Postal enviado pelo Clube das Histórias |
'Era uma vez uma menina que pediu ao pai que fosse apanhar a lua para ela.
O
pai meteu-se num barco e remou para longe. Quando chegou à dobra do
horizonte pôs-se em bicos de sonhos para alcançar as alturas. Segurou o
astro com as duas mãos, com mil cuidados. O planeta era leve como uma
baloa.
Quando ele puxou para arrancar aquele fruto do céu se escutou
um rebentamento. A lua se cintilhaçou em mil estrelinhações. O mar se
encrespou, o barco se afundou, engolido num abismo. A praia se cobriu de
prata, flocos de luar cobriram o areal. A menina se pôs a andar ao
contrário de todas as direções, para lá e para além, recolhendo os
pedaços lunares. Olhou o horizonte e chamou:
– Pai!
Então, se abriu uma fenda funda, a ferida de nascença da própria terra. Dos lábios dessa cicatriz se derramava sangue.
A água sangrava? O sangue se aguava? E foi assim.
Essa foi uma vez.'
Mia Couto, Contos do Nascer da Terra
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