segunda-feira, 25 de julho de 2022

Dias de Londres - (des)arrumações

 

 Hoje passei a manhã e uma parte da tarde em arrumações no quarto da Clarinha. Já tinha reparado que havia coisas e caixas que precisavam de organização, mas gosto cada vez menos de ser demasiado intrometida. Ainda bem que a minha filha me falou do assunto. 

Mãe, como ficas ainda algum tempo, não queres dar ordem a esta desordem do quarto?

Claro, filha, já tinha visto que era preciso.

Depois, já sozinha no quarto, porque estas coisas gosto de as pensar em sossego e em silêncio, olhei as caixas, voltei a olhar e ia-me interrogando como podia separar e ordenar legos, loucinhas de brincar, lápis de colorir, bonecas, peluches, desenhos, travessões do cabelo, contas para colares... para reduzir espaço ou ganhar mais espaço.

Antes de começar, tirei fotografias para registar o antes e o depois, tipo querido mudei a casa!

 Ao fim da tarde, veio a reação da dona do quarto. Foi boa e fiquei contente. E também quando aspirei o chão e recoloquei os caixotes, podendo circular-se melhor, sentir-se mais organização e até descobrir ou ter à mão coisas que há muito não se encontravam.

Foi então o momento de tirar, toda ufana, a foto do depois. Só que, ao contrário do querido mudei a casa, não tive de recorrer ao Ikea nem ao Leroy Merlin - ficando as casas intervencionadas, na minha opinião, todas brancas e muito parecidas umas com as outras, mas isso é outro assunto.

Depois do depois da arrumação, ouvi, sentindo o olhar claro e meigo (quando  não há pressa nem a pressão do trabalho):

 Mãe, tenho estes 2 caixotes ainda por abrir, desde que mudámos de casa há dois anos…

Nem a deixei terminar e logo lhe respondi: 

Sim, querida, essa será a próxima etapa. Também já tinha reparado nestes caixotes.

E acrescentei: do meu vagar - como sempre diz a avó.

 

domingo, 24 de julho de 2022

Dias de Londres - D. Vitória da Moldávia e várias claraboias

 

Hoje é dia de vir a D. Vitória, uma senhora que veio há anos da Moldávia. Faz limpezas, é simpática e tem ar triste desde que a conheço há já uns anos, mas agora mais.

O meu inglês não é forte e o dela talvez ainda menos. Perguntei-lhe como estavam as coisas no seu país devido à guerra na Ucrânia. Suspirou e disse quase soletrando e com ar cansado: - mal, muito mal. Estamos muito perto da Ucrânia, temos medo do poder militar russo e daquele louco. 

Disse também ter amigos na Ucrânia que estão passando muito mal. E que uma amiga, que fugiu de Odessa, vive agora na sua casa na Moldávia.

Nisto, o telefone dela tocou. Afastei-me da cozinha onde estávamos. Ela atendeu e ia falando em língua para mim muito estranha, mas para ela materna e familiar, a avaliar pela grande fluência.

Peguei no livro que tinha começado a ler e fui para um pequeno espaço donde se veem árvores e se ouvem os pássaros a cantar. De vez em quando, um saltita na vedação de madeira exterior e fico a olhar-lhe os movimentos e a escutar-lhe os sons.

Sento-me e reabro Claraboia de José Saramago, cujo contexto são os anos cinquenta do século XX num bairro de Lisboa - onde vive e trabalha um velho sapateiro ex-revolucionário, uma mulher que recebe visitas noturnas sempre à mesma hora, uma espanhola que nunca se adaptou ao país nem ao casamento, uma jovem empregada de escritório que anseia por salário melhor, um jovem que vai vivendo temporariamente em quartos que aluga em errância quase permanente, duas irmãs - uma delas marcada por um romance dos muitos já lidos - que vivem com a mãe e uma tia... 

Neste livro, em que o narrador olha para o pulsar do bairro como iluminado por uma claraboia, escrito em 1953 mas só publicado em 2011, um ano após a sua morte, Saramago ainda recorre à pontuação tradicional, o que causa certa estranheza a quem está mais familiarizado com a maior parte dos livros mais atuais em que evita, por exemplo, os dois pontos, o travessão, o ponto de interrogação, etc. 

Enquanto a D. Vitória ia avançando na sua manhã de limpezas cá em casa, eu avançava na leitura do livro.

De repente, lembrei-me de que nas várias vindas a Londres eu lhe trouxe um pequeno presente, quase sempre em filigrana da minha região. Desta vez, esqueci-me e tenho pena, porque, mais do que nunca, ela precisaria de mimos e alegrias. Ainda que pequenas. 

Porque as dificuldades da D. Vitória são muitas e variadas, para além do medo daquele homem tenebroso que ataca o mundo, nunca saindo da sua escura claraboia.

 

 

sexta-feira, 22 de julho de 2022

Dias de Londres - Dia do Pai

 

Celebrava- se o Dia do Pai em Londres. A minha neta fez, rapidamente, dois postais com 2 folhas a4 e pô-los sobre a mesa da cozinha, no lugar que é sempre ocupado pelo pai. Quando pressentiu que ele vinha tomar o pequeno almoço, logo correu - habitualmente corre ou saltita - e ficou, curiosa e com o seu olhar azul, a ver a reação do pai.

São felizes estes momentos simples e bons.

Daí a pouco, saímos. Voltei ao metro londrino, mais de dois anos depois. Quase ninguém usava máscara. Apenas nós e mais três ou quatro pessoas. E os casos de covid não estão a baixar.

Depois do almoço de comida mexicana, numa esplanada em rua bonita e sem carros, depois de um café num café grego, depois de passar no local de trabalho da minha filha, eis-nos a entrar no museu da cidade de Londres, para ficarmos a saber mais sobre as invasões romanas e vestígios visíveis ainda hoje, como os do exterior do museu. 

 

E também no museu tivemos informação bem apelativa sobre o grande incêndio de Londres de 1666, que começou numa padaria e que logo se propagou a outras casas - todas muito próximas e de madeira. 

A minha neta tinha dado o assunto na escola - anda no segundo ano - e deixou as suas impressões no caderno de visitantes. Recordou-nos que a professora, nessa aula sobre o incêndio, de vestira de Samuel  Pepys (Londres 1633-1703) que testemunhou e descreveu o incêndio no seu diário.

Por isso, e graças ao seu relato escrito, mais se sabe sobre essa tragédia que causou mortes e roubou a casa a milhares de pessoas que viviam na cidade.

O valor da palavra que fixa o que vai acontecendo.

O passeio terminou em Barbican.

Um belo e polivalente espaço no meio dos imensos prédios da larga construção dos anos 60 do séc. XX, de cujas varandas se erguem ou pendem viçosas e abundantes flores.

 


Sentámo-nos um pouco naquele espaço largo e aberto que à noite se destina apenas a residentes.

Pessoas de todas as nacionalidades ali tinham também convergido. Como se o mundo fosse uma varanda feliz que desse para naturais e repousantes convergências.

 


quarta-feira, 20 de julho de 2022

Dias de Londres - Novo dia

 

Não fui buscar a Clarinha à escola por causa do calor, já que as idas e vindas são feitas a pé e o percurso é um pouco longo. Fiquei em casa e como gostei de ficar, vendo a loiça lavada e arrumada e árvores pela janela.

Peguei no telemóvel e, depois de ter escrito esta página, logo comecei  a ler Clarabóia de José Saramago, ciente de que era um privilégio esperar pela minha neta em casa, onde estava mais fresco e, sobretudo, ter tempo para mim.

Num dos andares de cima, há um bebé que chora indefinidamente.

Imagino o que seja estar com um bebé sempre a chorar. Pelo que sei, desde que nasceu é assim por alguns problemas da saúde.

Como acontece com muita frequência aqui em Londres, muitos casais vieram doutros países, não têm família cá nem podem pagar a uma Nani que trate das crianças durante o dia. Há empregos que concedem um tempo mais estendido, tornando até possível conciliar as licenças materna e paterna, mas julgo que não serão frequentes. Muito cedo os meninos têm de ir para o infantário. Se houver problemas de saúde, então os pais passam a ter a vida muito complicada pela falta de apoio familiar.

No caso da mãe do bebé que chora muito, a família mora em Hong Kong, logo não serão fáceis as deslocações.

Apesar de Portugal ser bem mais perto, venho poucas vezes e às vezes digo:  Filha, és uma heroína.

Ela sorri com o jeito brando de menina que já não é, mas que sempre vejo nela.

Entretanto, neste momento deixei de ouvir o bebé chorar. Talvez tenha adormecido. Quem o acompanha poderá descansar um pouco. Os heróis e heroínas também precisam.

 

terça-feira, 19 de julho de 2022

Dias de Londres - no dia seguinte

O calor de ontem mantém-se. Cheguei a pensar vir de táxi de Gatwick até aqui, mas era viagem para duas horas, ficava muito caro e gosto de  comboios, do movimento das estações e de ver as pessoas em viagem.

Quando saí do comboio, tinha a minha filha à minha espera. Mulher adulta, corajosa, serena, que emigrou aos 24 anos para Londres. Sem conhecer ninguém, apenas a senhora portuguesa que lhe tinha alugado o quarto, mas onde esteve pouco tempo, sobretudo porque era muito longe da Universidade que iria frequentar.

A meio da tarde, fomos buscar a Clarinha à escola. Dei comigo a esconder-me atrás de uma árvore da rua para a surpreender e logo abraçar. Da escola primária pública que ela frequenta, iam saindo meninos e meninas, acompanhados, na maior parte, pelas mães, muito jovens apenas com as mãos e o rosto a descoberto. As crianças, de vários tons de pele, iam dizendo, sorridentes, bye uns aos outros e eu ia pensando para quando o final das desigualdades sociais e de tanta discriminação, sobretudo em idade adulta. Ou será que o tempo irá dando lugar à esperança de ser possível banir o que só prejudica e entristece a humanidade?