Paula Rego
A
minha filha está sossegada, ao meu lado, no banco da frente, até que,
por fim, suspira e diz com a lógica poética de uma criança: “Isto
recorda-me aquele lugar em que eu gosto sempre de pensar.”
Barbara Kingsolver
Enquanto
relia um romance, eis-me chegado ao ponto em que a personagem
principal do livro, de doze anos de idade, acorda “ao som de algo que
era bem mais importante do que os pássaros ou o restolhar das folhas
novas… o som que indicava que o verão tinha oficialmente começado…” Era o
som primeiro dos corta-relvas.
Pus de lado o livro e deixei a minha mente vaguear através dos meus verões pré-adolescentes há muito, muito tempo…
Quando
eu era miúdo, dias de verão queriam dizer beisebol. Levantava-me cedo,
deixava cair umas gotas de óleo no bolso macio e preto da minha luva,
colocava o taco num tubo cilíndrico e oco de metal que eu tinha
provisoriamente ajustado ao quadro da minha bicicleta e, depois,
pedalava até algum monte de erva recentemente cortada e banhada pelo
sol para então fazer umas rebatidas simples, roubar umas bases e correr
atrás das bolas ainda no ar, até que o céu ficasse cor de índigo.
Nas
manhãs mais quentes podiam encontrar-me no cais da baixa da cidade,
com o meu isco de minhoca a tentar provocar algum lúcio ou salmão, com
os pés baloiçando ao dependuro, a ler o Tarzan e alguns livros de
aventuras.
Mas
a melhor parte dos verões da minha infância eram aquelas duas semanas
de agosto que eu passava nas montanhas com a minha irmã, a minha mãe e o
meu novo padrasto, numa cabana que ele próprio tinha construído. Neste
mundo de verão, o sol nascia atrás de uma ravina, passava
languidamente por cima da cabana abrigada da luz e deslizava por detrás
de uma cordilheira arborizada, deixando às estrelas o comando absoluto
daquele céu azul tinta das montanhas.
Por
detrás da cabana havia um riacho a que eu nunca tinha descoberto o
fim. Calçando as minhas botas, eu andava na água saltitando por cima de
pedras parcialmente submersas. O meu lugar favorito era um pequeno
ramal ribeiro acima, a cerca de 1 Km de distância, onde a água se
ramificava em três charcos profundos, escuros e bordejados por seixos.
Era aí que as rãs viviam –
algumas, verdes como folhas, outras quase pretas e todas elas
escorregadias e lustrosas. Eu apanhava-as e dava risadinhas quando elas
se contorciam, coaxavam e arregalavam os olhos quando ficavam presas a
algo. Às vezes, fazia-lhes caretas e arrastava-as através da água
fazendo sons como um barco a motor. Por fim, arremessava-as de novo ao
charco e logo tornava a tirá-las, na minha odisseia ribeiro acima,
tentando apagar da mente a ideia da inevitável chegada de setembro.
O verão era, então, especial. Mais que uma estação, era um lugar.
Era
um lugar onde se podiam fazer mergulhos infindáveis, tipo canhão ou
parafuso, da prancha mais alta ou chapinhar sem qualquer propósito na
grande “piscina” sem a obsessão do fator de proteção solar. Um lugar
onde os olhos podiam seguir os movimentos daquela miúda que se sentara
ao nosso lado, nas aulas, durante todo o ano – e que agora parecia tão
diferente de fato de banho –
deslizando entre opalas e turquesas no grande charco, o longo cabelo
ondulando atrás dela. Um lugar onde se podia sorrir à mãe de modo
trocista através de um bigode de melancia, dormir no quintal das
traseiras (antes dos dias em que o ar condicionado tornou as estações
todas iguais) e lançar estrelinhas de fogo-de-artifício.
Nos verões do passado, quase tudo o que era bom passava-se no exterior.
Uma
noite, quando estava fora de casa, ao frio da montanha, olhando as
estrelas cadentes que, todas as noites, riscavam de fogo o céu, a minha
mãe disse-me: “Pede um desejo, querido.”
Eu tentava, claro, mas era difícil pensar num. Tudo aquilo que eu poderia pedir estava ali – bem à minha volta.
Doug Rennie
Jack Canfield; Mark Victor Hansen; Steve Zikman
Chicken soup for the nature lover’s soul
Florida, HCI, 2004
(Tradução e adaptação)
Tenho uma tradução deste livro ou de um parecido com o mesmo título, em português. Gosto muito de quase todas as histórias.
ResponderEliminarBom dia, Gábi
ResponderEliminarAinda bem que gostaste.
De facto, o Clube Contadores de histórias, constituído por um grupo de professores, faz excelentes escolhas.
Costumo receber uma história semanal e gosto sempre de a partilhar.
Beijinhos
M.