Quando eu era muito nova, os dias da semana eram cheios de trabalho. O meu pai trabalhava arduamente na oficina ao lado da nossa casa e a minha mãe ajudava-o no que podia ser feito dentro de casa. A vida doméstica era gerida por ela e levada a cabo, em grande parte, por mim e pela minha irmã.
Chegado o fim de semana, o afã semanal diminuía e, ao sábado à noite, ouvíamos o Serão para Trabalhadores. Julgo que era este o nome do programa de rádio da então Emissora Nacional. O meu pai era o mais entusiasta quando ouvia as canções que lhe tocavam o coração. Tornava-se um ser mais leve e feliz do que o trabalhador frenético dos dias da semana. O aparelho que tínhamos era Nordmend, se não me engano, e julgo que ainda existe. Vejo agora que era um bonito exemplar, como são muitos rádios antigos.
Entretanto, chegou a televisão. Podia-se, magicamente, ver a imagem e não apenas ouvir o som da rádio. Não se falava de outra coisa, mas poucos a traziam para casa. Nós só a tivemos mais tarde. Era um luxo e a vida não estava para luxos. Julgo que o meu pai gostaria de ver os artistas que apenas ouvíamos na rádio e que tanto lhe alegravam e amenizavam a expressão. Também a minha mãe gostaria de a ter para ver as cerimónias de Fátima no 13 de Maio. Eu e os meus irmãos também, mas a vontade dos mais novos ainda não tinha entrado no calendário.
Pois bem, muito se falava do Bonanza, da família desta série, das aventuras, dos saloons, do Joe, das diferenças entre os irmãos… Então, também queríamos ver. E, andando talvez um quilómetro, lá íamos nós ao sábado à noite com o meu pai ao café Paris ver o Bonanza. Chegávamos mais cedo, sentávamo-nos à mesa e esperávamos pelo episódio, como se fosse um filme premiado com muitos óscares. Ou o momento imperdível da semana para atenuar a dureza dos dias de trabalho.
Quando a música do genérico se fazia ouvir, tudo o resto se calava. Durante o filme, os olhares estavam todos postos no écran e as reações ao desenrolar da história eram emotivas e ruidosas como num jogo de futebol. Eu e a minha irmã mais presas ao televisor ficávamos quando aparecia o belo e simpático Joe. Quando o episódio terminava, regressávamos a casa, talvez a pensar já no sábado seguinte.
Passado algum tempo, os meus pais compraram um televisor. Podíamos, finalmente, ver o Bonanza em casa e também teatro e programas de variedades com o Jorge Alves, etc. Tudo tantas vezes entrecortado por um chafariz a atirar água em tempo interminável, com a legenda ‘O programa segue dentro de momentos’. E como era canal único, ficávamos à espera, mas bem diferente de quando aguardávamos mais um episódio do Bonanza no café Paris.
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