Aurélia de Sousa - 1916 |
Aceitou que lhe penteassem o cabelo. Dirigiu-se à casa de banho. Arrastando os pés, puxou a cadeira de maneira a ver a paisagem pela janela pequena. Procurou o pente dentro da máquina da roupa.
Não, o pente não estava ali - ouviu, mas continuou a procurar.
Logo de seguida, inclinou-se para a janela, embaciada pelo pó e pela humidade. Olhou e voltou a olhar. Tentou alisá-la com a mão.
A acompanhante observou também a paisagem. O tempo e as enxurradas tinham tapado as pedras que as crianças antigamente subiam e desciam a correr sem tempo nem idade para pensar na corrosão do tempo. E ambas olharam os campos. Tudo estava agora mais vazio e mais gasto.
Ambas olhavam, mas a uma bastava descortinar pelos bocadinhos do vidro ainda transparente; à outra, tudo o que era visto através dos pequenos vidros parecia confuso.
Sentou-se. A acompanhante já tinha pegado no pente de cima de uma mesa pequenina, onde estavam outros pentes com alguns cabelos crespos e grisalhos presos aos dentes, ainda não partidos.
Poucas vezes tinha cortado o cabelo na vida. E diziam que tinha um cabelo bonito. Foi rareando e enfraquecendo.
A acompanhante fez-lhe uma trança, agora fininha, enrolou-a e prendeu-a com pequenos ganchos. E disse: agora está mais bonita.
Ela sorriu e foi até à cozinha. Apoiou-se na banca da cozinha e voltou a olhar para fora que, neste caso, era para o quinteiro interior da velha casa, e disse: é preciso regar os vasos. Não quero que sequem. As minhas irmãs também não gostavam.
E pareceu-lhe ouvir que não era preciso regar nada porque tinha chovido bastante. Fingiu acreditar mas, logo que pudesse, iria regar as begónias.
Talvez o melhor sítio para se manterem verdinhas, como as irmãs gostavam, fosse a máquina de lavar a roupa.
E não deixaria que fechassem a janela para entrar sempre o sol.
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