Da minha janela, veem-se camélias cor-de-rosa, raiadas de branco.
Como seria bom se de todas as janelas se vissem camélias!
Ou outras flores. Ou árvores.
Ou outras flores. Ou árvores.
A propósito, lembrei-me de um pequeníssimo conto que partilho de novo:
Dois
velhinhos
Dois pobres
inválidos, bem velhinhos, esquecidos numa cela de asilo.
Ao lado da
janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá
fora.
Junto à
porta, no fundo da cama, o outro espiava a parede húmida, o crucifixo negro, as
moscas no fio de luz. 
Com inveja,
perguntava o que acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro: 
— Um
cachorro ergue a perninha no poste.
Mais
tarde: 
— Uma menina
de vestido branco pulando corda.
Ou ainda: 
— Agora é um
enterro de luxo.
Sem nada
ver, o amigo remordia-se no seu canto. O mais velho acabou morrendo, para
alegria do segundo, instalado afinal debaixo da janela.
Não dormiu,
antegozando a manhã. 
Bem
desconfiava que o outro não revelava tudo.
Cochilou um
instante — era dia. Sentou-se na cama, com dores espichou o pescoço:
entre os
muros em ruína, ali no beco, um monte de lixo.
 Extraído do livro de Dalton Trevisan - Mistérios
de Curitiba, Ed. Record - 
Rio de Janeiro,1979.

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