quarta-feira, 25 de julho de 2012

O solitário da rua

 Mário Eloy
 
Depois de sair da repartição, passou pelo supermercado. Logo à entrada, viu umas jovens com um bloco e caneta na mão. Uma delas aproximou-se dele com um sorriso forçosamente amável (era incrível, por mais que se desviasse, nunca escapava a estas entrevistas).
- Boa tarde. Posso fazer-lhe umas perguntas sobre o consumo de água?
- Tenho pouco tempo.
- Só o ocupo uns dois minutos. Primeiro e último nome...
- José Martins.
- Contacto...
- Só para os amigos.
- E e-mail tem?
- Sim, tenho.
- Pode fornecê-lo?
- Sim
- Idade
- 55
- Não parece.  Estado civil...
- É pessoal.
- Desculpe, não percebi.
- É pessoal.
- Estado civil. Se é solteiro, casado, viúvo...
- Eu sei o que é o estado civil, mas é pessoal.
- Eu aqui, então, não posso pôr nada.
- Como quiser.
- Número de pessoas com quem vive.
- Depende.
- Depende?
- Sim, depende.
- Mais ou menos.
- É difícil dizer.
- Assim também é difícil continuar a entrevista para lhe oferecermos uma garrafa de água.
- Não faz mal. Bom trabalho.

No regresso a casa, pensou o que aconteceria àquela jovem se fosse  mal sucedida em todas as entrevistas. Seria mais um número para o desemprego. 

Quando abriu o portão, logo ouviu os cães. Quando lhes deu água, pensou que tinham sorte.

4 comentários:

  1. Bem visto! Ainda há poucos dias se passou o mesmo comigo. Gostei do registo / crónica. Beijinhos
    Fernanda Afonseca

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  2. Olá, Fernanda, que bom ter-te por cá!

    Por acaso, também me ocorreu uma situação parecida, daí tê-la adotado para o "solitário da rua".

    Habitualmente falo do que vou vivendo/observando. Imaginação fértil vive é na tua irmã.

    Já a pus também no Diário de Mariana - é a prima Za.

    Beijinhos
    M.

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  3. Penso que só uma vez é que parei para responder a um questionário assim. A certa altura queriam que eu fosse a uma loja perto para receber ou comprar alguma coisa e como não tinha tempo, "fugi".

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  4. Olá, Gábi

    Eu também tento sempre "fugir". E então pelo telefone é que não ganham mesmo cliente.

    É lamentável que haja estas estratégias, que parecem "transparentes como água", para a venda de produtos não anunciados. Mas como há quem caia...

    Beijinhos
    M.

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