segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Os talentos dos outros

Hoje de manhã, enquanto tomava o pequeno almoço, vi uma pequena entrevista com os D.A.M.A., na SIC radical. Num registo muito jovem e descontraído, falaram da "Bolsa de Talentos", aberta a todos, independentemente da idade e do género, para apoiarem pessoas que se querem afirmar na arte. 
Reconhecendo que o grupo singrou graças a apoios que não faltaram, os três sabem que grande parte das pessoas não é bafejada pela mesma sorte, apesar de haver muitos e grandes talentos desconhecidos do grande público. E, com grande entusiasmo, os três rapazes diziam poder fazer aquilo de que gostavam, e querer ajudar a que outros também o façam.
O café com leite e a torrada, habitualmente, sabem-me bem logo pela manhã, mas, perante o programa a que assistia, ainda me souberam melhor.
Os D.A.M.A. de alegre e humana alma. Ah, utilizavam, no meio de bué, fixe... a palavra Verdade. E também ela me pareceu verdadeira.


domingo, 28 de janeiro de 2018

Uma a uma, chegaram sete

Vieram de sete sítios diferentes. Cada uma com uma história para contar. Cada uma delas contá-la-ia à sua maneira. Nuns casos, demoraria mais tempo; noutros, seria mais rápida.
A umas apeteceria contar tudo o que as tinha trazido ali; a outras, as poucas forças tinham tirado a vontade de falar do que vinham sentindo.
Ah, as idades também eram diferentes. A cor e o comprimento dos cabelos logo o dizia. E a lisura ou as rugas dos rostos também o mostravam. E a rapidez do olhar também contava.
Quando uma chegava, as outras recebiam-na com um sorriso no rosto que estava a descoberto.  Para dizerem que ajudariam no que pudessem. E umas estavam mais disponíveis do que outras. E umas estavam mais aptas a ajudar. Uma delas até fazia movimentos com as pernas que não queria sentir enferrujadas. Outras não poderiam prestar qualquer auxílio e seria até arriscado fazê-lo.
Havia horas certas para tudo e também muito calor, apesar de estarmos em finais de janeiro.
Em vários momentos da tarde, chegavam umas poucas pessoas e abeiravam-se de umas, ficando outras sem companhia. Olhavam e sorriam para quem elas sorria.
Ah, e havia uma janela larga que deixava entrar o sol naquela enfermaria do hospital.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Cores e dimensões naturais

Em todos os sentidos
Da cor das pedras
Círculo (s)
Magnólia à espera de sol
Leques de cores

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

A noite dos três relógios!

Amadeo Souza-Cardoso

A velha casa tem três relógios. Todos adiantados mas a dar horas em minutos diferentes. Um soa as badaladas quando faltam uns quinze minutos para a hora certa; outro, uns vinte e tal minutos e outro ainda, exatamente, meia hora mais cinco minutos.
Este último é o que conta para as horas das refeições que são sempre a horas certas, ou melhor, certas pelo relógio adiantado meia hora mais cinco minutos. Os cinco minutos são para qualquer distração, para alguém que bate à porta, para atender o telefone, para responder à chamada da vizinha, para fechar uma janela se o vento sopra ou a chuva não para de cair... Os trinta minutos são um dos hábitos intocáveis da casa.
Se é estranho durante o dia ouvir badaladas de três relógios, muito mais estranhas são as noites  dormidas na casa. Isto é, mal dormidas.
E, como se os sons da noite estivessem incompletos, há o estalar de uma velha parede, o ruído da água a querer passar num cano ferrugento, o ronronar do gato, os ais doridos e não contidos...
Estranha é a noite. Para mais, quando não se sabe as horas ao certo.
Talvez fixar os toques dos diferentes relógios ajude a adormecer. 
Ou tenha ficado alguma janela aberta para poder olhar a paisagem noturna. E como se ouvem muitas badaladas dispersas na noite, ninguém acorda.
Ou continue sem adormecer. Como as badaladas dos três relógios.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Eugénio de Andrade faria hoje 95 anos

Cedro solitário (1907), de Tivadar Kosztka

 

O Silêncio

Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.

Eugénio de Andrade, in "Obscuro Domínio"

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Flores em dia de sol


segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Fernando Pessoa sobre a mesa

Ela entrou no consultório. Há muito que lá não ia. Os seus dados pessoais nem sequer estavam introduzidos no computador.
Enquanto o médico fazia o registo, ela olhou a sala e fixou-se num livro de poemas de Fernando Pessoa sobre a mesa.  E, passados minutos, anda a ler Fernando Pessoa? Gosta? Eu gosto muito.
Não, no seu tempo não se dava Fernando Pessoa. Eram Os Maias, e do resto do programa já mal se lembrava.
Fernando Pessoa, oh, tinha-o descoberto há semanas. Tudo começou ao abrir  aquele livro que tinha em casa há muitos anos. Foi um acaso. 
- O que faz?
- Fui professora de Francês e Português.
- Então, compreende. Veja este poema. Eu sinto isto. Eu já escrevi isto, sem nunca ter lido isto. Como é possível? Leio estes poemas e parece que estão a falar de mim. É a minha vida que está aqui. Sou eu que aqui estou.
- É bom quando assim é.
- Não, causa dor e sofrimento.
- Pessoa também fala da dor de pensar.
- Isto tira-me o sono, porque queria escrever. Tenho tantas ideias na cabeça. Mas não tenho tempo nem técnica, apesar de o gosto pela escrita não ser apenas de agora.
- Há muitos médicos escritores.
- Eu não sou escritor, mas precisava de escrever mais. Foi ao ler isto que descobri que preciso de  escrever a sério. Mas não tenho tempo.
- Alguns escritores isolam-se para escreverem.
- Não sabia, mas eu não posso. Há tantas coisas que senti e agora me vêm ao pensamento.
- Talvez o sentir e o pensar também de Pessoa. Ou o seu fingimento poético.
- Não sei nada disso. No meu tempo de escola, não se falava disso. E sei pouco de Literatura. Veja só este poema. Desculpe o tempo que lhe estou a tomar. Já lhe dei a receita? Sim, em duas semanas, volta ao normal.
- Veja só mais este.  Ah, se eu pudesse escrever tudo o que eu queria. E sabe que tenho medo de ler estes poemas? Parece que roubei as ideias e nem sequer tinha ouvido falar disto.
- Desculpe, sr doutor, ter aberto a porta. Como era a última consulta, pensei que já tivesse ido embora.
- Precisava mesmo de escrever à minha vontade. E sabe que já idealizei o lugar?

domingo, 14 de janeiro de 2018

O sábio

Era uma vez um sábio, mas só ele era sábio, porque os que estavam à sua volta nada sabiam, como pensava o sábio, e de quem se ria e voltava a rir.
Quando os outros - que para o sábio não eram sábios - falavam, o sábio afinava a garganta, interrompia e muitas vezes punha a mão no braço dos não sábios para que esperassem, ou melhor, para que o ouvissem porque só o sábio sabia o que dizer sobre os mais variados assuntos.
E assim viveu o sábio durante alguns anos e os não sábios também. Quando estes viam o sábio, sabiamente faziam de conta que o não viam, porque o sábio demoraria muito tempo a dizer o que os não sábios já sabiam e também tinham mais que fazer.
O sábio partiu então para terras mais sábias onde haveria outras sabedorias que não encontrava nem perto nem longe; nem na cidade nem na aldeia, e muito menos numa vila que era um misto neutro de um espaço e de outro.
Os anos passaram, passaram e o sábio teve oportunidade de conhecer um sábio, apenas um, e esse era mesmo sábio e não pensava que só ele era sábio e não punha a mão no braço do interlocutor para lhe mostrar que era sábio e que, por isso, o melhor era não falar porque não era sábio e não era bem assim como dizia. E nunca se ria com ironia para mostrar tudo o que sabia e que os outros ignoravam.
E o primeiro sábio passou a admirar muito o sábio que conhecera. E, desta vez, ouvia e ouvia e, quando podia e o sábio não estava presente, tentava imitá-lo, mas não conseguia.
Porém, não foi o sábio que chegou a esta conclusão. Foram os que para ele não eram sábios.
Os anos passavam e passavam. O sábio continuou a achar-se sábio, sobretudo com aqueles que ele considerava não sábios e a quem queria sempre mostrar, prolongadamente, a sua sabedoria.
E os não sábios cansaram-se de tanta lição sobre assuntos e em momentos que não vinham nada a calhar.
Como a idade não perdoa, o sábio começou a cansar-se mais e a precisar dos não sábios que, perante tão demorada e previsível preleção, sem tempo de antena para contraditório, continuavam a viver a sua vida.
Era a solução mais sábia que encontravam. 
E o sábio foi procurando palcos avulsos para exibir a sua sabedoria. Um dia, ouviu alguém dizer a  palavra solidão. Sentou-se num banco frio de jardim e começou a chorar.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Aproximação


Era uma vez um cogumelo...


... que apareceu debaixo de um pinheiro e outras árvores.
Todos os anos, no tempo das chuvas, aparecia, com outros companheiros de diferentes dimensões, e, sem se aperceberem, davam mais cor à terra, onde iam morrendo restinhos secos do outono.
Um dia, ouviu-se o clic de um telemóvel e ouviu-se também uma recomendação:
- Atenção, são belos mas podem ser perigosos.
Veio uma chuvada e o silêncio colorido também.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

The Moody Blues - Nights In White Satin

Ao ouvir falar da morte de Ray Thomas, um dos músicos de Moody Blues,
lembrei-me desta música - não apenas de época, mas de muitas épocas.
E é belo o cenário - Paris - para qualquer partida ou chegada.

Ano Novo Flor Nova!

Há anos que, dentro de casa, não via um vaso de orquídeas 
a produzir novas flores. Vi-o agora e gostei do que vi.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

A janela e a máquina da roupa

Aurélia de Sousa - 1916
Aceitou que lhe penteassem o cabelo. Dirigiu-se à casa de banho. Arrastando os pés, puxou a cadeira de maneira a ver a paisagem pela janela pequena. Procurou o pente dentro da máquina da roupa.
Não, o pente não estava ali - ouviu, mas continuou a procurar. 
Logo de seguida, inclinou-se para a janela, embaciada pelo pó e pela humidade. Olhou e voltou a olhar. Tentou alisá-la com a mão. 
A acompanhante observou também a paisagem. O tempo e as enxurradas tinham tapado as pedras que as crianças antigamente subiam e desciam a correr sem tempo nem idade para pensar na corrosão do tempo. E ambas olharam os campos. Tudo estava agora  mais vazio e mais gasto.
Ambas olhavam, mas a uma bastava descortinar pelos bocadinhos do vidro ainda transparente; à outra, tudo o que era visto através dos pequenos vidros parecia confuso.
Sentou-se. A acompanhante já tinha pegado no pente de cima de uma mesa pequenina, onde estavam outros pentes com alguns cabelos crespos e grisalhos presos aos dentes, ainda não partidos.
Poucas vezes tinha cortado o cabelo na vida. E diziam que tinha um cabelo bonito. Foi rareando e enfraquecendo.
A acompanhante fez-lhe uma trança, agora fininha, enrolou-a e prendeu-a com pequenos ganchos. E disse: agora está mais bonita.
Ela sorriu e foi até à cozinha. Apoiou-se na banca da cozinha e voltou a olhar para fora que, neste caso, era para o quinteiro interior da velha casa, e disse: é preciso regar os vasos. Não quero que sequem. As minhas irmãs também não gostavam.
E pareceu-lhe ouvir que não era preciso regar nada porque tinha chovido bastante. Fingiu acreditar mas, logo que pudesse, iria regar as begónias.
Talvez o melhor sítio para se manterem verdinhas, como as irmãs gostavam, fosse a máquina de lavar a roupa. 
E não deixaria que fechassem a janela para entrar sempre o sol.

sábado, 6 de janeiro de 2018

Esta ideia não é nova

Andei a arrumar a minha roupa do guarda-fatos, a separar a de verão e a de inverno, se bem que agora não há muitas diferenças no que se veste, bastando um casaco que se põe ou que se tira, conforme o frio ou o calor.
Pois bem, cheguei à conclusão que tenho roupa suficiente para bastante tempo e que, por isso, não vou perder tempo nem dinheiro em coisas de que não preciso.
Não sei se conseguirei, apesar de não ter paciência para os saldos que atulham muitas lojas. A horas mortas ainda aguento, com muita gente e a roupa em desalinho, fico cheia de calor e o que me apetece é sair daquele espaço o mais depressa possível e apanhar ar fresco.
As compras pela net são uma boa solução para evitar sufocos e o calor apertado dos provadores. mas se a peça não serve, é preciso ir trocar e lá se vai o tempo que parecia ganho.
Não, não preciso de comprar nada. Posso até dar algumas coisas que poderão ser mais úteis a outras pessoas do que a mim. Gosto e preciso cada vez mais deste despojamento e arrumação.
Mas não sou generosa ao ponto de dar peças de roupa de que gosto e que conservo há muitos anos.
Ai, é verdade, preciso de um casaco. E o pior é que na mesma secção não há apenas casacos!
Vou-me "focar", como agora se diz, e escolher apenas o casaco.
Mas este propósito também não é novo!


quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Que o Ano seja NOVO

 O comentário do último post
convocava as Manhãs
de Sophia, belas palavras
para um Ano NOVO.


Menina sentada - Maria Keil

Manhã futura 
 
Era preciso agradecer às flores
Terem guardado em si,
Límpida e pura,
Aquela promessa antiga
Duma manhã futura.

Sophia de Mello Breyner Andresen


segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Fogo de artifício

Sentou-se no sofá. Sempre veria bocadinhos de espetáculos em muitas cidades e o fogo de artifício nos países que iam entrando no Ano Novo. 
E a vontade alegre de celebrar 2018.
E a alegria louca de alguns. E a alegria contida de outros tantos. 
E os palcos cheios de frenéticas luzes dançantes e coloridas.
E crianças a dizerem que estava a ser fixe, deixando adivinhar que estavam a pensar em jogos mais fixes.
E a segurança mais apertada porque o momento era de diversão, mas de um momento para o outro poderia rebentar a confusão.
E fãs dos Xutos que diziam, olhando o firmamento calmo da noite, que o Zé Pedro devia estar aos saltinhos e tinham vindo porque os Xutos são sempre os Xutos.
E as imagens todas juntas e os sons quase em simultâneo a mostrar o mundo. Não fossem as legendas e os países e as ilhas e as cidades pareciam uma praça grande a celebrar o Ano Novo. E com os mesmos sorrisos. E com os mesmos desejos. E com os mesmos votos. E com os mesmos gestos. E com os mesmos sonhos. E com a vontade crente de que o ano que aí vem vai ser melhor do que o que já ficou para trás no calendário.
Continuou no sofá.
Estava a apreciar o vigor esbelto de muitos apresentadores e apresentadoras. E das roupas que não se engelhavam nem saiam do sítio certo. E dos penteados que se mantinham intactos. E dos sorrisos que nunca esmoreciam. E dos movimentos sempre vibrantes.
E de tanta exterioridade.
Acabou por adormecer.
Acordou ao som do estrondoso fogo de artifício que parecia surgir de toda a parte.
Olhou o telemóvel. Marcava OO.OO.
2018 tinha chegado. Uau! É verdade, as passas. Estavam em cima da mesa numa caixinha. Oh!  Custava a abrir. Quase as engoliu e quase se esqueceu dos desejos. Queria atender também o telefone que tocava. E ligar também para desejar Bom Ano. Não podia falhar. Não queria falhar.
Conseguiu. 
O fogo de artifício de proximidade ia abrandando.
Voltou a adormecer, sem desligar a televisão com imagens que via de forma intermitente.
De manhã, quando acordou, leu uma mensagem não lida: 
"Tenho um feeling que este ano vai ser bom. Feliz Ano Novo."
Ao lado, uma bela imagem abria um incessante fogo de artifício.