segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

'ILUSIONISMOS'


Lurdes Castro - 1975



'Repara, meu amor: são duas da manhã

e eu ainda aqui a começar

(na minha hora que tem sido a hora

onde poemas são e se entrelaçam)


São duas da manhã e sem luar:

não sei atravessar-te pelo vidro

e criar-te metáfora de brilho


São duas da manhã e o céu

tão escuro como carvão-carvão:

onde vou inventar pequenos seixos

para fazer fogueira que te escorra?


Estamos dentro da noite que é mais noite

e que é que eu trago para te acordar?


Olha: ponho esta lâmpada a fingir

de estrela mais polar do que a polar,

e, vês, o vidro em frente: não me vejas

enrolada a escrever: é espelho mágico


e agora eu era o verso mais perfeito

e tu a mais perfeita das palavras

e às duas da manhã trago-te: um céu,


são estrelas e mil luas, são seixos

mais galácticos que a luz, mais velozes

que a luz e no teu corpo, vês, a minha mão

 
é chão feito de luz e estrelas e do

carvão-carvão nasceu um sol e do meu

pé, repara nesse céu: fogueira interestelar


e o que eu tinha escondido atrás do Tempo

e Deus: um tempo a sério para tu entrares

em bola de cristal feita de espelhos'.

Ana Luísa Amaral

 

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