Júlio Resende
A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —
Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde", 1974
Nota:
Peço desculpa porque o título do poema estava errado: "A Poesia vai acabar".
Obrigada, IA, pela atenção. Como dizes, realmente, nada acontece por acaso. A gaffe deve querer dizer, por certo, que a Poesia vai... continuar!
Pois, Dolores, hoje na Bertrand lá comprei um "livrinho" de poesia do MAP e já andei perdida e achada em várias páginas...
ResponderEliminarA ação de formação começa a dar os seus frutos!
Pelo menos, incentiva a economia... :-)
Deixo-te aqui um poema do Manuel, com muito Pessoa dentro. Ainda não descobri o significado do título (segunda-feira, verei se alguma alma caridosa de alemão me dá uma mãozinha. Penso que é alemão?)
Schlesiches tör
É domingo ainda e chove ainda
num vago jardim perdido.
Fora de mim qualquer coisa em mim finda
como em alguém desconhecido.
Como se fosse domingo
no desfeito sonho de alguém
sonhando comigo,
lembro-me (quem?)
de outro jardim, de outro domingo,
indistintamente existindo,
como eu próprio, em mim.
Agora em que jardim
alheio e indiferente
chove em mim para sempre?
Também eu sou outro
transportando um morto.
in “Todas as Palavras - Poesia Reunida (1974-2011)", Assírio & Alvim, 2ª edição
Tem um bom fim de semana com o Manuel, ou com outro poeta, ou com outrem e que vivo esteja!
beijinho
IA
Gostei tanto do poema que o reli vários vezes. julgo que qualquer ser humano nele se reverá. Há tantos "domingos" assim!
EliminarSim, as sessões da Ação de Formação "Para que raio serve a poesia?" estão a dar frutos. E assim, para haver frutos, também haverá mais árvores. E mais domingos como os do poema. Que vão amaciando o tempo.
Obrigada, beijinhos e bom domingo
M.
Pois, então, talvez eu acabe com a poesia e ainda vá observar pássaros (para ser mais útil).
ResponderEliminarSÓ VERSOS
Um dia, quando o ali estiver à mão
e vires o amanhã no teu relógio,
cuidarás que o ontem não foi em vão.
Tê-lo-ás como raiz, alicerce,
na terra plantado, ao céu erguido.
No tempo que passa, a vida cresce.
- Num mar de caminhos, um episódio
quer ver-se numa história com sentido;
o sal numa gota diz-se oceâneo. -
Verso após verso, cumpre o teu poema.
(À maneira de MAP, diria: Ainda não é o fim do período, mas estou à espera dele)
Beijinhos.
Belíssima interpretação do Tempo.
EliminarAinda escreverás muitos e úteis versos, buscando o tempo também de observar os pássaros.
"Verso após verso, cumpre o teu poema".
Obrigada,beijinho e bom domingo
M.
Ora, muito boa noite, Mariana, Dolores e restantes convivas!
ResponderEliminarPois cá estou eu para esclarecer o enigma que eu própria criei ao revelar o meu desconhecimento acerca do significado do título do poema de MAP.
Houve alma caridosa que confirmou as minhas pesquisas na NET e posso afiançar que o título é alemão e é o nome de uma estação de comboio, em Berlim!
"Tör significa porta, entrada e "Schlesiches" é o nome de uma localidade. Por isso, aquela seria uma das entradas no burgo que era Berlim em tempos idos, lá pela Idade Média...
E para que nada vos falte e compense o "suspense" criado, fica aqui uma cantiga que, de certo modo, também se adequa!
Ao poema. Claro!
http://www.youtube.com/watch?v=iTkB4XotYZY
Beijinho
IA
PS: Foi comentário semelhante encaminhado para "Carruagem 23"!