Há muito barulho em casa. Uzuti, o bebé, chora, Adelaide grita:
— Mongi, devolve-me a minha caneta amarela!
Na casa ao lado, o cão ladra para um transeunte. A mãe zanga-se:
─ Vem já aqui, Malusi!
Malusi
gosta de andar devagar. Canta um pouco enquanto veste a blusa. Brinca
um pouco enquanto calça as sapatilhas. As sapatilhas muito velhas.
Quando eram novas, eram de Mongi. Agora, estão cheias de buracos e
pertencem a Malusi. O cão do Sr. Motiki continua a ladrar. Malusi
interroga-se:
─ Quem será que vem aí tão devagar? Só pode ser uma pessoa idosa.
O
cão deixa de ladrar e começa a abanar a cauda. A senhora de idade que
se aproxima pára de vez em quando, apoiada na bengala. É Gogo, a avó de
Malusi. Gogo é idosa, mas a sua pele brilha como uma maçã. As mãos são
grandes e gastas pelo trabalho, mas têm um toque suave. Apoia as mãos
nos ombros de Malusi e diz-lhe:
─ Hoje preciso de ti.
Malusi cala-se e ouve com atenção.
─ Tenho de fazer compras na cidade e não gosto nada do trânsito e dos semáforos.
A mãe diz:
─ O Malusi vai contigo. Já é um homenzinho.
Malusi
gosta de andar devagar. Anda um pouco e pára, para dar um pontapé numa
lata de cerveja velha. Pang! A lata rola pelo passeio abaixo. Atrás
dele, Gogo caminha devagar.
─ Ai, ai ─ suspira a avó.
Está
já sem fôlego quando chegam à paragem de autocarro. Malusi dá um
último pontapé na lata e esta aterra na rua. Quando chega o autocarro, a
lata é esmagada e Malusi ri-se.
─ Deixa-te de risotas e ajuda-me a subir para o autocarro ─ ralha Gogo.
Malusi nem sabe o que fazer: será que deve empurrar ou puxar a avó? Esta apercebe-se do seu olhar preocupado e sorri.
─ Segura a minha bengala, Malusi. Sou velha demais para dar pontapés numa lata, mas ainda consigo subir para um autocarro.
O
autocarro vai cheio. Só há lugar de pé. Malusi fica junto de Gogo. A
avó vestiu o seu melhor vestido, cheio de cores, que o neto conta:
vermelho, verde, rosa, preto, azul, amarelo e laranja. O autocarro pára
e algumas pessoas descem. Avó e neto encontram lugar junto de uma
janela.
─ Olha! Vê como aqueles carros vão depressa!
Malusi sabe tudo sobre carros. Conhece todas as marcas e vai-as dizendo a Gogo:
─ Volkswagen… Ford… Morris…
Gogo sente orgulho do neto, que não se cala até chegarem à cidade. De repente, ei-los na rua principal, barulhenta e animada.
─ Tanta gente! ─ exclama Gogo.
A multidão adensa-se em torno deles.
Malusi
caminha diante da avó e vai esperando por ela. Repara como parece mais
velha, agora que está na cidade. Às vezes, enquanto espera por ela,
vai olhando para as montras das lojas. Pára diante de uma loja de
brinquedos. Olha só, um Volkswagen pequenino! Em seguida, chama-lhe a
atenção uma sapataria. Vejam só! Sapatilhas! Malusi olha para as suas
velhas sapatilhas e depois contempla as novas da montra. São vermelhas e
têm riscas brancas de lado.
─ Para onde estás a olhar? ─ pergunta Gogo, que chega finalmente junto do neto.
─ Olha, Gogo! ─ diz Malusi. ─ Sapatilhas vermelhas! Não são bonitas?
Gogo olha para as sapatilhas e depois vê as sapatilhas velhas do neto.
─ São, pois! ─ comenta.
Têm de atravessar a rua para ir até aos grandes armazéns.
─ Lá está aquele homenzinho verde! ─ exclama Malusi.
Gogo
parece preocupada. O neto pega-lhe na mão e guia-a pela passadeira até
ao outro lado da rua. Quando chegam ao outro lado, o semáforo muda e
passa a vermelho.
─ Ai! ─ lamenta-se Gogo. ─ Estas mudanças constantes afligem-me.
Nos
grandes armazéns, Gogo olha para a lista de compras que fez. Tem de
comprar alguns artigos de mercearia, uma toalha de plástico nova, uma
chávena e um frasco para pôr os feijões. É tudo tão caro! Gogo guarda o
dinheiro numa pequena bolsa, que traz presa com um alfinete ao
interior da sua manga. Aí está sempre segura.
São
horas de regressar à rua barulhenta. O semáforo está verde e avó e
neto apressam-se a atravessar. Passam pela florista e pela loja de
roupas. E lá está a sapataria com as sapatilhas novas! Malusi cola a
cara à montra para as ver pela última vez.
─ Anda daí, Songolo! ─ chama Gogo.
Songololo
é o nome especial que Gogo dá ao neto. Mas, em vez de passar diante da
loja, Gogo entra. Malusi olha para os sapatos da avó. Parecem os pneus
velhos de um carro.
─ Quanto custam as sapatilhas vermelhas da montra? ─ pergunta Gogo.
O vendedor responde e Gogo pede:
─ Pode ver se servem a este rapaz?
Malusi tira as sapatilhas velhas e enfia os pés nas novas, com todo o cuidado. O homem apalpa os dedos dos pés do rapaz.
─ Servem-lhe perfeitamente ─ diz.
Malusi sente-se tão feliz que mal se segura quieto. Olha para a avó e sorri.
Gogo
tira as notas da bolsa e conta-as. Depois, diz ao neto que leve as
sapatilhas já calçadas, e o vendedor põe as velhas na caixa nova.
Quando começa a andar depressa, cheio de orgulho, a avó avisa Songololo:
─ Vai mais devagar!
Na paragem do autocarro, Gogo senta-se e descansa.
Malusi senta-se junto dela, com os pés em cima do banco, para poder admirar as sapatilhas novas.
─ Sabes, Gogo, ─ diz com ternura ─ são mesmo muito bonitas!
Gogo olha para os seus sapatos velhos e diz:
─ Tens razão. Se eu tivesse umas sapatilhas vermelhas com riscas brancas de lado, talvez caminhasse tão depressa como tu!
Niki Daly
Not so Fast, Songololo
London, Frances Lincoln Ltd, 2001
(Tradução e adaptação)
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