domingo, 1 de janeiro de 2023

Um belo presente

 

Há dias, recebi um presente. Um belo presente. Um presente diferente. De uma querida amiga. Um poema para cada uma de um pequeno grupo de amigas. O meu foi este que agora partilho. Ela lá sabe por que o escolheu. Obrigada, Idalina.

(Bea, um bom motivo de gratidão, pegando nas suas palavras do seu blogue Erva Príncipe)


LÍNGUAS

 

Contenho vocação pra não saber línguas cultas.

Sou capaz de entender as abelhas do que o alemão.

Eu domino os instintos primitivos.

 

A única língua que estudei com força foi a portuguesa.

Estudei-a com força para poder errá-la ao dente.

 

A língua dos índios Guatós é múrmura: é como se ao

dentro de suas palavras corresse um rio entre pedras.

 

A língua dos Guaranis é gárrula: para eles é muito

mais importante o rumor das palavras do que o sentido

que elas tenham.

Usam trinados até na dor.

 

Na língua dos Guanás há sempre uma sombra do

charco em que vivem.

Mas é língua matinal.

Há nos seus termos réstias de um sol infantil.

 

Entendo ainda o idioma inconversável das pedras.

É aquele idioma que melhor abrange o silêncio das

palavras.

 

Sei também a linguagem dos pássaros – é só cantar.

 

                                          Barros, Manoel de, Poesia Completa, 2016, Relógio d´Água, p. 363


12 comentários:

  1. Poema lindíssimo que me fascinou ler
    Feliz ano novo.

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    1. Também gostei muito. Obrigada.
      Também lhe desejo um Ótimo Ano Novo.

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  2. Um bonito poema que não conhecia.
    Abraço, saúde e um feliz Ano 2023

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    1. Vale a pena ler este poeta brasileiro, que nasceu em 1916 e faleceu em 2014.
      Outro abraço e desejo também um Ano Novo muito Feliz.

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  3. Gostei muito do poema pelas imagens que evoca. Feliz 2023 Dolores e um grande beijinho

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    1. Conheço (ainda) poucos poemas de Manoel de Barros, que parece arrancar poesia a partir de tudo o que o rodeia. Outro beijinho, Gábi, e Feliz Ano Novo.

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  4. A sua amiga pensou em si e no que de si conhece para escolher o poema. Atitude original, gesto bonito, a Maria Dolores ficou grata. Mas sempre lhe vou dizendo que prefiro - de longe - as palavras mal amanhadas e sinceras ao verso de poema feito pelo melhor poeta. O poeta escreveu sem me pensar; a minha amiga escreve para mim. E com isso me faz única (não é o que todos queremos?).
    Mas a verdade do poema mantém-se - há, nos idiomas e dialectos, muito do povo que os criou. Como é visível na análise expressa

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    1. Olá, Bea, que, mais uma vez, vê o outro lado das coisas. E fica-se a pensar. E também se valorizam outras dimensões que podiam ficar mais obscurecidas porque ninguém as validou.
      Mas, Bea, pensando bem, quem escolhe um poema para alguém pensa nesse alguém e é como se lhe escrevesse, mesmo sendo intermediário.
      Gostei da frase 'com isso me faz única'. Sim, também acho ´que é o que todos desejamos. Oxalá 2023 traga bocadinhos dessa boa possibilidade.

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  5. Uma grande escolha poética.
    Não conhecia, obrigado pela partilha.
    Boa semana e um feliz ano de 2023, amiga Maria Dolores.
    Um beijo.

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    1. Sim, uma grande escolha. Essa minha amiga encontrou um poema que tivesse a ver com cada elemento de um grupo. Maravilhoso.
      Feliz 2023, amigo Jaime
      Abraço

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