Durante muito tempo, fui o solitário da rua. Os dias da semana eram passados casa-trabalho/trabalho-casa. Dizia bom dia ou boa tarde aos vizinhos e poucas palavras trocávamos porque andava cada um na sua vida.
Um grupo de vizinhas passava longo tempo à porta a conversar, depois da casa limpa, roupa lavada e passada... Isto imaginava eu, porque, apesar de ser o solitário da rua, também dava comigo a recriar algumas vidas.
Quando eu passava, sorriam-me, boa tarde, sr António, como vai, Sr António, e, após uns momentos de parado silêncio, retomavam o falar alheio, repetindo os gestos e as palavras interrompidos à minha passagem.
Sou uma espécie de ave rara que vive na rua. Vivo sozinho, trato da casa, do jardim e do quintal e não recebo muitas visitas. Agora nem visito ninguém nem ninguém cá vem, porque o tempo é de pandemia e todos os tornámos solitários da nossa rua.
Tenho cumprido o meu horário na repartição, mas, quando regresso a casa, não tenho visto as vizinhas, o que me faz sentir saudades. Talvez tenham criado um grupo doWhatsapp. Mesmo assim, a quarentena deve estar a custar-lhes bastante.
Os fins de tarde eram sagrados para mim, depois de ter respondido a tantas perguntas, ajudado a preencher papéis, ouvido a máquina a chamar pelo número da senha dos utentes, tentado acalmar os mais infelizes e exaltados...
Agora faz-me impressão ver a repartição vazia, a rua vazia. E não ouvir boa tarde, Sr António; como vai, Sr António...
Quando passar, vou olhar para a janela. Se alguma delas lá estiver, vou acenar-lhe.
Dias estranhos estes. Espero que um destes dias elas vão aparecer e responder ao seu acenar :)
ResponderEliminarum beijinho e uma boa noite
Sim, espero que sim. Para dar mais alegria às nossas ruas e a muitas vidas.
ResponderEliminarUm beijinho