Quando eu chegava a casa da minha mãe e não a via, chamava-a e a sua forma de dizer onde estava era: Ai!
Muitas vezes, eu pensava que, um dia, se a vida seguisse o seu rumo normal, eu iria sentir a falta da sua voz e daquele Ai que era a sua maneira de dizer Estou aqui. E esse dia chegou, definitivo, frio e rápido.
Sempre vi a minha mãe a deitar-se muito cedo e a levantar-se também muito cedo. Pela fresca, como sempre dizia, sobretudo no verão, quando as plantas e as flores pediam água. E explicava, com zelo, como regar as plantas para não haver desperdício de água nem continuação da sede. Tratar das plantas fazia parte da rotina de que gostava bem mais do que do tempo de férias, em que os filhos estavam mais longe e o ritmo do dia a dia se alterava.
As janelas da casa há dias que estão fechadas, os gatos parecem seres mais solitários, o canário ouve-se agora na minha cozinha, as galinhas não têm ovos nem couves frescas como foi costume na capoeira cujo destino é ficar vazia...
A velha máquina de costura continua com as agulhas, os carrinhos de linhas, os dedais, as tesouras, etc, nas gavetas, como sempre as conheci.
À volta do limoeiro e da laranjeira haverá mais fruta no chão. As ervas daninhas já começam a invadir os vasos.
Os versos de louvor divino ou os aprendidos de cor na escola primária e que eu passei no computador estão numa pastinha, à espera de lhes encontrar um destino mais aberto. O resto da casa mantém-se intacta. No entanto, está vazia: falta a sua essência, falta a minha mãe.
Por isso escrevo. Dizem que saio a si, mãe, por gostar de palavras e de versos. Amanhã, véspera de Natal, alguns de nós estaremos juntos. Falaremos de si à mesa. E pode ser até através da aletria que, por mais que se tente, fica sempre aquém da sua e de que toda a gente gostava.
Mãe, os seus presépios continuam nos mesmos lugares e o Menino Jesus continua aconchegado no paninho de linho e de renda.
Mãe, é Natal. Vamos encontrá-la nas estrelas.
Sem comentários:
Enviar um comentário