Sábado, o jornal Expresso dava a notícia que o juiz Neto Moura vai processar políticos e humoristas que o têm criticado pelas decisões tomadas em relação às mulheres agredidas pelos maridos ou companheiros. E não só em caso de adultério.Entre as pessoas que vai processar estão Mariana Mortágua, Joana Amaral Dias, Ricardo Araújo Pereira, Bruno Nogueira, etc.Mas as críticas estão a formar uma imensa bola de neve, porque têm sido frequentes as agressões a mulheres, muitas vezes até à morte.O referido juiz, escarafunchando em páginas cheias de violento bolor antigo, tem desculpado, nos seus acórdãos, muitos dos agressores - homens.De facto, este juiz não deveria ser processado?
Hoje li esta carta de Ana Sá Lopes e partilho-a.
Ana Sá Lopes
Editorial
PÚBLICO
3 de Março de 2019
'Carta ao sr. Neto de Moura
O senhor, vindo lá das cavernas de onde fala,
está a infringir a Constituição, mas nem dá por isso – assim como os
seus colegas que lhe aplicaram a advertência. Os senhores metem-me medo.
E não há sociedade mais doente do que aquela que fica com medo da
Justiça.
Senhor Neto de Moura. Não nos conhecemos,
felizmente. Digo felizmente, porque, embora o jornalismo me obrigue, de
quando em vez, a contactar com as catacumbas da sociedade, prefiro, como
dizia o famoso Bartleby do Herman Melville, não o fazer.
A verdade é que gostaria de o processar. Não tenho muita paciência para tribunais e os juízes metem-me algum horror, porque já vi em acção alguns exemplares como o senhor.
Também não tenho muito tempo livre e a Justiça é lenta. Depois, é
verdade que não tenho muito dinheiro e, já se sabe, a Justiça é cara.
Eu tenho um problema de saúde: perante o asco, tenho vómitos. Às
vezes também tonturas. As últimas decisões que tomou provocaram-me
problemas de saúde. Talvez isso seja um motivo para o processar. Fico
literalmente doente ao ver a sua, vá lá, doença com as mulheres. O
prejuízo para a minha saúde dos seus acórdãos pode ser um motivo para um
processo.
O meu problema com situações asquerosas é uma razão porque evitei, até este momento, escrever sobre o acórdão em que o senhor invocou a Bíblia
e considerou exemplares – no sentido de lhe servirem de exemplo — as
sociedades que apedrejam as mulheres adúlteras para “acentuar que o
adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e
condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a
estigmatizar as adúlteras)” e por isso a dita sociedade “vê com alguma
compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado
pela mulher”.
O senhor, vindo lá das cavernas de onde fala, está a
infringir a Constituição, mas nem dá por isso – assim como os seus
colegas que lhe aplicaram a advertência. Os senhores metem-me medo. E
não há sociedade mais doente do que aquela que fica com medo da Justiça.
Eu sinto-me humilhada, vexada pelo senhor e a sua repugnante ideia de
“sociedade”, mulheres e adultério. Acho que o senhor não me respeita e
ofende todas as mulheres deste país.
O adultério não é crime, a
não ser na sua cabeça, que me abstenho de qualificar ainda mais. A
questão é que o senhor é juiz e põe em causa a segurança das pessoas,
desde que sejam mulheres. Isso ofende-me.
A ideia de lhe dar um
soco na cara até me pode passar, assim de repente, pela cabeça, mas não o
farei. No meu quadro moral e seguindo os preceitos da lei e
Constituição, acho que a violência física não é de todo desculpável –
nem contra um juiz que a desculpa'.
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