(Rente a uma decisão)
Passado algum tempo, o Manuel chamava-me apenas 'meu anjo', com bastante ternura, o que me agradava. Depois, passou a ser um hábito que deu lugar a alguma ironia, sobretudo quando discordávamos ou nos zangávamos. A inquietação começava a assolar-me, trazendo o medo de escura solidão. Num fim de tarde ruidoso de chuva e trovoada, desentendemo-nos seriamente e Manuel ameaçou-me, nunca deixando de dizer meu anjo... meu anjo... Eu, angelicamente, atribuí a ameaça ao cansaço e à tempestade, porque Manuel pediu-me logo desculpa, repetindo 'meu anjo', agora em tom de bonança. Porém, umas semanas mais tarde, numa noite calma de lua cheia, perante novo desacordo, repetiu e aumentou as ameaças, sem nunca deixar de me chamar meu anjo... meu anjo... agora com frio sarcasmo.
Com mil demónios, pensei.
Foi quando eu, Maria dos Anjos, decidi despir a roupa de anjo, perder o medo e sair dessa procissão.
Nota 1 - Este pequeno conto foi publicado na coletânea Anjos da Prosa e da Poesia, da Editora Lugar da palavra, 2021, p. 46/48.
Nota 2 - Obrigada por me terem acompanhado na história. Um palpite da Bea, num comentário, deu-me uma ideia. Assim, talvez a Adélia e a Maria dos Anjos se encontrem em breve. Por que não? Estas coisas não acontecem só na vida real.
Um bom dia para todos e que os anjos também ajudem!
E, porque não?
ResponderEliminarAinda há histórias com finais felizes na vida real.
Gostei muito!
Obrigada, Mª Dolores!
Um beijinho.
Que bom ter vindo,Janita.
EliminarJá tinha saudades.
Obrigada. bom fim de semana e um beijinho.
Bom dia
ResponderEliminarNão há duvida que esta historia teve um fim inesperado, mas eu continuo a acreditar no meu anjo da guarda e nunca tive quem me chamasse anjo e também nunca chamei a ninguém .
Quem sabe um destes dias !!
JR
E faz muito bem, Joaquim. Aqui o anjo tem também a ver com o nome - Maria dos Anjos.
EliminarGosto bastante das histórias com fim inesperado, tal como nos filmes. Quando se prevê logo o final, para mim não tem a mesma piada.
Às vezes, digo meu anjo às minhas filhas e netos, sempre naturalmente.
Um bom fim de semana, Joaquim.
Bom dia, Maria:)
ResponderEliminarPois o início da história mais me deu ideia de que iria correr noutro patamar. Mas o escriba é soberano no comando das suas personagens e o final vivia já sob trocadilhos e inversões com o nome.
Sendo a Maria a autora, pode sempre continuar a história, mudá-la, matá-la de vez. Os blogues são mundos de histórias, um faz de conta que talvez não transpire mas se precisa, não é mesmo?
Aguardemos pela Maria dos Anjos despida de asas. Tenho para mim que não são elas que pesam, são as humanas incongruências que magoam. Mas o certo é que existem. E não são fortuitas, deste ou daquele, pertencem-nos.
Uma vez, numa entrevista a Simone Weil, a jornalista perguntou se era feminista já que tanto defendia as mulheres. Simone respondeu - conservo apenas a ideia geral - desejar que o mundo visse o quanto elas são importantes para o seu desenvolvimento e em todos os sectores, desde que os prefiram; e que lhes deve ser dado o mesmo acesso que aos homens. Porém, salvaguardou, nem todas as mulheres são felizes em luta contra alguma coisa, há as que se sentem felizes fazendo o que já as mães faziam e isso não é menos meritório, merecem respeito.
Digo eu que o mundo das árvores não é apenas feito de altos ciprestes e que há mesmo arbustos encantadores. O respeito e aceitação da diversidade é o melhor exercício de manutenção.
Um abracinho
Olá, Bea. Pois, por um comentário, também me pareceu, mas esta escriba(zinha) logo que lhe ocorreu o nome - Maria dos Anjos -, pensou de imediato no final. Custa-me imenso saber que há pessoas ameaçadas e maltratadas pelo companheiro ou companheira. Na maioria dos casos, são homens que o fazem, mas não só.
EliminarNo entanto, partilho, no pequenino canto onde me situo, da conclusão da grande Simone Weil, assim como reproduzo, e muito, muita coisa que vi fazer em família, com as naturais evoluções, é claro, sugeridas pelo avançar da vida e do mundo.
Enquanto isso, como é bom poder partilhar o faz de conta. É como pôr na terra pequenas plantas, que, mesmo sabendo pequenas, são as nossas plantas.
Outro abracinho, Bea, e feliz fim de semana.
Olá Mariana, saudades de ler seu blog.
ResponderEliminarA algum tempo não consigo ler algo que não seja técnico científico, saudades.
Abraço,
Calebe Borges
Imagino, Calebe. Sempre boa a sua visita.
EliminarUm abraço, bom estudo e bom fim de semana.
Maravilhoso. Simplesmente belo!:)
ResponderEliminar-
As cartas escritas com nostalgia ...
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Um excelente fim de semana - Beijos
Um beijinho, querida Cidália, e feliz fim de semana.
ResponderEliminarBoa tarde minha querida amiga Maria Dolores, não conhecia esse conto, parabéns pela publicação.
ResponderEliminarBom dia, Luiz
ResponderEliminarEscrevi-o recentemente.
Um bom e feliz domingo, amigo Luiz.
Li agora os dois capítulos que completam a história e devo dizer-lhe que gostei muito do conto.
ResponderEliminarDesculpe não vir diariamente mas por enquanto ainda é pouco o tempo que posso estar no computador. Apesar das melhoras os olhos ainda começam a arder e a chorar quando prolongo o tempo no computador.
Abraço e saúde
Olá, querida Elvira. Desculpa? Por amor de Deus. É sempre bem-vinda, mas estas coisas fazem-se quando se pode.
ResponderEliminarFico muito contente de saber que as coisas estão a evoluir bem. Que bom.
Um abraço, Elvira, e um fim de tarde muito feliz.