domingo, 21 de agosto de 2022

Todos os dias se volta a algum lugar

 

Há bastantes anos que me abeiro com frequência de Mindelo, Vila do Conde. Gosto da praia - ainda que não vá lá tantas vezes como a família desejaria - e do sossego. Não há altifalantes. Em frente às duas esplanadas, há por vezes uma artesã a vender os seus produtos, mas sem ruídos nem chamamentos nem pregões.

O café do Fernando é o que tem mais clientes, apesar de ser o que impõe mais regras, como não juntar mesas, etc. Os empregados vestem camisolas onde se lê 'Team do Fernando' e pouco tempo devem ter para olhar o mar mesmo em frente ou as pessoas que passam em direção à praia.

Há um tema que é recorrente quando as pessoas se encontram: o tempo. Se esteve frio, se o calor foi muito, se o nevoeiro demorou a passar, se a nortada obrigou a vestir casaco...

Habituei-me a ver as mesmas pessoas, de ano para ano, apesar de não as conhecer de perto. De ano para ano, os rostos vão enrugando, algumas barrigas vão crescendo, crianças que o eram deixam de o ser e já trazem pela mão as suas crianças, etc.

E gosto de olhar o areal a perder de vista. E de sentir a brisa quase sempre fresca. E de ver as bandeiras a esvoaçar ao vento, podendo ler-se Praia acessível, embora ache que as acessibilidades deveriam melhorar.

A configuração da praia vai mudando, sobretudo no inverno. Nem sempre para melhor. As dunas, felizmente, têm vegetação mais densa porque os passadiços impedem de serem pisadas.

E há muita luz. E muito mar. E o cafezinho quase no areal. E os caminheiros rumo a Santiago de Compostela. E as crianças felizes a fazerem construções na areia, indo vezes sem conta ao mar encher os seus baldinhos de água. 

E a dona do café - que já foi pensão e restaurante - para quem a praia de Mindelo é um mundo, descobrindo sempre novas formas no areal, no mar ou no céu e que, por isso, as fotografa vezes sem conta e com elas enche as paredes do seu quiosque.

Gosto muito de Mindelo, talvez por ser a praia que conheço melhor. Nem sempre acontece, mas concordo com o ditado de que mais se ama o que melhor se conhece.


sábado, 20 de agosto de 2022

Dias de Londres - Gostava de lá voltar


Ainda não conhecia Kew Gardens - imenso e belíssimo jardim botânico em Richmond, a Sudoeste de Londres, espaço muito diversificado de muitas belezas, de muitos lugares para repouso e passeios, de muitos estudos, de muitas raízes para proteção do ambiente, etc. Passámos lá uma boa parte de um domingo feliz.

Cada vez mais defendo a ideia de que, seja onde for, nunca se pode conhecer tudo de uma vez. E foi o que aconteceu. Uma das partes que escolhemos foi percorrer o jardim das rosas.



Passar por uma árvore do século XVIII.

 


Observar de perto uma escultura que representa uma colmeia, porque as abelhas e outros insetos úteis ao homem e à natureza são igualmente protegidos.


Percorrer caminhos com flores de diferentes cores, formas e volumes, incluindo as espontâneas.


Parar em extensões de relva - mais ressequida do que habitualmente, mesmo no verão - com mesas para descanso ou piquenique.


Visitar o palacete onde viveu Georges III (1738 -1820) na tentativa de cura da sua doença mental.

 


Ao longo do percurso, ouvem-se e veem-se aviões com frequência porque o grande aeroporto de Heathrow fica perto - mostrando que a perfeição é difícil de atingir. Ainda que todas as razões pareçam reunidas.

Porém, nem o ruído dos aviões fez voar a minha felicidade de passar um domingo com a minha filha, entre flores, entre árvores, entre história, entre conversas de tudo e de nada. Andávamos as duas e eu via-te como se fosses ainda menina, embora tenhas emigrado há quase dezoito anos e te tenhas tornado uma mulher cidadã do mundo, sem deixares de ser a pessoa calma, sensata, doce e corajosa que sempre foste.

Filha, adorei este domingo. Gosto muito de Londres. Talvez porque o que conheço da cidade e arredores me transporta sempre para ti.

 Ah! e, fora do palacete, vimos este gato, que parecia habituado ao lugar e a umas pedras onde descansava e donde muito observava. Como se fossem uma casa, aberta a todo o jardim, aonde eu gostava muito de voltar. E a outros dias de Londres para registar e partilhar.



Dias de Londres - O jantar também de celebração

  

   Depois da defesa de uma tese de doutoramento, várias professoras, ainda jovens, ligadas à mesma Faculdade em Londres foram jantar. Eram todas europeias, mas cada uma de um país diferente. Para além do amor à ciência, uniam-nas experiências de vida comuns. Todas tinham saído dos seus países para prosseguirem estudos no Reino Unido, chegando à situação atual de professoras universitárias, graças ao trabalho realizado. 

E diziam que em boa hora o tinham feito, porque, a partir de agora, seria quase impossível realizar o trabalho de lecionação e investigação da mesma forma. Para tal, seria necessário um visto e o custo do ingresso nos cursos seria incomportável. Só para os muito ricos. Como se ainda não bastasse, após a conclusão desses estudos, o mais certo seria ter de abandonar o país, o que a elas já não deveria acontecer por terem, felizmente, atingido o estatuto de residentes no país, conseguido antes do governo de Boris Johnson.

Com  as novas regras ditadas pela atual governação, o país ficará mais pobre quanto à evolução cientifica.

Porém, só se dará conta disso quando a poeira do Brexit assentar e este tempo de balbúrdia e de cegueira separatista conhecer algumas tréguas. Pelo menos.

 

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Dias de Londres - Os sentidos também se procuram e encontram

 

a - Apesar de haver vários supermercados nas redondezas, prefiro um que tem apenas o que é essencial mas, para lá chegar, os passeios são largos e planos. Como antes de sair tinha avançado na leitura de Claraboia de José Saramago, pelo caminho, dei comigo a recordar as últimas páginas sobre Abel, personagem da obra. Aquele, agora com 28 anos, vai vivendo só e precariamente, por decisão que tomou aos 16 anos. Desta vez, alugou um quarto na casa de um sapateiro e à noite os dois homens têm longas conversas sobre a vida e os sentidos que nela encontram e muitas vezes não.

Ora, na parte do livro em que vou, Abel interroga-se, para além de muitas coisas, sobre a utilidade da sua vida, uma vez que o sapateiro, ex-ativista social, a considerava inútil. Disse-lho por não querer iludi-lo, embora os seus projetos de transformação da sociedade tivessem cessado há largos anos.

De facto, sendo um livro de 1953, portanto o autor andava pelos 30 anos quando o escreveu, revela  preocupações sociais sobretudo do mundo do trabalho, que vão sendo pressentidas pelo próprio leitor.

Só que, muitas vezes - como aconteceu ao velho sapateiro - muitos ativistas vão sentindo que esses projetos se desfazem e, pelas mais variadas razões, optam por caminhar por vias mais fáceis e planas. Como os passeios que prefiro seguir, naturalmente, para ir ao supermercado. Embora não seja ativista de nada, admiro quem o é e assim vai mudando setores da sociedade, ainda que a visibilidade do trabalho nem sempre seja imediata e visível.

 

b - Gosto das manhãs tranquilas aqui em casa, em Londres. A mais pequena vai para a escola na sua saiinha cinzenta e blusa branca ou, nos dias mais quentes, no seu vestidinho de xadrês verde e miudinho. Os grandes vão trabalhar ou ficam de vez em quando em casa em teletrabalho. Levantam-se do computador para virem à cozinha buscar café e retomam o trabalho. 

Como o apartamento não é grande, é fácil a organização da manhã e deixa-me tempo para ler e escrever mais uma destas páginas no bloco de notas do telemóvel. Ou fazer um pouco mais de qualquer trabalhinho com linha ou lã que a Clarinha me pede para adiantar e que olha com agrado sorridente quando regressa.

Mas, ontem à tarde, percorri uma boa parte de Kilburn Road, rua de muita gente vinda de diferentes continentes e de múltiplas lojas com nomes asiáticos onde há de tudo, como se imagina logo à entrada por tudo o que ocupa uma boa parte do passeio.

Comprei uvas numa loja turca com fruta bem exposta e arrumada, de aspeto fresco e tentador. O aspeto condizia com o interior.

Nessa rua - antiga via romana - há um parque, onde as flores crescem viçosas e os meninos se divertem nos escorregas e outras brincadeiras, como a minha neta e coleguinhas de escola.

Na parte mais florida do parque, contornando um pequeno lago, um homem velho lia um livro. Parecia em sossegada velhice. Ao lado, no campo de ténis, onde qualquer pessoa pode jogar, estava o habitual treinador a quem, pelos vistos, as pessoas pedem ajuda frequente. É simpático, falador e passa o dia a ajudar ou a ensinar a jogar ténis, o que parece ser o principal sentido dos seus dias. Ou a maneira que encontrou de dar sentido aos seus dias.

 

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Dias de Londres - coisas de sentir e de comer

1. Antes de vir para Londres, fiz alguns exames médicos. Penso sempre que posso ficar doente e vir dar trabalho, o que não quero de modo algum, porque o tempo já lhes é pouco para os trabalhos que têm de fazer e precisam é de ajuda. Foi então que fiquei a saber que tenho o sangue um pouco mais açucarado do que devia. Às vezes, com o tempo, vou-me esquecendo das mazelas que vão aparecendo, mas, desta vez, resolvi levar a sério e logo reduzir aos hidratos de carbono, dizer adeus a croissants, chocolate, etc.

E não me está a custar, como pensei muitas vezes que custaria.

Espero até que a balança sinta menos peso, porque também tenho andado mais pé. Apesar de ter banido algumas coisinhas doces, se a balança continuar azeda, não quero mudar o rumo que há pouco encetei. Já tenho idade para não ceder a azedumes.

 

2. A mãe de uma vizinha vive em Hong Kong. De vez em quando vem passar uma temporada aqui em Londres para ajudar a filha.

Uma menina da turma da minha neta tem cá a avó por uns tempos. Veio de Goa e a outra avó vive na Austrália.

Eu venho de Portugal quando é possível e fico cá também o tempo possível. O mesmo faz a outra avó que vem da Califórnia.

Muitas mães-avós, venham elas de onde vierem, trazem mimos também para pôr na mesa. Eu trouxe, por exemplo, marmelada de marmelos do nosso quintal e trouxe bacalhau. No dia seguinte a eu ter chegado, já havia uns lombinhos de bacalhau de molho que deram bolinhos do mesmo com arroz de feijão. Pus também o feijão de molho, coisa que esta casa ainda não tinha visto. 

E devia estar bom, porque nada sobrou.

As outras mães-avós não sei o que trarão, porque não vi, mas vi alguns sorrisos nos rostos de alguns netos ao lado delas, a dar-lhes a mão.

E muitas outras mães-avós haverá nesta cidade, neste país, neste mundo que vão adoçando as vidas, muitas vezes muito mais do que a sua.

Não posso falar por quem não conheço, mas acho que às vezes as mães-avós gostariam de ser apenas filhas. Nem que fosse só por umas horas.

 

3. Um dia destes, pus à minha neta a pergunta mais que batida: o que queres ser quando fores grande?

 Pensou um bocadinho e logo respondeu:

             -  Quero ser tratadora de pandas.

-  Não sei se aqui há pandas verdadeiros, acrescentei eu.  

- Não faz mal, avó, se não houver, vou para outro país, disse ela, aconchegando a si o seu panda, muito frequente e fofa companhia.

E pensei que, apesar de as guerras atuais baralharem fronteiras, o que são essas barreiras para uma criança de seis anos? Sabê-lo-á quando crescer. Oxalá ainda haja pandas e meninos que sorriam e que sonhem.

E avós que, embora pareçam esquecer-se de si, não perderam o gosto de sonhar.

 

terça-feira, 2 de agosto de 2022

Dias de Londres - a festa na igreja

Hoje fui à festa, aqui perto, no exterior de uma igreja anglicana. Logo que vi o cartaz nas árvores da rua, fiquei com interesse e curiosidade. Com ar festivo, deparei com um mercadinho de plantas, postais, velharias; mesas para tomar chá com bolo, etc, no meio de árvores e canteiros de flores variadas e bonitas. O ambiente era calmo e havia sol. 

Quem vendia os produtos e ia organizando o evento eram senhoras antigas, usando vestidos antigos que iam saudando e sorrindo para amizades, muitas delas  por certo também antigas. Comprei uns postais porque tenho um fraquinho por postais de que não se veem cópias em qualquer kiosque.


Um grupo musical de 3 pessoas tocava, à sombra. Parei um pouco. Havia umas cadeiras perto dos músicos, mas tenho sempre receio de que os lugares mais em proeminência já estejam destinados. Deve ser trauma antigo, apesar de não me lembrar de ter vivido alguma situação embaraçosa, mas, mesmo assim, nunca me sento nas primeiras filas. 
Perguntei a uma das velhas senhoras se podia tirar fotografias. Claro que sim, disse-me ela sorrindo de forma prazenteira em dia de entusiasmo e brilho, talvez na esperança de angariar mais fundos para as obras sociais da igreja.

Saí devagar, tal como tinha entrado, dizendo para mim que, mais uma vez, sentia prazer nestes dias em Londres. E pensei também que, apesar de não ser forreta, podia ter comprado mais alguma coisa para além dos postais. Era uma forma de mostrar solidariedade. E de talvez aquelas pessoas que se disponibilizaram a estar lá sentirem que o seu trabalho compensa e é reconhecido. Se houver uma segunda vez, tentarei remediar. As pessoas não devem ser as mesmas, com certeza, nem quem precisa de ajuda. O grupo das primeiras pode ficar mais reduzido, o do segundo de certeza que não.


 

Dias de Londres - momentos

 

Hoje de manhã fui fazer uma pequena caminhada. Desde que tive covid pela primeira vez há dois anos, deixei de sentir os cheiros, a menos que sejam intensos como os desta manhã. Talvez fosse o vento a arrastar os aromas das árvores e das flores, enquanto folhas secas corriam rua fora, tropeçando nalguns obstáculos do passeio mas logo continuando.

Ao pequeno almoço, inventei uma história para a minha neta, porque ela demora muito tempo a comer. Lembrei-me da galinha dos ovos de ouro e disse-lhe que uma galinha da bisavó tinha posto um ovo de oiro. Ela acreditou e logo quis saber o que tinha dentro. Eu fui inventando até terminar num pássaro também doirado, mas que, para se alimentar, comia todo o ouro que encontrava, porque, como era doirado, andava à solta e tinha mais liberdade do que todas as outras aves da capoeira.

A minha neta continuava curiosa sobre o pássaro e se ainda existia.

Eu disse-lhe que um dia ficou azul, voou e deixou de ser visto, mas que, quem sabe, pode aparecer aqui em Londres.

No final, a minha neta disse o que eu não esperava ouvir: Gostei da história, avó, mas hoje não quero os cereais.

 

Como a mudança para esta casa é relativamente recente, ainda conheço pouco do que existe à volta. Da primeira vez que cá estive, havia mais receio da covid e julgo que nunca fui fazer compras, como gosto. Ontem, com algumas indicações da minha filha, aventurei-me. Era domingo e havia pouca gente na rua. E descobri uma igreja onde no próximo domingo haverá festa e vendas diversas. Fiquei curiosa. A minha neta já me disse que não pode ir porque tem uma festa de anos. Logo lhe disse: Clarinha, mas que agenda tão preenchida e ela sorriu com o seu olhar azul.

 

Hoje vou de novo à rua onde há lojas e supermercados. De regresso, quase sempre com fruta fresca e pão, venho pelo caminho a olhar os jardins das casas, quase todas da mesma altura, uns cheiinhos de flores, outros quase desertos de cores e perfumes. Também vejo pássaros. Abundam os melros e as pegas. Ainda não vi a senhora idosa do jardim mais colorido e bonito da rua, onde todo o bocadinho de terra é aproveitado para florir. Gostava de a conhecer. Bastava-me vê-la no meio do jardim a tratar das flores. Não deixaria de lhe dizer hello e de lhe sorrir.

Pela rua fora, vejo outra vizinha a arranjar o jardim. Olhou para mim como uma forasteira. Sorri-lhe mas ela não. Deve preferir as suas flores. Conheço casos assim.

 

Dias de Londres - também com Paddington at home


Vi, como milhões de pessoas, o sketch da rainha com Paddington, reconheci o boneco, mas pouco sabia dele. No museu da cidade de Londres, comprei o livro Paddington at the palace para a minha neta, li-o também e, passados alguns dias, vi um filme e fiquei a saber que o ursinho de chapéu vermelho, onde esconde uma sandwich de marmelada (compota de laranja), é oriundo do Peru. Foi criado por Michael Bond, autor inglês que nasceu em Newbury em 1926 e que faleceu em 2017, em Londres, tendo escrito durante uns sessenta anos, nomeadamente histórias protagonizadas pelo urso Paddington.

Paddington, que é também nome de estação de metro em Londres, é um boneco de que gosto pela sua natural curiosidade, verdade e inocência com que olha o mundo.

Criar um boneco com tal identidade e pô-lo sempre em situações novas e interessantes para um público tão diversificado é de criador genial. A forma como o ursinho anda por entre a multidão atrai o olhar e apetece segui-lo porque vão, de certeza, acontecer peripécias engraçadas e diálogos que parecem cair do céu como pingos da chuva.

No Jubileu da Rainha, até a soberana mostrou que achava graça ao boneco, como com graça acedeu a abrir a sua inseparável malinha,  em rábula muito bem disposta e bem apanhada.

Talvez se as figuras que influenciam o mundo, nem que fosse de vez em quando, se se ligassem com naturalidade ao mundo da imaginação, o mundo tivesse mais graça e fosse melhor.

E as pessoas sentir-se-iam mais pessoas e menos bonecos.