domingo, 3 de maio de 2020

A casa de minha mãe


A casa de minha mãe tem muitas rosas, violetas e muitas mais flores a que me habituei, embora não  conheça todos os nomes.
Os vasos de hortelã e de manjericão cheiram a canja de festas de antigamente Ou à terra perfumada depois da chuva. Os goivos têm cores de domingo de Ramos.
A velha capoeira alberga galinhas a cacarejar e a querer escapar-se para se espolinharem na terra e petiscarem insetos e ervas. E muitas vezes de lá irrompe um vigoroso cantar de galo a acordar as manhãs.
As coisas velhas amontoam-se aqui e ali à espera de nova utilidade porque 'guarda o que não presta e terás o que te é preciso'.
E multiplicam-se as sacas com novelos de linhas e lãs, perto da velha máquina Singer que continua a coser bem, mas onde o bicho da madeira vai deixando picadas marcas.
Alguns versos fervorosos de minha mãe estão pendurados em paredes. Os pequenos e devotos jornais são guardados em cestos e gavetas porque as mensagens devem ser duradoiras de tão belas.
A aletria da casa de minha mãe é doce e única, em travessas ou pratinhos enfeitados com canela. Incomparável é também o guisado de carne com batatas de sabor apurado a cominhos. Os rolinhos de batata recheados de bacalhau não se comem em mais lado nenhum. E o arroz de polvo faz crescer água na boca pela lenta e refogada cozedura.
Os livros de Camilo, tão amados pelo meu pai, estão sempre presentes, ainda que lá já não estejam.
Na casa, está uma boa parte da vida dos meus pais, minha e dos meus irmãos. Não só pelas fotos mas pelo tempo que lá vivemos todos.
A casa de minha mãe tem flores cujo nome desconheço.
Mas basta-me dizer que são as flores da  casa da minha mãe.

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