A minha escola primária ficava a mais de um km de casa. Eu ia a pé, como a grande maioria das crianças, fizesse sol ou estivesse a chover. E os poucos transportes públicos não entravam sequer na equação. Lembro-me de uma menina cujo pai tinha carro e tempo de a levar e trazer. Só a menina entrava no carro e, mesmo quem morava muito perto nunca tinha a sorte de ter boleia. Havia meninas vizinhas que sonhavam chegar a casa de carro. Nem que fosse só uma vez.
Um dia, vinham duas meninas a pé da escola. Uma delas era a menina cujo pai tinha carro, mas, nesse dia só muito dificilmente chegaria a horas, daí o atraso. Nisto, o carro do pai da menina parou e ela entrou logo de seguida. A outra menina, sorrindo ingenuamente, dirigiu-se com ela também à porta. Seria naquele dia que chegaria de carro a casa. Porém, a porta logo se fechou e o carro arrancou. A menina viu-o desaparecer e continuou em desconsolo o seu percurso a pé.
Dentro da escola, as aulas decorriam como sempre. As duas filas da frente eram ocupadas pelas meninas que iam fazer o exame de admissão ao liceu, tal como a menina que tinha entrado no carro do pai e fechado logo a porta sem quaisquer palavras de despedida para a menina que ficará em terra. O grupo sobressaía pelas batas branquíssimas de entremeios de rendas.
Nas filas a seguir, ficavam as meninas remediadas, de rostos bastante bem alimentados, mas que não iam continuar a estudar. Seguiriam o caminho das avós e das mães. Nas filas de trás, estavam as meninas mais pobres, algumas delas descalças, mal vestidas e muito magras. Eram as que menos sabiam as matérias e as que mais apanhavam com a régua porque não faziam os deveres e não aprendiam a fazer as contas. Eu estava no grupo das remediadas e numa das filas atrás de mim estava a Berta. Nunca mais a vi depois desses tempos de escola primária antes do 25 de Abril de 1974. Não sei se a reconheceria se a visse agora. Quase de certeza que não. Nem ela a mim. Seria mais fácil o reconhecimento se houvesse o espírito de entreajuda, e não degraus a fechar ou a descer cada vez mais.
Valeu pelo texto. Gostei bastante.
ResponderEliminarBoa semana!
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Até mais, Emerson Garcia
Obrigada, JJ, boa semana também.
EliminarBom dia
ResponderEliminarA juventude de agora ao ler este texto tem dificuldades em compreender o seu verdadeiro significado com certeza.
JR
Sim, muita dificuldade, o que também é bom: é sinal que já nasceram em liberdade e aos cidadãos são atribuídos direitos e deveres que, se forem cumpridos, tornam as pessoas mais iguais e felizes.
EliminarBoa semana, Joaquim