Obrigada, Idalina, pela partilha de textos que lês. Este excerto,como os demais que envias, é maravilhoso. E tão atual e convoca temas tão diversos. Nem sequer falta a lavagem das mãos ou o amor. Tanta coisa no fio destas palavras. Belas e bem ditas.
“Uma quarentena é uma prisão com pessoas de quem não nos podemos aproximar, é um bailado a dobrar, o ballet do demasiado perto. A distância agora é tempo. E paciência. A paciência é o tempo com pessoas dentro. Uma epidemia é o oposto do amor, essa infeção a dois, essa alegria contagiosa que não mata. O amor é o contrário da multiplicação lenta de uma doença absoluta, oferecida em silêncio a uma multidão de distraídos.
Tento uma reflexão profunda sobre o amor. Reduzo-a a uma palavra apenas, e essa palavra não é amor. A falta de sinónimos atormenta-me, decido parar. Pensar com uma palavra só não é pensar.
É o fim do mundo, mas um fim do mundo a acontecer tão lentamente que dou comigo a dizer «é o fim do mundo, é o fim do mundo», várias vezes, as palavras saem-me da boca sem necessidade de eco. Ao contrário, a boca de Mariana abre e fecha várias vezes, como uma porta, e eu imagino o coração a sair-lhe pela boca, mas não, em vez de lhe subir à boca, o coração desce-lhe aos pés e Mariana pisa o coração contra a madeira castanha do chão.
Pela primeira vez, lavo as mãos rigorosamente. Sinto-me um procurador romano na Palestina, obcecado com a lavagem das mãos. Não é uma sensação boa.
Lembro-me da nossa chegada a Chartres, à catedral. Os pilares e os arcos subiam em esqueleto à altura de doze andares, o número exato dos apóstolos. O lugar parecia uma nave medieval preparada para nos elevar às maravilhas de um paraíso espacial. Nos vitrais viam-se camponeses e imensos artesãos. Carregadores de água, padeiros. O povo erguia-se como um e a cores para esse paraíso alto, com uma felicidade de comércio. O silêncio, uma bênção; as janelas, joias; a cor dos vitrais, um sinal vindo até nós da porta de entrada do paraíso.”
José Gardeazabal, Quarentena, Uma História de Amor, Companhia das Letras, 2021
(José Gardeazabal nasceu em Lisboa, onde vive, em 1966)
Bom dia
ResponderEliminarUm texto que nos deixa maravilhados e nos diz que o amor está sempre presente nas nossas vidas .
JR
Também gostei muito. São sempre muito bons os textos que esta minha amiga partilha.
ResponderEliminarUm dia bom para si.
Um texto excelente.
ResponderEliminarObrigado pela partilha.
Continuação de boa semana, amiga Maria Dolores.
Beijo.
Nunca tinha lido nada deste autor, mas acho que vale a pena.
ResponderEliminarUm abraço, Jaime.
Um texto que nos faz pensar e refletir. Gostei muito e ler! Obrigada pela partilha :))
ResponderEliminar-
Vestida, numa sensualidade vertiginosa
-
Beijos, e um excelente dia:)
Obrigada, Cidália.
ResponderEliminarUm beijinho
Um texto muito interessante sobre a quarentena. E não é que concordo na íntegra com o seu teor.
ResponderEliminar.
Abraço sentido
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.
E não só, não é verdade?
ResponderEliminarUm bom dia para si,Ricardo.