domingo, 28 de julho de 2019

Leituras no Hospital


Felicidade
Pássaros nos beirais
aquarelam o azul  
em melodias cor-de-sol
redondas e cristalinas...
E na transparência
da sinfonia
vejo a infância perdida:

manhãs de agosto
sentada à porta da cozinha
aberta ao horizonte
a minha avó aconchega-me
no colo
perfumado de pão fresco
fecho os olhos
e deixo-me embalar
no canto morno
que nasce nos ninhos
que escorre dos beirais
aconchegados de pássaros...

Maria Clara Miguel
(Pseudónimo de Isaura Afonseca) 


Este foi um dos textos que lemos na segunda sessão das nossas Leituras no Hospital para pessoas, quase todas idosas, em cuidados continuados.
E houve quem quisesse ler o poema em voz alta e expressiva. E quem falasse de uma avó a quem chamou sempre avozinha. E quem perguntasse se podia dar o poema à neta porque de certeza que ia gostar. E quem se recordasse do pão fresco da sua infância. E quem comunicasse que sempre gostou de ver pássaros nos beirais, apesar de sujarem o chão. E quem contasse que a praia no verão é como um colo quente de avó e que tinha visto o mar no domingo passado e tinha adorado...
E também quem dissesse que sentia cansaço, que aquele dia não era dos melhores dias, que ouvia muito mal, que só queria reler o poema mais tarde porque tinha ouvido algumas palavras e tinha-as achado bonitas...
Quando nos despedimos até setembro, dissemos todos palavras meigas, com vontade de um feliz reencontro.

Um problema crescente



Enviado pelo Clube das Histórias
(O título é meu)

terça-feira, 23 de julho de 2019

O parque oriental da cidade do Porto

Ontem fui caminhar com uma amiga no parque oriental da cidade e gostei muito daquele espaço verde.
Está ainda em construção, mas ainda bem que foi repensado para ser percorrido e desfrutado pelas pessoas. 
O piso é bom para caminhar ou correr, há muitas árvores, muitas sombras e muitas pedras que, para além de embelezar o local, funcionam como bancos ou mesas.
Mostro apenas uma pequena parte, porque há zonas mais largas onde, possivelmente, haverá relvado. Estava lá a ser montada uma estrutura metálica enorme porque no próximo sábado vai haver um espetáculo de música eletrónica.
Como quase nada é perfeito, sente-se de vez em quando o cheiro da ETAR e do rio Torto que por lá circula ainda com alguma poluição, embora noutras partes do percurso se sinta o perfume das árvores. 
Também não vi  zonas específicas para crianças, mas, como disse, está ainda em construção. E a Roma ou a Pavia não se vai num dia!!!
O que é preciso é pôr mãos à obra e esta parece ser uma boa obra!

terça-feira, 16 de julho de 2019

Tantas cores, Natureza!


Há belas músicas que se conhecem por feliz acaso

Pequenas histórias de uma ida a Londres

história 1
Na ida, coube-me o lugar junto à janela do avião. Ao meu lado, iam duas mulheres que viajavam em trabalho que era comum. Não se conheciam. Começaram a falar e a conversa durou as duas horas de viagem. Uma era mais faladora do que a outra. Repetiu várias vezes que gostava de falar. E falou longamente. E contou amores e desamores, partidas e regressos, gostos e desgostos...
Eu ia olhando pela janela do avião, fechava os olhos de vez em quando, mas, mesmo que não quisesse, ia ouvindo as histórias de vida que estavam a ser contadas.
No final, trocaram contactos, depois de toda uma vida ter voado enquanto durou o voo até Londres.

história 2
Quando estou em Londres, vou muitas vezes ao Waitrose local fazer as compras do dia. Há uma senhora na caixa que fala com os clientes, enquanto faz os seus registos. Ele é o tempo, ele é qualquer fait-divers do dia... Ah, e também sorri bastante. Já tem uma certa idade e as palavras são ágeis como as mãos que, ao longo do dia,  põem centenas e centenas de embalagens, com outros tantos sorrisos, do lado da recolha pelos clientes.
Interrogo-me sempre se continua a sorrir depois de um dia de trabalho.

história 3
Fui com a família ao Museu dos Transportes, que abre ao público apenas algumas vezes no ano. Aceitei a ideia de bom grado, embora tivesse pensado, para os meus botões, que teria um interesse relativo, porque estou mais habituada a ir aos museus de arte.
Enganei-me. Passámos lá várias e boas horas. Havia comboios e autocarros desde os primórdios dos transportes públicos e muitas atividades para as crianças que os adultos acompanhavam com agrado.
De facto, a evolução dos transportes públicos com vista à qualidade de vida das pessoas é também uma importante forma de arte. 

história 4
Quando chegámos ao Museu dos Transportes de manhã, logo parámos numa atividade. Um homem e uma mulher estavam sentados em frente a uma mesa e, com a ajuda de cada criança, era mostrado o movimento elétrico do comboio. A nós coube ser a senhora a fazer a demonstração, sempre com a colaboração da criança.
À tarde, voltámos a passar nesse lugar.  A Clarinha quis participar de novo. Enquanto esperávamos pela nossa vez, assisti aos mesmos movimentos da senhora para que as crianças compreendessem o funcionamento do comboio na sua linha. A atitude positiva e interativa com as crianças era a mesma da manhã. Embora tivesse repetido inúmeras vezes a operação, parecia ser sempre a primeira vez a fazê-lo.

história 5
Na viagem de regresso, encetei diálogo com a senhora que vinha ao meu lado no avião. Vivia em Londres há dezenas de anos. Nas traseiras da casa, tinha uma pequenina horta e algumas flores. Na horta tinha dois pés de couve galega para fazer caldo verde de vez em quando e um arroz de feijão com couve a fugir do prato. Disse-o com algum regalo no sorriso.


segunda-feira, 8 de julho de 2019

João Gilberto - 1931/2019

Viu e cantou as 'coisas mais lindas'. 
Possa ter deixado sementes para construir um país e mundo melhor.
Há dias, vi uma foto dele fazendo festas nos cabelos de uma neta - que coisa mais linda também.
Teve uma vida longa e deixou uma bela obra. Que coisa mais linda!

sábado, 6 de julho de 2019

Jorge Palma | Frágil

Sting - Fragile

Conversa à espera de vez

- Ó menina, vou-me embora.
- Mas ainda não foi à consulta. Está marcada.
- Estou cheia de nervos por estar à espera há tanto tempo. Fico pior do coração.
- Se for à consulta, pode ficar bem melhor.
- Pronto, eu fico mas não acho nada bem estar aqui tanto tempo.
- Há outros doentes que vieram mais cedo, tem de compreender.
- Eu compreendo, mas espero pelo autocarro, espero pelo meu marido, espero pelos meus filhos, espero pela patroa, espero no hospital...
- Pois, acredito!
- E por mim ninguém espera!


terça-feira, 2 de julho de 2019

Ligar/ desligar...

Tenho dificuldade em passar dias seguidos sem alguns silêncios. De preferência ficar só nem que seja por pouco tempo.
Tudo parece sossegar e distinguir melhor os sons que me rodeiam.
Há muitos muitos anos, num campo de férias, estava uma rapariga que nunca falava às refeições e parecia desligar de todo o ruído envolvente. Dizia que precisava daquele tempo de silêncio para alimentar o corpo e o espírito. Nós, as outras raparigas, que tínhamos comportamentos mais comuns, achávamos estranho, mas julgo que respeitávamos essa opção por ser genuína.
Outro caso de que me recordo é de uma investigadora que, quando participava em congressos que duravam o dia inteiro, almoçava sempre sozinha, porque precisava de recolhimento e de refletir sobre o que tinha ouvido.
Recordo estes e outros casos porque, apesar de ter necessidade de silêncios, não teria a mesma coragem.
E há lugares de continuada vozearia. Quem lá está ou trabalha, muitas vezes, chega a casa e tudo é alto: o som da televisão, do telemóvel, da gritaria...
Um dia, fiz uma viagem de comboio Lisboa-Porto. Na carruagem, vinha pouca gente e eu pensei com prazer que recostaria a cabeça, olhando a paisagem e ouvindo silêncios prolongados. Poderia pensar na vida e talvez tivesse até algumas ideias úteis. Qual quê. Duas ou três pessoas aproveitaram a viagem para porem as conversas de telemóvel em dia. Enviavam, recebiam mensagens e chamadas... Explicavam onde estavam, o que fariam à noite, a que horas, com quem...
Quando cheguei a Campanhã, estava enjoada, mas não era da viagem.
Quando cheguei ao carro, a primeira coisa que fiz foi desligar o rádio.

segunda-feira, 24 de junho de 2019

'Porto Sentido' - Em dia de S. João

Conversa descansada com sotaque brasileiro

- Gostaste do quarto e da cama?
- Adorei. Foi a primeira coisa que agradeci antes de adormecer.
- Como assim?
- Antes de deitar, lembro três coisas boas que me aconteceram durante o dia e que agradeço.
- Que tipo de coisas?
- Sei lá, coisas simples e concretas. Não pode ser nada ruim.
- Boa ideia.
- Assim, adormece-se bem melhor. Experimente. Você vai ver!



domingo, 23 de junho de 2019

Bom S. João!

Quando acordei, ouvi chuva.
Julguei sonhar acordada;
Foi ela que veio à festa
E não a fresca orvalhada!


sábado, 22 de junho de 2019

Dublin - não fui lá, mas gostava!

Oscar Wilde (1854-1900)

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Num jantar de amigos




Ontem, num jantar de amigos,
para além de muitas conversas e gargalhadas
que ocorrem entre amigos
que são amigos de verdade e de carne e osso
porque podem falar e rir-se à vontade,
havia petiscos saborosos,                                                                      
rostos felizes à volta da mesa,
muitas histórias engraçadas...

E também flores
E poemas sobre a amizade.

Quando são bons os momentos,
nem se sabe dizer
qual o mais poético!



Para um Amigo Tenho Sempre


Para um amigo tenho sempre um relógio
esquecido em qualquer fundo de algibeira.
Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida.
É um arco-íris de sombra, quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.


António Ramos Rosa, in "Viagem Através de uma Nebulosa"

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Enquanto há futuro


Postal enviado pelo Clube das Histórias


 

Depois da chuva


terça-feira, 18 de junho de 2019

Cristina Branco - Eu


Por tantos eus que existem em cada Eu.

Conversa no autocarro

- Que bom ter-me sentado ao pé de si.
- Fico contente.
- Precisava de falar sobre essas coisas e não encontrava quem me pudesse ouvir.
- Também gostei muito de conversar consigo.
- Desculpe, posso visitá-la um dia destes?
- Claro que sim. Moro no convento ao fundo da rua.


domingo, 16 de junho de 2019

Conversa doce em casa

- Mamã, do que gosto mais são  doces e leite.
- Como é que sabes que gostas de doces se nunca comes?
- Já comi.
- Quando?
- No Halloween, deixaste-me comer um e adorei.

Conversa ao pé da porta

- Hoje ouvi coisas importantes numa homilia na televisão.
- O padre falou de quê?
- Do papel de cada um na preservação do planeta.
- Julgava que só tinha falado do céu.
- Se a terra não for sustentável, não há céu que resista.


quinta-feira, 6 de junho de 2019

Conversa ao pé da porta

- Hoje quero ler um conto do princípio ao fim.
- E acha que consegue? Há sempre tantas solicitações!
- Vou tentar e talvez desligue o telemóvel.
- O pior é que o pensamento não desliga do telemóvel que está desligado.


O Dia D está a ser comemorado. "Quelle connerie la guerre"!

Elisabeth Sohier-Poirier : « Barbara » de Jacques Prévert

Do princípio ao fim

Não tenho o hábito de telefonar por tudo ou por nada. Penso sempre que a outra pessoa pode estar ocupada (ou queira estar desocupada) e a chamada possa incomodar. Faço-o, portanto, quando o assunto é urgente e com vantagens de ser conversado. Recorro, por isso, com mais frequência às mensagens.
Mesmo sendo curtas, verifico que muitas mensagens de telemóvel ou de whatsapp (não tenho facebook) não são lidas até ao fim. E não o critico porque também o faço, às vezes. Infelizmente.
A mensagem é enviada e são lidas apenas as primeiras linhas, sobretudo as que aparecem logo no ecrã e passa-se a outra ou a outra coisa que se quer fazer.
Às vezes, penso que o melhor é enviar uma mensagem por cada assunto, mas também fica mais caro, para além de outras poluições, incluindo a sonora, porque há quem prefira ter o som alto sempre ligado. 
Moral da mensagem: por mim, vou tentar ler sempre as mensagens do princípio ao fim. Espero é que não sejam muito longas !!!!

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Agustina Bessa-Luís (1922-2019)

Foi leitora compulsiva e observadora atenta dos comportamentos  humanos.
Deixou a longa vida, deixando uma obra imensa.


domingo, 2 de junho de 2019

Um domingo e um funeral

O funeral era de um rapaz de uns quarenta anos. Também pela idade, o ambiente era de consternação, de bastantes silêncios, de vozes baixas, muitas lágrimas e muitas flores.
Dei comigo a olhar à minha volta e a lembrar-me de outros velórios e funerais em que o telemóvel tocava de forma estridente, as pessoas falavam alto, riam-se... desprezando a vida e memória daquela pessoa que jazia ali bem perto depois de muito sofrimento.
E hoje, naquele ambiente de muita dor, ia pensando que o melhor é valorizar o que de facto é essencial na vida, que pode ser demasiado efémera, e não perder tempo com coisas menores que não valem a pena.
De regresso a casa, liguei o rádio na TSF. Falava-se de corrupção, tema que remete igualmente para formas de morte, neste caso, da democracia, desprezando também a vida e memória dos que trabalharam e trabalham honestamente durante a vida inteira. E que tubarões e advogados da mesma espécie ignoram e de quem se riem, mostrando os dentes ávidos da ganância.
 


sábado, 1 de junho de 2019

O berlinde - Matilde Rosa Araújo

Era uma vez uma pomba
Sem um ninho, sem um pombal,
Era branca como a Lua
E os seus olhos de cristal.

Era uma vez uma pomba
Que não sabia chorar:
O seu choro trrru… trrru…
Era um modo de cantar.

Era uma vez uma pomba
Que noite e dia voava:
Fosse noite, fosse dia,
Nunca a pomba descansava.

Era uma vez uma pomba
Que nos céus, longe, voava,
Seu coração um berlinde
Grande segredo guardava.

Era uma pomba tão estranha
Que voava noite e dia:
Quanto mais alto voava
Mais da terra ela se via.

Era uma vez uma pomba
Com penas de seda real:
Era uma pomba do Mundo
Com seus olhos de cristal.


Seu coração um berlinde
De vidros de sete cores,
Que do sol tinha o brilhar,
Um espelhinho de mil flores.

Um dia longe nos céus,
Viu um menino a chorar
Sentadinho sobre um monte,
Numa noite de nevar.

Não era branco nem negro
Assim na neve o menino,
Seu chorar era triste,
Tornava-o mais pequenino.

E a pomba logo o viu
Com seus olhos de cristal:
Logo desceu para o monte
– Era aquele o seu pombal.

Poisou nas mãos do menino
Com seu corpo, seu calor:
Mãos por debaixo da neve,
Ninguém lhes sabia a cor.


Dorme, dorme, meu menino…
Branco ou negro tanto faz:
Meu coração é um berlinde,
Tem o segredo da Paz.

E o menino já ria,
Podia dormir sem medo,
Sonhava com o berlinde,
Coração feito brinquedo.

Há quem diga que uma estrela
Fugiu do céu a correr,
Atravessou todo o mundo
Para o segredo dizer.

Escutaram-na os meninos,
Têm um berlinde na mão:
Seja noite de Natal,
Seja noite de S.João.


Matilde Rosa Araújo
Mistérios
Lisboa, Livros Horizonte, 1988

Os brinquedos diferentes



Os brinquedos da Clarinha
Têm nomes engraçados,
Todos, todos diferentes,
Todos muito apreciados!

É a boneca-carrapito,
O peixe de boca aberta,
O boneco narigudo,
A bonequinha-risota,
O panda que é sortudo
E o cãozinho sem casota.

A bola  do Cristiano,
A outra dos coelhinhos,
A bela caixa de música
E o jogo dos peixinhos.

Tal como estes brinquedos,
As pessoas diferentes são.
E o mundo só é bonito
Se todos derem a mão!



Era uma vez uma Casa e um Museu Botânico...

Fica no Porto, no Campo Alegre. Nos seus jardins, correu e brincou
Sophia de Mello Breyner. E o seu primo Ruben A., também poeta.
A casa, por dentro e por fora, é inspiradora e foi-o magnificamente para a grande Poeta, que nasceu há cem anos. 
Ainda lá está a estatueta que deu origem ao conto/livro O rapaz de bronze.
Para além da beleza da casa e dos espaços exteriores, vale a pena a visita ao Museu Botânico 
que nela funciona. 
A exposição sobre Biodiversidade mostra como todos os seres são diferentes.
Quando lá fui, havia poucos visitantes, mas, felizmente, uma turma de crianças de Barcelos
enchia a escadaria exterior, depois da visita.
É, de facto, uma Casa que conta muitas histórias, 
umas imaginárias, outras bem reais, mas todas importantes nas nossas vidas.
Partilho algumas imagens do muito que lá podemos ver e conhecer.