos improváveis ou, se calhar, não!

 

1. O melhor será ir pela positiva

- Meu amor, come, não deites fora a comida. Estás a ficar todo sujo. 

- Eu não quero comer.

- Assim a avó fica triste.

- T(r)iste, não, avó, (f)eliz! 


2. O telemóvel com rede

- Mãe, quando posso ter telemóvel com net?

- Ainda não precisas, querida. Tens net no teu ipad para usares em casa.

- Não é a mesma coisa, mamã. 

- Para além de não precisares, o telemóvel com net pode trazer muitos perigos às crianças. Podemos até falar sobre isso.

- Eu sei, mamã, e já me estou preparar para esta conversa há anos!



sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Já sei em quem vou votar, mas...

 

Tenho visto quase todos os debates para as eleições de 10 de março. Já me têm dito que é preciso ter paciência para tal. Sim, tenho tido. No entanto, há coisas que oiço com as quais concordo, outras com que discordo completamente, outras que não entendo sequer, como as contas que são apresentadas devagar ou a correr ou então sugeridas ou escondidas. O que detesto mesmo são as interrupções que sobretudo o candidato mais estridente põe em prática constantemente. O que faço, nestes casos, é mudar de canal ou fazer outra coisa. Penso: não tenho de aturar isto.

E, logo a seguir aos debates, e sempre que posso, oiço os comentadores que opinam sobre o que foi dito pelos candidatos ou que não foi dito e devia ter sido dito ou que não disseram porque não podiam dizer, etc. Sendo eu uma comum dos mortais, às vezes concordo com o que dizem, outras vezes irrito-me e mudo de canal, porque há comentadores que mostram demasiado a tendência política que é a sua e quase já se adivinha o que vão dizer.

Logo à noite, lá estarei, acho eu, no sofá, com o crochet em mãos, a ver o debate com os candidatos com assento parlamentar, seguido dos múltiplos debates. Só espero é que a gritaria não supere a expressão das ideias.

Seja como for, ainda que bastantes vezes insatisfeita com o partido em que conto votar, para mim, é o que me parece ser mais útil para o país e que, sobretudo, reúne pessoas com quem mais me identifico. Essa poderá continuar a ser a razão da minha escolha de há uns anos a esta parte.

Peço desculpa a quem chegou até aqui e que deve estar a pensar: então, e qual é o partido? Talvez tenham razão, porque, se me meti nelas...

O que não deixo de dizer é que quero votar, como tenho feito desde o 25 de Abril. Julgo que só uma vez não votei. Enquanto puder, manifesto-me pondo a cruzinha onde julgo que é melhor, esperando que a cruz que o país e o mundo vão carregando possa diminuir.


sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Dois momentos da manhã de hoje

 

1. Atualmente, um dos meus prazeres é ouvir um podcast de que goste, enquanto me desloco de carro. Ainda hoje de manhã isso me aconteceu, na viagem até à 'minha' cidade com o mar ao fundo - Espinho.

Como não ia com pressa, ia sendo ultrapassada por outros carros, camionetas e camiões, embora tenha o cuidado de não estorvar quem não quer ou não pode perder tempo enquanto conduz.

E ia pensando que a vida com pequenos prazeres tem muito mais piada. É um direito tão importante como qualquer dever.

 

2. Na mesma manhã, soube de uma jovem mãe que anda à procura de casa porque teria de sair da atual à qual o senhorio destinara novas funções.  Procurou e, finalmente, encontrou uma casa cuja renda não excedia as suas posses. A família alegrou-se. O senhorio deu-lhe a chave. Ela fez uma limpeza ao apartamento e foi lá pondo alguns dos seus pertences. Estava feliz.

Chegou o dia combinado para a assinatura do contrato. Finalmente, poderia trazer o resto das coisas e a família ter mais descanso.

Logo de manhã, a jovem recebeu um telefonema apressado do novo senhorio. Tinha mudado de ideias. A reunião ficava sem efeito.


 

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Dê-me aí o dinheirinho, devagar, devagarinho...

 

Há mais de vinte dias, perante o espanto do comum dos mortais, que seguiam as imagens e ouviam as notícias, houve aviões da Força Aérea que levaram várias dezenas de inspetores da PJ à Madeira investigar casos de corrupção. A intervenção do Ministério Público era justificada pelos fortes indícios. Houve três detidos, um dos quais o presidente da Câmara do Funchal.

Durante a investigação e nos dias que se seguiram, as televisões da Madeira e do continente transmitiam imagens sem fim. Mostravam, explicavam, referiam branqueamento de capitais, tráfico de influências, recebimento de dinheiros não justificados, etc, etc. de que os detidos eram acusados.

Os casos deviam ser muito graves - a montanha não podia parir um rato - houve demissões e longas audições, já em Lisboa, que demoraram dias e dias.

Os casos de corrupção divulgados eram muitos e eram graves. O Ministério Público pedia a prisão preventiva dos três arguidos. Perante as notícias, era o mais certo, pensava a grande maioria.

O mesmo não deviam pensar os advogados, pagos a peso de diamante, habituados a dissecar as acusações e as leis e a mostrar, airosamente, que, de facto, só os seus  clientes têm razão.

Hoje, ainda sem a decisão se há ou não eleições na Madeira, depois de muitos dias e noites, passado o Carnaval, o juiz decidiu que as portas se abrissem e os três detidos saíssem em liberdade. Para ele, nada havia a declarar contra os arguidos. Tudo explicaram, tudo justificaram. Estava tudo clarinho.

Nem sei se até acrescentou: desculpem qualquer coisinha!

Tudo isto é estranho. Muito estranho. Inquietante até. 

Pronto, o juiz decide, está decidido, mas o povo, no qual me incluo, ficou ainda mais confuso e nada, mesmo nada, convencido.

 

Quarta-feira de cinzas e Dia dos Namorados

Bom dia!

Comecemos pela Quarta-feira de Cinzas. Já aqui tenho dito que a minha mãe era muito religiosa. Tinha até desgosto de os filhos não serem praticantes como ela achava que deviam ser. Vem isto a propósito do dia de hoje que dá início à Quaresma. Quando eu era muito nova, ia sozinha ou com a minha mãe à missa logo de manhã, neste dia. Recordo que sentir a imposição da cinza na testa e ouvir as palavras 'Lembra-te que em pó te hás de tornar' faziam-me uma certa impressão e não alegravam o meu dia. Ainda faltava muito para eu compreender o alcance da mensagem.

Talvez o ritual se cumpra ainda, embora muitas igrejas estejam mais vazias em qualquer dia do ano e da semana. No entanto, quando vejo uma igreja aberta e tenho tempo, entro por uns minutos. Gosto daquele silêncio. Nesses momentos, não sei se penso no 'pó em que me hei de tornar', mas no que posso fazer - ainda que pouco - enquanto isso não acontece.

E hoje, por contraste, também é dia dos namorados. 

Um dia destes, ouvi alguém dizer: Enquanto namorava, nunca houve este dia e tenho pena. Referia-se ao tempo antes de casar. E logo ouviu uma resposta-sugestão: então, conta esses anos e festeja-os agora. És nova e ainda tens tempo. Houve sorrisos animados que também são uma forma de amor.

E, já que comecei com uma recordação, sobre o namoro também as há. Como o namoro que começava ou acabava no dia da festa anual da terra. Era engraçado ver as raparigas em grupo, com as suas roupas novas e sorrisos de meninas-mulheres, com os primeiros saltos altos e meias de vidro, a passar por grupos de rapazes que, sem o dizer, também se tinham esmerado na fatiota. Todas e todos com ar namoradeiro, ainda que tímido.

Agora é tudo diferente. E, em muitos casos, para melhor, acho eu, apesar de todas as balbúrdias e desamores atuais.

E viva o Amor, e quem o vive, também através de tantas coisas belas que fazem e partilham, embora a vida mostre que quase nada é eterno.

 

 

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

É Carnaval e fui lembrar-me do Natal!

 

Embora o Natal já tenha sido há muito tempo, partilho hoje um texto que escrevi e foi publicado na coletânea Lugares e Palavras de Natal, da Editora Lugar da Palavra. Dei-lhe o título 'O brinde'. Já agora, um brinde para todos. E bom Carnaval.



 

O brinde

 

Quando leu  'Com Amor, Feliz Natal’, sorriu e fechou devagar a porta larga com a chave antiga e pesada. Dando passos ligeiros através do alpendre, voltou à cozinha, onde as irmãs a esperavam para a ceia de Natal.

 

Era a primeira consoada sem a mãe, que partira quando janeiro escurecia e gelava os ramos despidos das árvores. A custo, as três irmãs foram preenchendo os vazios deixados pela mãe. Tinham saudades, até das suas lamentações constantes: as pernas doíam, a cabeça pesava, o receio de perder o juízo aumentava...

Em resposta a este lamento constante, as filhas diziam-lhe, com alguma graça e paciência:

- Mãe, se não perdeu o juízo até agora, não é agora que o vai perder!

Tudo fizeram para que a mãe vivesse bem e feliz. E foi longa a sua vida.

 

 Vista de fora, a vida das três irmãs continuava harmoniosa, apesar do visível envelhecimento que, devagarinho e sem tréguas, a todos vai dando rugas e retirando forças. Contudo, a esperança de viver com alegria não abandonava sobretudo Lucília:  que ficara viúva muito nova. Com a morte do marido e sem filhos, regressara à velha casa por insistência da mãe e das irmãs. Inicialmente, seria por pouco tempo, depois, o limite estendeu-se à reforma, mas, como as raízes a prendiam à família e à casa materna, foi-se juntando à cepa que se divide apenas por morte de alguma das partes.

À mesa, conversavam e algumas vezes sorriam. Porém, se os assuntos iam para além dos banais, do relato comentado de vidas conhecidas, das precisões da casa, das necessidades da saúde, o diálogo cessava porque a diferença de opiniões era obstáculo e acabava sempre em azedume ou silêncio com sabor a amuo. Sobretudo por parte de Teresa. Embora as três irmãs amassem a luz dos dias, pairava na casa um mal antigo de família: a solidão. Cada uma sentia-a à sua maneira, mas só falavam do assunto quando os ânimos aqueciam e as palavras saíam afiadas.

 

Eram estes os nomes das três irmãs que viviam na velha casa: Teresa, Lucília e Andresa.

Teresa, a mais velha, era fria e impaciente. Em momentos de tomar decisões, dizia, em tom amargo, que não valia a pena pronunciar-se porque ninguém lhe dava ouvidos nem importância. Em nova, tinha tido uma paixão não correspondida por um colega de trabalho, que lhe deixou desamor para toda a vida.

Andresa, a mais nova, falava baixinho, rezava em voz alta, queixava-se muito da cabeça e erguia com muita frequência os olhos para o céu. Era solteira, tal com a irmã mais velha, e nunca ninguém lhe conheceu qualquer enamoramento. A existir, seria com certeza por santos da sua devoção, cuja vida conhecia ao pormenor.

Lucília, viúva e irmã do meio, era a mais alegre e comunicativa. Porém, muitas vezes, a solidão destapava-lhe as lágrimas, ainda que só lhes desse liberdade quando estava sozinha. Calava saudades, desejos e vontades, que sabia não terem bom acolhimento familiar. O grande - apesar de demasiado breve - amor partilhado com o marido havia sido o maior consolo que a vida lhe oferecera.  

Na infância e juventude, sempre vira os familiares apressados e impacientes. As prementes tarefas não davam lugar a afagos, beijos ou abraços. Chegava a pensar que era invisível.

Assim, ao longo da sua vida, pouco tempo tivera para trocar palavras airosas que procurava nos romances, ainda que, na velha casa, fossem considerados para ociosos sem deveres nem obrigações.

 Não prescindia, contudo, do mundo que cada livro lhe abria.

 

O tempo passava e o Natal estava próximo. Era preciso arranjar os vasos, os canteiros, o alpendre para que tudo se aprimorasse antes do nascimento de Jesus.

 Na ceia, este ano sem a mãe, só as três irmãs estariam à mesa, mas viriam visitá-las as pessoas do costume com as prendinhas também do costume, para agradecer qualquer  ajuda ou gentileza ou para a visita familiar anual.

Teresa quase desesperava pela rotina que adivinhava interrompida. Não gostava do  vaivém da época natalícia. O toque mais frequente da campainha da porta irritava-a e interrompia os afazeres que para ela tinham horas certas.

Não têm noção - dizia e repetia, cerrando os lábios finos e secos.

Na véspera de Natal, para evitar enervamentos de Teresa, Lucília pôs logo de manhã a bandeja,  com o paninho de linho bordado a azul, na mesa da cozinha, foi ao armário da sala buscar os copos fininhos e juntou-os à garrafa de vinho do Porto, para oferecer às visitas. Ao lado, colocou chocolatinhos e biscoitos. E que as pessoas venham, pensava. Com calma e alegria, ainda que soubesse que a demora ou as vozes alegres e estridentes exasperavam Teresa e traziam dores de cabeça a Andresa.

Ao longo do dia, também acautelando impaciências da irmã, Andresa ia arranjando tudo na cozinha para que não houvesse desarrumações nem migalhas na mesa ou no chão, o que tornaria o ambiente cinzento, como o tempo que fazia lá fora.

- Assim, fica melhor - dizia Andresa. E acrescentava, apaziguadora:

- Gosto tanto destes copinhos verdes do enxoval da nossa mãe.

À tardinha  - expressão que sempre usavam para referir o cair do dia -, com a lareira acesa e a panela de ferro cheia de água a ferver, iam fazendo os últimos preparativos para a ceia e para que tudo estivesse no lugar certo quando se sentassem à mesa de consoada. Até um carneirinho do presépio tinha sido ajustado ao musgo  para que não voltasse a cair.

Quando tudo estava pronto, a campainha tocou. Teresa suspirou, dizendo, de mau humor, que as pessoas não têm noção nem horas para nada; Andresa disse precisar de um melhoral - nome que sempre davam ao ben-u-ron - e Lucília foi, lesta, abrir a porta.  Voltou sorridente à cozinha, com uma das mãos a aconchegar um dos bolsos. Perguntaram quem era. Disse que  era um dos novos vizinhos a desejar bom Natal.

As pessoas não têm noção nem horas para nada, repetiu Teresa, e começaram a servir-se, antes que a fumegante travessa cavalinho, com as batatas,  bacalhau e tenras hortaliças arrefecesse.

 

No final da ceia, Lucília, com sorriso aberto, sugeriu que fizessem um brinde. Não disse a razão nem nenhuma das irmãs perguntou.

A lareira crepitava, com chamas rubras renascidas.

No bolso de Lucília, continuava o amoroso postal recebido à porta, que abriu e fechou com a chave antiga e pesada. E que há muito não lhe parecia tão leve.