A menina – ela tinha
dois nomes e um deles era Maria – morava numa casa muito alta. O lugar era
sossegado. Os carros que lá passavam eram quase todos dos moradores das casas
vizinhas.
Das janelas via
muitas árvores e também o rio Douro. Os pais, ou quem os visitava, olhavam a paisagem tranquila. Esticavam o pescoço
para verem melhor. Maria sentava-se e punha-se a brincar. Gostava sobretudo de
representar diferentes papéis.
De uma
psicóloga que queria ajudar uma criança aflita; uma médica que dizia que era
preciso comer sopa; uma amiga da mãe que fazia compotas deliciosas; uma
professora que gostava de adivinhas; uma avó que fazia malhas para oferecer aos
netos; uma colega que era muito refilona…
Não se
importava de estar sozinha e improvisava tanto que perdia a conta ao tempo em que
o fazia. Desde que começava a brincar nem sabia se tinham passado muitos ou
poucos minutos. Ou até horas. Só se lembrava do tempo quando tinha fome e tinha
de ir lanchar.
Pois bem, o
sítio dos brinquedos deixava ver o céu e, se era possível vê-lo de dia, também
era visível à noite. A menos que a mãe dissesse: vou fechar a janela, porque
vem trovoada e faz-me impressão.
Ou então: não
quero a janela aberta, porque, com a luz acesa, as pessoas veem-nos cá dentro.
Maria ficava a
pensar que mal fazia ver alguns relâmpagos e que as pessoas os vissem dentro de
casa. Estavam a fazer alguma asneira? Havia coisas que não entendia.
E a menina
também gostava muito do quarto dela. Era pequeno, mas tinha bonecos e brinquedos
coloridos. E uma janela muito alta. Começava acima da parte mais alta da
mobília. A janela tinha uma cortina grossa. A mãe, quando ia ao quarto dizer
boa-noite, aconchegar a roupa e contar uma história, corria a cortina e dizia:
Dorme bem, querida.
E Maria dormia,
mas…
Quando ficava
sozinha, antes de dormir, saltava para uma cadeira, depois para a cómoda e
abria a cortina. Assim, podia ver o céu mais aberto. A lua tanto era uma laranja
como uma fatia de melão. As nuvens tanto estavam inchadas como corriam
levezinhas…
E as estrelas,
as estrelas nem se podiam todas contar. Apenas olhar, fixar, vê-las a brilhar…
A mãe já lhe
tinha contado a história de uma estrela. Ou até mais do que uma.
E, antes de
adormecer, contava para si essas histórias e, olhando a janela alta que deixava
ver o céu, contava as estrelas que via: uma, duas, três…
até que
adormecia de vez.
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