Uma das figuras da minha aldeia, na minha infância, era o regedor. Nesse tempo, nunca lhe conheci o nome. Nem quase ninguém, acho eu. Era o regedor e bastava. Para o baixo mas entroncado, a sua voz forte ouvia-se à distância. Só a calava se queria chegar a qualquer lugar pela calada e assim surpreender o infrator.
Quase toda a gente tinha medo do regedor, porque ele tinha o poder de dar voz de prisão. Por isso, quem roubava alguma galinha, ou hortaliças dos campos, ou fruta das árvores, ou chamava nomes a alguém, etc. logo se dizia que ia ser chamado ao regedor.
O regedor era casado e tinha filhos. A mulher andava por casa e de avental; os filhos escondiam-se no meio do milho e atiravam pedras. Sabia-se que eram eles mas, como eram filhos do regedor, ninguém os acusava. O melhor era não fazer queixa, porque ele podia ficar zangado, saber de coisas que ninguém sabia, inventar outras e, assim, tramar os queixosos, sobretudo os mais fracos.
O tempo foi passando, chegou o 25 de Abril e o regedor perdeu, naturalmente, a função. Recolheu a casa e quem o via a tratar do quintal dizia que parecia mais pequenino e que a terra lhe tinha colhido a voz.
Poucos anos depois, morreu. Desde que tinha deixado de ser regedor, as pessoas da aldeia chamavam-no pelo nome e, no dia da sua morte, diziam umas às outras: Morreu o Amado.
Dizem que alguém acrescentou num desses momentos: Morreu o Amado. Morreu aquele que nunca o foi.
Têm má fama os regedores. E justificada. O da minha terra, que se metia nos copos e cuja escada em caracol me assustava de morte (não conseguia subir, tolhiam-se-me as pernas e tinha de ser levada ao colo), é responsável pelos nomes mais dissonantes que se possa imaginar - distorcia uns e inventava outros em nada semelhantes aos propostos pelos padrinhos. Há casos de pessoas cujo nome diverge do que lhe foi atribuído; conheço uma Suzete a quem ele pôs Joaquina e o erro só foi detectado na matrícula da primária; portanto a garota foi instruída a assinar Joaquina apesar de ser Suzete para toda a gente. Mas existem muitos mais casos, alguns graves, deram origem a prisão nos tempos da velha senhora, outros são apenas risíveis. Mal o lugar foi extinto, partiu para parte incerta.
ResponderEliminarOlá, Bea. Esta dos nomes não conhecia. Que poder imenso de mexer no próprio nome das pessoas. E a grande maioria dos habitantes das aldeias obedecia porque tinha medo de cair nas garras da PIDE. Vivia- se de medo e no medo.
ResponderEliminarAgora há outros medos, mas a Liberdade vai marcando presença. Felizmente.
Um abraço, Bea