Este texto tem circulado nas redes sociais.
Por achar que conta uma verdade muitas vezes desconhecida,
também o partilho
"A vida dos
médicos privilegiados
Sou médica interna. Sou médica
daquelas que demoram muito. Não entupo urgências, porque não trabalho lá, mas
deve estar muita gente à minha espera, na sala onde se espera. De certeza que
pensam que sou “estagiária”. Não tenho carro, vivo numa casa alugada, pago as
contas (às vezes em atraso). Trabalho, estudo, vivo em constante preocupação
porque tenho que estudar mais, tenho de fazer relatórios e posters e
apresentações. Vivo entre exames, artigos científicos e isso sim, trabalho,
muito trabalho. Ao meu lado estão outros médicos internos. Raramente adoecem..
estão lá, ganham o mesmo que eu. Estou motivada, mas menos motivada, estou lá,
mas às vezes penso que devia estar noutro sítio. Às vezes chego ao fim do mês à
justa. No talão diz 1800… acho…, mas chega bastante menos à conta na CGD. Não
sou especialmente ambiciosa. Nem especialmente poupadora nem gastadora. Compro
roupa na Zara e móveis no IKEA (dos baratos). Tenho o apartamento alugado meio
vazio, mas não faz mal porque passo lá pouco tempo. Tenho uma secretária de
1,50m de largura no trabalho, que está sempre muito cheia. Tenho o novo
corretor ortográfico no computador, mas irrita-me. Vou à pagina da
Ryanair quando estou pensar em férias. Mas cada vez penso menos. Não tenho
animais de estimação, mas gosto de animais de estimação. De manhã acordo
mais tarde do que devia, mas chego a horas ao trabalho. Vou a pé, porque vivo
na baixa (isso deve ser um luxo). Estou inscrita num ginásio ao qual raramente
consigo ir. Cada vez que abro o facebook vejo salários de políticos aos quais
não sei atribuir significado. Depois vejo salários de médicos que não conheço.
Às vezes leio os comentários das pessoas revoltadas com o que ganham os
médicos, com o bem que vivem. Eu devo ser da classe privilegiada, porque sou
médica. Não tenho carro, não tenho casa própria, não tenho um iphone, porque me
parece excessivamente caro. Ganho 1200 euros. Tenho 30 anos. Matei-me a estudar
na faculdade, tenho o trabalho em dia, mas não sou lá muito inteligente porque
me esqueci de pagar a conta da edp. Na sexta-feira cheguei às 21:00 a casa
(devia ter saído às 18:00) e tinham-me cortado a luz. Tenho de me organizar
melhor. Na televisão não falam dos sacrifícios, não dizem que fiquei horas a
mais a fazer o trabalho que estava a menos, porque sou lenta talvez… Deve ser
isso. Não fui para a night porque estava esgotada. Dormir é uma das minhas
grandes prioridades. Não vou muito ao cinema, nem vou aos eventos culturais de
que gostaria. Não viajo muito, nem vou jantar a restaurantes caros. Sou médica…
é verdade. Médica interna, jovem inexperiente. Daqueles que entopem
urgências e custam muito dinheiro ao estado porque estão em formação… Deve ser
melhor para os recém-assistentes que estão à espera do contrato para a semana
há um ano… Ao longo do internato que vejo passar… só vejo as coisas piorar. Mas
estou muito motivada, amanhã vou trabalhar".
Ana Cátia Morais
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