domingo, 19 de maio de 2013

Quatro poemas de Manuel Gusmão

um risco na página
um gesto furtivo
um movimento
de queda
na sombra
da sombra
de um corpo, uma boca: 

alguém chama — palavras contra
o sentido, contra a direcção
do vento

***
O rio divide-te entre
as margens montanhosas
pelas pedras
que saltando
vais de
onde vens
rosto de quem
uma borboleta
brilha na claridade
do súbito assombro.

***
a lagartixa
o pequeno sáurio
miniatura sobrevivente
de uma adaga pré-histórica
deixa cortada
e de si separada
a cauda, a lâmina em movimento
que fica para trás e deixa fugir
o tronco e os seus velocíssimos
dois pares de pés.

***
o comboio de corda
cruza o sítio de partida
e fecha um dos zeros
do ∞ deitado no mapa
celeste
e se leste
até ao fim o seu movimento
viste-o fechar o outro zero
e caíste infinitamente
na terra finita.


Manuel Gusmão
[in Pequeno Tratado das Figuras, Assírio & Alvim, 2013]

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