Maria Keil
CONTOS DE FADAS
Era uma vez um conto de fadas. Estávamos
na terra do sonho; o castelo tinha torres
que chegavam à lua; e a noite quente do verão
entrava pela janela e tapava-nos
num aconchego de mãe. Neste sonho, não havia
ogres nem lobos maus; e um barco
branco esperava por nós, no porto da cidade,
para nos levar para o oriente onde o sol
nunca se põe. Nenhum de nós queria acordar
para não se esquecer deste sonho, e mesmo que
acordássemos, não iríamos abrir os olhos,
para não ver o que nos esperava, ao sair
do casulo dos sonhos. Mas se concordássemos,
e abríssemos os olhos, e víssemos que tínhamos
saído da noite para entrar no dia, que já não é
um conto de fadas, podíamos dizer uns
aos outros: “Este é o sonho de onde temos
de acordar, para voltar ao conto de fadas
onde a noite nunca se põe”.
Nuno Júdice, A
matéria do poema, Don Quixote, Lisboa, 2008, p.66
Da leitura e de algumas expressões deste poema surgiu um pequeno texto:
Aconchego de fadas
Era uma vez uma menina que não gostava de contos de
fadas. Preferia estórias de ogres e lobos maus porque, dizia ela,
eram mais reais e frequentes na sociedade que ia conhecendo.
Num dia de verão,
visitou um castelo e as suas altas torres. Tinha por perto o
amparo e aconchego da mãe. As férias pareciam um sonho e sentia
que a mãe era para si, cada vez mais, um porto de abrigo, um barco
branco em que sempre podia viajar.
A menina, quando era mais menina ainda, tinha adormecido,
muitas vezes, ao som de contos de fadas e de cantigas de embalar que rimavam:
para bem adormecer e para, sossegadamente, acordar.
Um dia, a menina, já adolescente, recordou os anos em que
ouvia ou lia contos de fadas com entusiasmo. Encantada por esses seres
minúsculos e míticos, não perdia, na sua infância, a esperança de ver a
transformação da realidade pelos poderes da varinha de condão.
E, como se esse toque de magia perdurasse, numa manhã de
sol, deu consigo a pensar que os contos de fadas ajudam a subir mais alto, como
às torres de um castelo, onde, tal como no casulo dos sonhos, a noite
nunca se põe. Seriam outra forma de aconchego em todos os caminhos
que ia percorrendo.
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