No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado
— Duas, de lado a lado —,
Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem! que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino da sua mãe».
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lha a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
«Que volte cedo, e bem!»
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.'
Fernando Pessoa, Poesias, Ática, 1942
Bom dia
ResponderEliminarCusta muito fazer comentários na situação atual .
JR
Se custa. E tantas vidas se estão a perder e tantos lugares estão a ser reduzidos a escombros.
ResponderEliminarCusta a crer e a ver.
É lindo este poema. Tenho-o manuscrito num caderno de argolas que em boa hora herdei.
ResponderEliminarA maldita guerra mata mesmo.
Quando vejo imagens de jovens soldados no terreno desta guerra terrível, logo este poema me vem ao pensamento.
EliminarTambém tenho um caderninho muito antigo de argolas com capa com flores, julgo, que bordei a ponto de cruz. Tem poemas, receitas, etc. Um dia destes vou reabri-lo.
É bom que o deixe a alguém, pode ainda ser muito estimado. Tenho quase veneração pelo meu. Foi-me dado quando tinha ainda dezoito anos. Está manuscrito com uma caligrafia linda e a tinta permanente. Não tem capa, é apenas um conjunto de folhas escritas e metidas em argolas simples. Para mim vale mais que qualquer livro que tenho. Mesmo os autografados. Penso que quem mo deu era uma alma de excepção, mas não creio que algum dia tenha sequer imaginado a metade do apreço que lhe dedico.
EliminarQue bom,Bea, quando as pessoas e as coisas assumem esse valor.
EliminarO meu caderninho - julgo que lhe chamei 'O meu cantinho' - foi feito por mim. É tudo escrito à mão com letra redondinha de adolescente. Julgo que lá estão também sonetos de Florbela Espanca que eu, na altura, sabia de cor e que me fascinavam. Um dia, fiz um poema à la mode de Florbela, mas, quando, ufana, o li à minha irmã, logo perdi a vontade de voltar a parafrasear e ainda bem.
Um bom fim de tarde (por cá, tem chovido, felizmente).
Um poema muito delicado. Uma boa escolha!
ResponderEliminar-
A janela que me acolhe...
Beijos.
Obrigada, Cidália. Quisessem as mentes destruidoras ter um sentido mais humano e poético da vida para não a matar.
EliminarUm beijinho