sábado, 27 de abril de 2024

A favor de mim falo e não só, é claro!

 

O título parece um tanto vaidoso, porque o mais comum é dizer-se ‘contra mim falo’. Há dias que penso nisto e hoje resolvi arriscar, não só a pensar em mim, mas em muitas mulheres do meu tempo (não gosto desta expressão, mas à falta de melhor…).

Pois bem, antes do 25 de Abril, a grande maioria das raparigas não prosseguia estudos para além da 4a classe e bastantes até ficavam aquém desse ano de escolaridade. Umas porque tinham de trabalhar para a família, outras porque o destino da mulher seria aprender a ser boa dona de casa e a ser cuidadora - dos filhos, do marido, dos mais velhos… e para isso entendia-se que não eram precisos estudos. O pensamento do governo vigente era até que quanto menos se soubesse, mais submissão  (palavra que detesto) havia, o que dava bastante jeito à ditadura.

Aqui entra a D. Lucinda, a minha professora da 4a classe que muito insistiu para que eu continuasse os estudos. De nada valeu, mas desse elogio nunca me esqueci. E talvez ficasse a germinar, porque uns anos mais tarde retomei os estudos e, felizmente, com sucesso, porque concluí o meu curso na Faculdade de Letras do Porto.

Conheci outros casos que, como eu, apesar de os estímulos serem escassos, não desistiram do sonho de  estudar e fazer outras coisas de que também gostavam e a que tinham direito por mérito próprio. 

Porém, não foi nada fácil sobretudo frequentar turmas em que os outros alunos eram muitíssimo mais novos, fazer exame no liceu em que tudo era desconhecido, etc, mas até à Faculdade, a cujo exame de admissão dispensei, cada aprovação era um passo em frente e um obrigada tácito à minha professora por ter acreditado em mim, ajudando-me a acreditar também mais um bocadinho, num tempo em que o elogio era fugidio, para não dizer ausente.

Talvez por causa disso, às vezes na minha vida sinto ter chegado tarde, mas fui chegando a algumas coisas para as quais não parecia estar predestinada, digo para mim própria em horas de mais otimismo.

E tantos casos houve semelhantes ao meu, sobretudo de raparigas que gostavam de ter continuado a estudar, mas não o puderam fazer na devida altura, faltando-lhes a força de recomeçar mais tarde e tornando a sua vida bem mais triste.

Felizmente, para além de falhas e erros, todas as crianças e jovens têm o direito e o dever de frequentar a escola, um dos maiores bens que o 25 de Abril nos trouxe. E, apesar do cansaço justificado de muitos professores, o trabalho educativo que se faz nas escolas é imenso e com imenso amor. Mas tantas vezes desconhecido. O que vale é que o estímulo fica em muitos alunos, como também me ficou o da minha professora da 4a classe.


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