sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

O perfume

A casa tinha pó e a roupa das camas precisava de ser mudada. 
A empregada tinha chegado à idade da reforma e estava cansada e queria acompanhar mais o marido que sozinho entristecia com os dias tristes de inverno e queria ter mais mais tempo para si e não queria ter de cumprir tantos horários...
Mas tinha pena e se a senhora precisar, já sabe, venho de vez em quando, mas não todas as semanas e, muito menos, vários dias seguidos.
Sim, claro, não esquecia que sempre foram seus amigos e que a respeitavam, mas o trabalho era muito, porque a casa tinha quintal e jardim e uma cadela que espalhava o pelo por onde passava e sobretudo onde dormia.
Pressentia que a casa tinha pó e que a roupa das camas precisava de ser mudada, mas a decisão tinha sido partilhada e aceite.
Até sugeriu uma pessoa para a substituir. Muito séria. Nunca faltava. Muito trabalhadeira. E com menos idade e mais força.
Agora, tinha direito a descansar, a fazer mais longas caminhadas durante o dia e não apenas à noite, a ler alguns livros que lhe foram oferecidos.
Tinha saudades sobretudo da juventude, do vigor antigo, das pernas sem doer, mesmo que subisse ou descesse as escadas vezes sem fim, e da família que tinha visto crescer e da casa que aumentara e das pessoas que partiram... 
Hoje era o dia da primeira visita depois do adeus à casa onde tinha trabalhado várias décadas.
Tocou à campainha, trocou beijinhos, sentou-se no sofá como visita que era e já não a empregada que não queria deixar as coisas por fazer.
Com ela, raramente a casa tinha pó ou a roupa das camas demorava a ser mudada.
Quando saiu, olhou para o marido e pensou que estavam velhos, por isso abriria o perfume oferecido logo que chegasse a casa.

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