Há alguns invernos que não vou a
Trás-os-Montes. Pude fazê-lo, felizmente, com regularidade, durante vários anos.
Um dos destinos era a Feira do Fumeiro, em Montalegre. Saíamos cedo de casa e o
carro, divertido, lá subia os montes – esforços agora esbatidos pelas
autoestradas.
A feira era mais um pretexto para
o grupo de amigos visitar aldeias, comer bons e genuínos petiscos, apreciar as
paisagens, falar com outras pessoas…
Começo a falar disto e logo me
lembro do frio seco que eu adorava sentir nas mãos e no rosto. E dos
restaurantes com a lareira acesa. E do presunto acabado de cortar. E das casas
baixas com pedras em ruínas e imaginadas histórias. E das batatas muito brancas
e do feijão vermelho a fumegar. E dos velhos a caminhar devagar junto à casa
que era o centro do universo.
Um dia, numa aldeia de Montalegre
(em Paredes do Rio, julgo eu), visitámos um casal já idoso que tínhamos
conhecido no ano anterior. Levaram-nos até à cozinha para comermos pão
com chouriço. A cozinha tinha as paredes muito negras. Perto da lareira,
pendiam, de umas traves pardas, os enchidos. Sentámo-nos a uma mesa pequena e
também escura. De repente, ouvimos um suspiro que vinha do lado menos visível
do banco junto à lareira. Era uma outra velha que lá estava sentada e em
silêncio. Vestia toda de preto, da cor da parede e do banco de costas altas. Disse,
timidamente, que vinha sempre ali passar as tardes de domingo, sobretudo quando
estava mais frio.
Não me lembro nitidamente do
rosto, mas acho que daria uma bela fotografia. Nada fria, apesar das trevas do
recanto.
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