quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Outono no ar e na terra


segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Turbulência(s)


Há tempos, uma amiga ofereceu-me este livro. Como é gentil, disse-me que, quando o viu, se lembrou de mim porque às vezes conto pequenas peripécias das minhas idas a Londres, incluindo nos aviões.
De facto, a turbulência continua a assustar-me e, como se aproximava nova viagem a Londres, só agora o li. E gostei. E pude verificar que nem só de turbulência de avião se trata.
Quando comecei a ler Turbulência, de 117 páginas e dividido em doze curtos capítulos, logo me pareceu ser de um autor jovem. A escrita é seca, descarnada, embora as tensões e sentimentos humanos estejam bem presentes.
As personagens deslocam-se de avião ou por motivos familiares, ou profissionais, ou amorosos..., havendo turbulências várias na hora da partida, de chegada ou quando se vivem os momentos esperados aos quais se juntam boas e más surpresas.
As viagens acontecem entre diferentes continentes.
A narrativa começa e termina em Londres. São estas as poéticas palavras do fim:
'Caminharam até à paragem de autocarro de Westbourne Grove. As nuvens moviam-se no céu, o sol ia e vinha e, quando chegaram à esquina, o vento espalhou as flores de todas as árvores da rua'.


David Szalay nasceu em 1974 no Canadá, vive na Grã-Bretanha, frequentou a Universidade de Oxford, está traduzido em 15 países e em 2018 foi finalista do Man Booker Prize.

Pode haver momentos felizes como estes?

Como habitualmente, levantei-me cedo e, também como é habitual, fiz e tomei o pequeno almoço. Tinha pão fatiado, compota feita por mim e pude saborear tudo devagar, enquanto ouvia as notícias.
E senti que o momento era feliz. E eu também. Para mais, está previsto sol a brilhar durante todo o dia.
Mas logo vieram algumas questões: 
O que valem estes pequenos momentos de prazer perante tempos intermináveis de contestação e violência como em Hong Kong, em Paris, em diferentes países da América do sul...
... perante incontáveis mentiras de poderosos governantes cujo ego é tão grande que lhes retira o respeito pela Humanidade?
O que vale o prazer de um pequeno almoço de café com leite, pão escuro com compota caseira se tantos confrontos se repetem e tantas dúvidas ficam por explicar?
Que bom seria que não fossem habituais.





quinta-feira, 14 de novembro de 2019

A senhora do supermercado

De todas as vezes que fui ao supermercado, perto do centro de Londres, vi a mesma funcionária, de uns cinquenta anos, muito branca e de cabelo pintado de loiro.
Ela sempre me chamou a atenção por estar sempre a comunicar com os colegas ou com os clientes. A voz dela ouve-se bem e também os sorrisos e gargalhadas, mas sem nunca parar a tarefa que está a executar.
Se ela fosse mais nova, eu diria que começara há pouco a trabalhar, mas, pelo relacionamento com todos, vê-se que já lá está há muito.
Um dia em que esteja silenciosa, não faltará quem lhe pergunte se está doente. Se não estiver, será mais um motivo para desatar a rir.




terça-feira, 12 de novembro de 2019

A folha no lixo

A menina sentou-se à mesa.
Junto à janela, estavam três sacos com resíduos para reciclar.
Por cima do que que estava mais cheio, jazia uma folha de árvore de tons outonais.
Vendo-a, a menina disse pesarosa:
- Oh! A minha folha está no lixo.
- Deve ter sido a empregada, responderam-lhe.
A menina continuou, pensativa, a jantar e perguntou:
- Se a minha folha for para reciclar, dá outros presentes para a mãe?



sábado, 9 de novembro de 2019

Travessia da infância

Travessia da infância
Quietos fazemos as grandes viagens
só a alma convive com as paragens
estranhas

lembro-me de uma janela
na Travessa da Infância
onde seguindo o rumor dos autocarros
olhei pela primeira vez
o mundo

não sei se poderás adivinhar
a secreta glória que senti
por esses dias

só mais tarde descobri que
o último apeadeiro de todos
os autocarros
era ainda antes
do mundo

mas isso foi depois
muito depois
repito

José Tolentino de Mendonça

Felizmente caiu o muro de Berlim

Quando eu era era criança, havia duas famílias que partilhavam um quintal há vários anos, embora cada família vivesse na sua própria casa. Uma das casas possuía um poço que servia as duas famílias porque o tempo ainda não era de água canalizada.
Um dia, dois homens chegaram com tijolos e começaram a levantar um muro, sem que as duas famílias tivessem dialogado sobre o assunto.
A família dona do poço pensava que tinha direito à sua privacidade.
A família que se habituara a atravessar o quintal para ir buscar água passou a ter de fazer um percurso maior.
O que era harmonia entre as duas famílias passou a ser ressentimento.

Há tantos muros. Uns pequenos como o da aldeia da minha infância; outros grandes a separar países ou povos, ficando sempre um poço de água do outro lado que é necessária para todos viverem melhor.
Em muitos casos, os muros impedem qualquer travessia ou alteração de percurso.

Felizmente o muro de Berlim caiu há trinta anos.
Oxalá caiam outros e outros não cheguem a erguer-se.
Será ainda possível? 

A Estrada Branca


Atravessei contigo a minuciosa tarde
deste-me a tua mão, a vida parecia
difícil de estabelecer acima do muro alto

folhas tremiam
ao invisível peso mais forte

Podia morrer por uma só dessas coisas
que trazemos sem que possam ser ditas:
astros cruzam-se numa velocidade que apavora
inamovíveis glaciares por fim se deslocam
e na única forma que tem de acompanhar-te
o meu coração bate

José Tolentino Mendonça, in 'A Estrada Branca'

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

O jardim e a casa


 
Joaquín Sorolla

Não se perdeu nenhuma coisa em mim.
Continuam as noites e os poentes
Que escorreram na casa e no jardim,
Continuam as vozes diferentes
Que intactas no meu ser estão suspensas.
Trago o terror e trago a claridade,
E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade.


Sophia de Mello Breyner Andresen | "Poesia", 1944

Sem palavras

Ainda bem que me trouxe estes biscoitos de que gosto tanto. Gosto mais deles fresquinhos e estaladiços, mas não digo nada senão deixa de trazer ou, o que é ainda pior, deixa de vir visitar-me. Não gosto de estar aqui. Não me habituo, embora não me queixe muito. A televisão está sempre muito alto. Mas estão a saber-me bem os biscoitos. Em casa, costumava pô-los num frasco de vidro que punha sempre em cima da mesa da cozinha ao lado da garrafa de termos com chá quente.

Não para de comer os biscoitos. Nem levanta os olhos. Não deve estar a pensar em nada, apenas nos biscoitos que está a comer. Ainda bem que os tinha lá em casa. É curioso que ainda os guardo no mesmo frasco de vidro. Enquanto come, posso responder a estas mensagens e a alguns e-mails em atraso.  Agora, quando venho cá, fala pouco. Talvez por isso, apetece-me vir cá cada vez menos.

Já perguntei por todos lá de casa e gostava de saber notícias de algumas vizinhas, mas fica já de mau humor e diz que tem mais que fazer do que saber da vida dos outros. Também não vale a pena perguntar sobre o trabalho. Diz logo que está tudo bem e não desenvolve. Sei que estão a reparar em mim, porque pareço esfomeada, mas é como se estivesse à minha mesa a comer biscoitos e a tomar chá. Gostava muito do frasco de vidro onde guardava os biscoitos. Lavava-o muitas vezes para estar sempre limpinho e brilhante.

Bem, os biscoitos já estão quase no fim. Vou responder à última mensagem e vou para casa. Estou cansado. O dia não foi fácil. Raisparta o meu chefe que se arma em sherife. Vou pirar-me logo que possa. Preciso de apanhar ar e deixar de ouvir estes malditos berros da televisão.

Já foi embora. Fechei os olhos e deve ter pensado que eu estava a dormir. Também deve andar cansado. Até compreendo. E ainda falta bastante tempo para o jantar. Deve ser peixe porque já cheira.
Podia-lhe ter dito para levar o restinho dos biscoitos para comer pelo caminho. Como quando lhe dava a saquinha com o lanche da escola.



terça-feira, 5 de novembro de 2019

'O meu maior desgosto'

Segurando o pequeno postal bonito que foi lido sobre o outono nas mãos brancas e quietas de doente há muito no hospital, ela perguntou a quem lho deu:
- Posso pôr na minha mesinha de cabeceira?
Em resposta, teve um sorriso e palavras:
- Claro que pode. Que bom ter gostado.
De repente, os seus olhos enchem-se de lágrimas e diz com voz de menina, apesar dos seus noventa anos:
- Só tenho pena de não saber ler. É o meu maior desgosto.



segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Escorregar, escorreganço e escorrega

Li numa revista de um avião um belo texto de Gonçalo M. Tavares e guardei esta frase:

'A viagem? Uma forma intencional de escorregar para outro sítio. Um escorreganço controlado'.

Recordei, então, a pergunta que ouvi de um menino, num outro avião:
- Pai, vamos sair pelo escorrega?



Os Azeitonas - Anda comigo ver os aviões

sábado, 2 de novembro de 2019

Conversa com sotaque brasileiro numa fila de museu

  • Vald(j)i, não imagina a beleza de fotos que tirei.
  • Imagino, Rose.
  • Imagina não, tem que ver. 
  • Verei, então, Rose.  
  • Nossa, Geraldo está dizendo que está vindo pra cá de omnibus.
  • Que bom!
  • Valdi, eles assim poupam bom dinheiro.
  • Bom exemplo, sim senhora.
  • Você é muito acomodado, Valdi, é filho de pobre com espírito de rico, Valdi.
  • Pois serei, Rose!
  • Eu bem  gostava, Valdi, de andar de omnibus e metro em vez de uber ou táxi. 
  •  E podemos andar, claro que sim.
  • Valdi, vou tirar fotos aos pássaros do jardim. Já viu como são lindos?
  • Eu fico na fila.
  • Claro, Valdi, você tem que ficar!
  • Então, os pássaros não fugiram?
  • De jeito nenhum, Valdi. Finalmente, vamos comprar o bilhete, Valdi.
  • Vou usar cartão.
  • Não, Valdi, usa dólar!
  • Uso não, seria mais demorado e complicado.
  • Valdi, compra meu bilhete com guia.
  • Não, Rose, não é preciso.
  • Eu quero, Valdi.
  • É muito mais caro e não há necessidade.
  • Mas eu quero, Valdi, então eu pago, Valdi.
  • Você, Rose, também é filha de pobre com espírito de rica!!!

domingo, 27 de outubro de 2019

Conversa perto de livros e de pôr do sol

- Então, já escreveste o teu conto de Natal?
- Tenho tanta coisa escrita, mas não tem interesse para os outros. Fica para os meus filhos.
- Muita gente pensa assim mas nem sempre assim acontece.
- Eu gosto de falar de pequenas coisas como as pedrinhas que vejo na praia.
- Olha que há muita gente que gosta também de olhar as pedrinhas da praia ou pode até começar a reparar nelas.
-  Não sei. Acho que ainda sei pouco.
-  Todos sabemos tão pouco. Partilhar algumas coisas que escrevemos pode ser um modo simples de aprendermos todos um pouco mais.



Diferentes mimos de outubro


Ontem, foi apresentada no Porto (julgo que) a quarta coletânea de textos poéticos dedicados aos diferentes meses do ano, com o título de Mimos de... das Edições Mimos e Livros.

Desta vez, foram Mimos de outubro


Também lá vem um texto meu. Para o escrever, pensei em outubro e partilho as palavras que me surgiram:


ANTES
      E
      DEPOIS

Esperada liberdade de horários
     Sofreguidão trabalhosa das horas

Dias longos abertos ao esplendor
     Noite apressada pela pequenez do dia

Uvas maduras a escorrer nas mãos ceifeiras
     Bagos perdidos nas folhas ressequidas

Poentes avermelhados nos mares dos horizontes
     Nuvens cinzentas de lágrimas prestes a cair

Afã fremente de formiga
colhendo frutos maduros
Canto livre de cigarra
com tempo de cantar
     mas sem tempo para qualquer depois

Sê bem-vindo, outubro!
Trazes contigo as eiras de milho ao sol da minha infância.





sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Conversa em voz alta na farmácia ou problemas que também lá moram

- Tem algum jeito ter de pagar taxa? Gostava era que eles ganhassem o que eu ganho!
- Isso é verdade e não vão ao mesmo hospital.
- Se eu ganhasse mil euros, não me importava de pagar a taxa.
- Mas eles ganham muitos mil euros.
- Então se ganham tanto que paguem a taxa moradora que eu só ganho quatrocentos.

Conversa ao pé do supermercado ou palavras comuns e outras menos

- Viva! Dá cá um beijinho.
- Há tanto tempo que não te via! Estás sempre na mesma.
- Ai, estou! Tenho muitos problemas de saúde.
- Mas não parece, estás sempre bonita.
- Tu é que estás! Sempre a mesminha!


Há poucos dias assim!


Poder andar devagar. Tomar o pequeno almoço sem olhar para o relógio. Arrumar calmamente a mesa de trabalho. Acabar de ler o capítulo do livro que ainda/já vai a meio (neste caso, O Ano da Morte de Ricardo Reis de José Saramago). Fazer, sem pressa, a lista de pequenas coisas que faltam para o jantar em família. Saber que à mesa podemos falar de mil e uma coisas com o amor habitual, mesmo que haja desacordo.
Fazer festas à Castanha com tempo e paciência, sem pensar sobretudo no cocó que é preciso apanhar. Olhar a planta que está a secar no canteiro, sem nostalgia porque a pujança e beleza foram duradouras.
Sair na possível certeza de ver o largo rio ao longe. Sentar-me num banco de pedra olhando os ouriços a parir castanhas luzidias. Colher dióspiros e tangerinas ouvindo vários silêncios das folhas das árvores.
Ah! Não fossem algumas más notícias! Não fossem algumas más certezas irreversíveis!
Mas talvez esteja a pedir de mais!



quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Há boas trocas de mensagens!

 Hoje de manhã recebi esta mensagem de uma amiga.
Julgo que seria resposta para outra pessoa.
Porém, como penso de igual forma, partilho a ideia
 - que não será, de certeza, só da minha amiga nem só minha!

Desejo a todos um dia com boas mensagens, sejam elas trocadas ou não!


'Todos nós queremos deixar a nossa marca. Há muito ruído à nossa volta. A escrita traz o silêncio de que preciso. Silêncio só não chega.  Só nos basearmos nisso não chega.  Há que ter coisas cá dentro a que nos agarrarmos. 
Não nos comportamos da mesma maneira, mas se formos autênticos, há algo que nos liga a tudo'.


terça-feira, 15 de outubro de 2019

Conversa ao pé da porta

- Continuo a despojar-me de muitas coisas.
- Faço o mesmo há muito tempo.
- Não há necessidade de encher gavetas que nunca são abertas.
- Um dia mais tarde só dão trabalho a quem as tem de arrumar!



terça-feira, 1 de outubro de 2019

Há sempre uma estação perto de nós!


A Confraria do Corpo Santo de Massarelos realiza regularmente visitas a lugares de referência no Porto.
 O objetivo principal é a angariação de fundos para o restauro da Igreja.
A visita que foi realizada na última sexta-feira permitiu conhecer a estação de metro do Campo 24 de Agosto - Mijavelhas - e espaços da Senhora da Hora, incluindo as sete bicas que deram o nome a uma estação.
A atividade teve, como sempre, muita adesão e foi orientada pelo professor Joel Cleto.
Parte do percurso foi feito de metro - do Campo 24 de Agosto à Senhora da Hora.
Uma boa maneira de conhecer melhor espaços públicos e muita(s) da(s) sua(s) história(s).

Em Mijavelhas - Porto
Portão da antiga fábrica dos carrinhos - Senhora da Hora
Ruínas de parte da antiga fábrica
As sete bicas que deram o nome à estação de metro
Imagens da capela junto à fonte

domingo, 22 de setembro de 2019

Gosto do outono!

Canção de Outono
Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando aqueles
que não se levantarão...

Tu és folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
E vou por este caminho,
certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...
Cecília Meireles

OUTONO
Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há tanta fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.
Miguel Torga  

Conversa ao pé da porta

- Vejo que anda muito ocupada.
- Sim, aproveito os tempos livres para fazer arrumações.
- Curioso, também ando numa fase semelhante.
- Não entendi.
- Quero despojar-me das coisas que me afastam a mim.


sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Cultura Curto Espaço - na praia da Aguda

As tábuas parecem ter sido recolhidas na praia
A janela na parede dá as informações como o Clube de leitura de verão
Espreitando o interior do CCE em dia de encerramento
A arte de reutilizar destroços de plástico
Já tinha ouvido falar deste espaço - Cultura Curto Espaço.
Fica em frente ao mar da Aguda, é café, restaurante, lugar de convívio...
Periodicamente realizam-se lá Clubes de Leitura à volta de um livro.
 Em breve, quero também participar.
E sobretudo entrar no CCE e ficar lá um bocadinho.
Dizem que há almofadas e mantas quentes para quando está frio.


terça-feira, 17 de setembro de 2019

'Quero ser o teu amigo'


Andei na net à procura de textos para 
uma atividade de 'Leituras no hospital'.
Gostei deste poema de Fernando Pessoa por ser simples
e abordar um tema que pode ser significativo para todos.
Oxalá assim aconteça e a net esteja a ser fidedigna. 
Vai longe o tempo em que se tinha tempo de procurar nos livros!!!

Quero ser o teu amigo.
Nem de mais e nem de menos.
Nem tão longe e nem tão perto.
Na medida mais precisa que eu puder.
Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida.
Da maneira mais discreta que eu souber. 
Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.
Sem forçar tua vontade.
Sem falar, quando for hora de calar.
E sem calar, quando for hora de falar.
Nem ausente, nem presente por demais.
Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amigo, mas confesso é tão difícil aprender!
E por isso eu te suplico paciência.
Vou encher este teu rosto de lembranças.
Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias… 

Fernando Pessoa

domingo, 1 de setembro de 2019

Meu querido mês de setembro,


Este ano pude confirmar que não gosto do mês de agosto. Não, não gosto.
E não quero ser negativa, mas o mês de agosto traz(-me) sempre coisas horríveis.
Como não gosto de generalizar pelo lado mau, vou tentar explicar um pouco melhor.
Desculpa, setembro, por não ir ao fundo da questão, mas às vezes prefiro sentar-me à beira de um regato sem o atravessar para não escorregar nas pedras.
Sou medrosa? Serei, com certeza, mas cada um procura as suas defesas.
De facto, agosto ficou ontem parado no calendário, mas alguns dias ficarão marcados na minha memória.
Foi um mês de contrastes:
Ouvi o silêncio e tapei os ouvidos pelo excesso de ruído.
Senti o mar, aproximei-me da montanha e o pensamento fragmentava-se.
Fiz desenhos coloridos e pouco depois os dias ficaram negros. 
Contei histórias e senti a ausência de palavras de quem precisava de as dizer mas já não podia.
Tive a alegria de ver a casa cheia de brincados sorrisos infantis e quase logo a despedida de quem tinha gerado a família.
Caminhei ao sol luminoso na praia e senti o frio branco de uma cadeira de hospital.
Dancei, vi dançar e partilhei de lágrimas em saudosa e não anunciada despedida.
Viajei vendo paisagens verdes ou ressequidas e deparei com coroas de flores também cortadas à continuação da vida.
...
Desculpa, mês de agosto, pelo meu desamor. E, se calhar, ingratidão ou egoísmo, porque estou a esquecer que para muitas muitas pessoas o verão só teve o segundo lado da moeda.