A manhã vai a meio,
a chuva continuada faz-se ouvir na vidraça
e também de vez em quando um avião
que segue em linha para Heathrow.
Sobre a mesa,
a caneca com café quente
e o pratinho de panquecas
de farinha de grão de bico,
gostosas e cheirosas,
oferecidas pela vizinha judia.
Também o livro com marcador
no meio da história
e um croissant num saquinho para
quando a menina chegar da escola.
Como é 6a f, ela sai às três da tarde.
Quando chegar a casa,
tirará o capacete cor de rosa
que sempre usa
quando vai e vem de scooter,
percorrendo o parque, onde rosas e mais rosas se abrem,
e logo depois a rua comprida e multicultural,
onde há lojas e mais lojas
de todos os alfabetos e origens,
de todas as utilidades,
de muitas inutilidades,
de sabores, cheiros e odores.
Um sem abrigo vive o dia numa esquina,
olhando sempre para ambos os lados,
como à espera de um godot qualquer.
Depois de levar a filha à escola,
e para ganhar tempo,
porque poucas horas depois
são horas de ir buscá-la,
a mãe acelera o trabalho no computador;
a avó respira o sossego da casa,
olhando as árvores quietas lá fora,
por onde passa uma chuva miúda,
deixando gotas em suspenso,
e pergunta-se se merece
esta calma alegria,
sentindo em si
pingar pingos frios
de persistentes culpabilidades antigas,
que vai tentando abandonar
por caminhos dos dias.
E os dias agora vividos
são de menos mobilidade
pela operação urgente
ao apêndice,
um dia depois da chegada a Londres;
sem poder entrar mais na cidade
que também aprendeu a amar,
talvez por lá viver uma das duas mais belas partes
que nasceram de si.
Ah! E a orquídea da casa,
com as raízes antigas em vaso/baldinho que já brincou na praia,
continua, no seu silêncio tranquilo, a florir.
Muito bem. Gostei deste diálogo. Obrigada pela partilha!
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É preciso acreditar...
.
Beijos, e uma otima semana!
Que bom, Cidália.
EliminarUm fim de tarde luminoso.
Um beijinho
Lindo de ler. O meu aplauso e elogio
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Cumprimentos poéticos
.
Pensamentos e devaneios poéticos
.
Sempre elogioso e simpático. Que bom.
EliminarQue o fim de tarde traga muita poesia.
Que serenidade respira este texto. É todo ele feito de serena aceitação. Com que então uma operação ao apêndice. Que coisa. Vai uma pessoa para Londres ver a família e zás, ingressa no hospital. Mas que fazer? A doença não escolhe hora (ou escolhe, sabe-se lá). Desejo-lhe rápida recuperação. Estar em casa da filha pode ser sorte e ajudar a recuperar com mais segurança. Meia cura vem-nos do carinho com que os outros nos tratam, não é mesmo?
ResponderEliminarSe é história inventada, olhe, está mesmo bem, tudo nela parece verdade.
Não, Bea, nada inventado. Nada mesmo. Se calhar, por ter sido apanhada de surpresa (felizmente nunca tinha estado internada em parte alguma) e ter sido tudo tão rápido, nem cheguei a desanimar nem a esmiuçar muito o azar.
EliminarNa semana que pensava sobretudo ajudar a minha filha, acabei por ser ajudada por ela. E, parece esquisito dizê-lo, mas este incidente trouxe-me momentos bons. Não as dores, é claro!
Certo pode ser ter planos, poder cumpri-los é que é mais incerto.
Um abracinho, Bea, e bom fim de tarde.
O homem põe e Deus dispõe - Deus ou o que chamem à interferência.
EliminarO que interessa é que já se sinta bem. E é verdade que nenhum mal é inteiro e há bens que nos vêm por ele.
Quanto aos planos, é igual; por vezes são como castelo de nuvens que o vento desfaz. Planificamos no ideal e a vida acontece noutra secção:). Em contrapartida, também nos surgem inesperados que ajudam ao caminho. O ter e o haver variam qb em cada humano. Mas, as pequenas alegrias são para sempre, repetem-se e, por norma, são grátis. E há a grande, a infinita beleza do mundo.
Boa recuperação, o apêndice não faz falta nenhuma:). Deixe-o ser inglês naturalizado. E acabou.
Bom dia, Bea. Que bela reflexão para começar o dia. E a qualquer hora, é claro.
EliminarUm abracinho e um dia belo também.
Gostei muito de a ler Maria Dolores, como uma entrada no seu diário, que não sei se pratica. Em primeiro lugar desejo sincero de rápido restabelecimento, embora a cirurgia seja considerada das mais simples, por vezes traz complicações, mas não há-de ser o caso. O que achou do SNS de sua majestade ou da clinica privada? Foi bem tratada?
ResponderEliminarNunca provei panquecas de farinha de grão de bico, os meus breakfasts resumem-se a torradas com café com leite se em casa e ovos mexidos (adoro) com bacon quando em hotéis. Sempre com café.
A menina vem de scooter? Agarradinha à mãe? Explique lá isso s.f.f. Aqui onde moro tenho visto uma mãe com bicicleta elétrica com duas cadeirinhas acopladas levar as duas filhas. É um espetáculo de se ver, todo o mundo pára e ela segue toda lampeira!
Que bom respirar o sossego da casa aproveitando a calma alegria. Alegria breve, como diria o meu querido Vergílio Ferreira.
Fala em rosas. Quando fui a Londres visitei o Queen Mary's Rose Gardens. É esse?
Tudo de bom para si e família e grato pela partilha.
Também gostei muito de o ler, Joaquim. Às vezes escrevo no diário, mas, como não sou muito disciplinada, é só de vez em quando.
EliminarEm tempos, cheguei a escrever aqui o 'Diário de Mariana', uma adolescente que contava, de forma um tanto ficcionada, o seu dia a dia. Juntava-lhe muita coisa que eu ia observando. Qualquer dia, retomo-o.
Sim, para já, as coisas estão a correr normalmente. Não posso é pegar em pesos durante umas semanas.
Fui a um hospital público - UCL Hospital - e gostei muito. Muito profissionais, simpáticos e boas as instalações (também é recente o hospital).
Não sei ainda é quanto vou pagar, porque o meu cartão europeu de saúde estava caducado, infelizmente. Quem viaja deve, de facto, tê-lo atualizado. É gratuito e passado pelo SNS.
Também nunca tinha provado farinha de grão de bico, mas quero comprar. Parece ser mais saudável do que a farinha de trigo e o resultado é na mesma bom. Sim, uns ovinhos com café também sabem muito bem.
A minha neta usa muito a scooter. Lá chamam-lhe assim, mas é a nossa trotinete e não veículo a motor. Ela ainda não fez oito anos.
Também gosto de ver os pais a passear com as suas crianças. Penso sempre no poema de António Gedeão (se não me engano) em que 'Leonoreta vai de lambreta'.
Para além de várias ajudas que tive, felizmente, o sossego da casa foi muito bom e poder organizar o que eu podia para o bem-estar da família também.
Conheço esse belo jardim de que fala. Este é mais pequeno, e, nesta época, as rosas e outras flores estão lá com toda a força.
Tudo de bom também para si, Joaquim. Bom fim de tarde.