terça-feira, 18 de julho de 2023

O rapaz das lágrimas

 

Já no aeroporto de Gatwick, cheguei à fila da TAP para regressar ao Porto. Do outro lado da fita separadora, vejo um jovem triste lendo e escrevendo no telemóvel. Parecia estar a receber uma má notícia. Cerrando os lábios, os olhos enchem-se de lágrimas, que tenta conter e disfarçar, limpando-as com gestos rápidos.  

Fito-o, mas logo desvio o olhar. Estou a ser indiscreta, penso para mim. Não resisto e volto a fixá-lo. Apetece-me sorrir-lhe para lhe mostrar solidariedade. 

Deixa-o em paz, Maria, não és a Madre Teresa de Calcutá. Ele prefere passar despercebido, continuo a dizer para mim.
Reparo que ele repara que o observo e desvia o olhar.
Mais uns passos e deixo de poder olhá-lo de frente pelo evoluir da fila.
Deve ter ficado aliviado, continuam a dizer-me os meus botões.
 
Já no avião, vejo o rapaz das lágrimas a entrar. E mais surpresa fiquei quando se sentou  precisamente a meu lado - ele do lado da janela, eu no lugar do meio.
Que coincidência, pensei eu.
Já de cinto apertado, ousei perguntar-lhe:
- Are you ok? 
Sorriu, respondeu que sim e acrescentou que ‘a friend’ tinha mudado de cidade. 
Sorri-lhe. 
 
Passado algum tempo, já no ar, ele dormia a bom dormir com o rosto apoiado na camisola que encostou à janela, por onde eu via o céu azul-avermelhado de fim de dia.
Como o assento do lado do corredor estava vazio, mudei-me para lá. 
Assim, ele tinha mais espaço para esticar as pernas compridas e, mais confortavelmente, continuar a dormir. E, só ele sabe, talvez a sonhar.


6 comentários:

  1. Foi uma tristeza que, na aparência, foi vencida pelo sono (talvez nem fosse tão grande; ou foi a descida da adrenalina a provocar a sonolência). E a Maria deu espaço.
    E gosto que volte a casa. Embora, neste conversar, a distância seja uma espécie de constante matemática. Acho que gosto por si, penso que revê as suas coisas e as suas plantas, e há todo um mundo de pertença que retoma.

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    1. Sim, uma tristeza juvenil que muitas vezes é bem maior do que parece, mas que um bom sono também ajuda a afastar.
      A minha mãe, que adorava estar em casa a tratar, dentro e fora, das suas coisas, exclamava muitas vezes: minha casinha, meu lar!
      E não é que também muitas vezes repito a expressão??
      Um dia bom, querida Bea.

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    1. Também era fácil no momento, amigo Ricardo!
      Um dia bem poético!

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  3. São os "contratempos" ou as situações do dia a dia. Gostei de ler:))
    .
    É preciso acreditar...
    .
    Beijos, e uma boa noite.

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    1. E também as amizades e paixões juvenis - que causam desgostos, mas também alegrias.
      Um beijinho, Cidália

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