Tive de ir à cidade do outro lado do rio e já não foi a primeira vez que tal me aconteceu: perdi-me. Quando preciso, costumo usar o GPS do telemóvel, mas tinha-o no banco de trás, dentro da carteira e nem pensava sequer usá-lo porque a cidade fica aqui tão perto! Porém, em vez de entrar por uma via, entrei por outra. Ao dar conta, já era tarde, porque vinham carros atrás e qualquer desvio podia dar choque.
A solução era mesmo seguir em frente. E andei às voltas nos arredores profundos até encontrar a placa salvadora, depois de ter feito uns quilómetros a mais, ter desligado o rádio que já era só ruído, ter olhado o relógio várias vezes e ter vociferado bastante. Quando encontrei o rumo certo, respirei de alívio e liguei de novo o rádio.
Há uns dois ou três anos, fui com uma filha a uma cidade do sul da Holanda. Ela ia fazer uma formação e quis que eu fosse com ela. Para mim era bom, porque lhe fazia companhia no tempo livre e conhecia um pouco de um país onde eu nunca tinha estado. Ora, durante a manhã e a tarde, enquanto a minha filha aprendia mais sobre o seu mister, eu passeava pela cidade. Visitei igrejas, museus e uma tarde resolvi andar a pé à descoberta, com a consciência de que podia perder-me, mas não me importei porque a cidade era bonita, calma, plana e pequena. Assim aconteceu, mas voltei ainda a tempo ao local de partida e com imagens bonitas no meu telemóvel que à noite, enquanto jantávamos, mostrei à minha filha.
Outra vez, no tempo em que éramos todos vivos, fomos a Paris. À noite, resolvemos passear nas imediações do hotel e a uma certa altura já não sabíamos como regressar. Uns eram de opinião que o melhor era apanhar um táxi, outros nem pensar porque estávamos perto de certeza. Continuámos a caminhar e, de facto, não estávamos longe do hotel. Como chegámos irritados, fomos para os quartos e boa noite que se faz tarde. Só no dia seguinte, ao pequeno almoço, e já relaxados, falámos do assunto e ainda nos rimos.
O título destas peripécias de perdidos e achados foi roubado a Florbela Espanca, que eu lia vezes sem conta na minha adolescência. Aprendi até vários sonetos de cor e um dia fiz um à maneira de Florbela. Para mim, era uma obra-prima que segurava ufanamente na mão numa folhinha manuscrita e arrancada de um caderno. Logo mostrei à minha irmã, que nunca dizia sim só porque sim. Traduzindo a reação dela, dá mais ou menos isto: 'deixa-te disso de imitações'. Afinal, a minha 'obra-prima' nem parente afastada devia ser! Continuei, porém, a folhear o livro (ainda o tenho), a ler os sonetos e outros poemas, mas fiquei-me por ali. Obrigada, mana, só é pena já não leres estas minhas palavras nem os livros que eram das páginas mais importantes da tua vida.
(...)
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...'
Florbela Espanca
(Vila Viçosa - 1894 / Matosinhos - 1930)
Um texto cheio de boas recordações.
ResponderEliminarGostei de ler.
Abraço, saúde e bom fim de semana
Obrigada, Elvira.
EliminarMuita saúde também. Espero que esteja melhor!
Beijinhos
Vejo ali ao lado a capa de O Infinito num Junco, que acabei de receber! Vou "atirar-me" a ele, estou ansiosa…
ResponderEliminarEstou a gostar muito, mas ainda só li as primeiras páginas, porque tenho tido bastantes afazeres. Vou ver se me 'atiro' a ele no fim de semana.
EliminarBoas leituras.
Boa tarde minha querida amiga Marina, obrigado por nos trazer seu texto maravilhoso. Bom final de semana.
ResponderEliminarObrigada, Luiz.
EliminarFeliz fim de semana e muita saúde.
Não vale a pena pôr-me a citar as vezes em que me perco. A falar verdade é raro dar-me por encontrada e, sem átomo de poesia, ando na vida perdida. Bastante menos poeticamente que Florbela, sou a que na vida não tem norte. Mas pronto, já aceitei a desorientação que me guia e o facto de nunca saber verdadeiramente onde estou já que o mapeamento dos lugares não me existe, a minha mente foi concebida sem geografia.
ResponderEliminarO Infinito num junco também me pareceu boa e bem contada história. Talvez o compre. Mas não agora.
Olá, Bea. Fico mais aliviada: não sou só eu que me perco! Tenho de passar várias vezes num sítio para não me enganar, a não ser que haja alguma coisa que me chame mesmo a atenção!
ResponderEliminarVou ver se este fim de semana avanço na leitura do livro. Do que já li gostei.
Uma noite descansada.
Desculpe, mas até fico contente de ler este texto tão giro! Porque não tenho nenhum sentido de orientação. Mas NENHUM! É uma coisa que me deixa triste. Até num hospital onde vou fazer um exame, me perco e não encontro a saída. Não é triste?
ResponderEliminarGosto muito das fotos de flores que colocou ali ao lado, principalmente da primeira. Tão bonitas!
Beijinhos:))
Isabel, isso também me acontece muitas vezes. Então num centro comercial nem tem conta. Para não falar de encontrar o carro que ficou no parque!!! Se não estou com pressa, penso calmamente: hei de lá chegar!!! Se tenho pouco tempo ou as compras são pesadas, já é menos divertido.
EliminarUm beijinho, Isabel, e bom fim de semana.
As florzinhas azuis ao lado foram mandadas pela minha filha que vive em Londres.
EliminarLendo suas palavras, me lembrei de um antigo chefe que adorava se perder. Ele olhava uma comunidade, e pensava... vamos desbravar? E lá ia ele todo feliz conhecer uma nova região.
ResponderEliminarPor essas descobertas, ele ainda é um importante representante comercial de moda, e veste grande parte do povo catairnense. :D
Curioso. Pelo que diz, ele devia ser bem mais aventureiro do que eu. E como criativo, devia encontrar bons motivos de inspiração.
EliminarBom fim de semana, Calebe.