quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Carta de amor à mãe


Não têm conta os contos que tu, mãe, me contaste.
Quando eu era muito pequena, nem sempre tinha paciência para os ouvir até ao fim ou deixar que terminasses a leitura. Saía do teu colo e ia buscar outro livro, mas voltava logo porque o teu regaço era  o melhor sítio para ouvir as histórias, fosse de um livro ou contadas por ti.
A ouvir histórias e aconchegadinha a ti, mãe, tudo parecia perfeito.
No tempo em que eu ainda não sabia ler, gostava sobretudo de ver as imagens e ouvir as tuas palavras mágicas. Recordo-me que abria o livro e tu perguntavas-me se eu sabia onde estava o galo, o pintainho, a flor, o cavalinho... Quando me enganava, sorrias e repetias as palavras serenamente para eu as fixar melhor.
Se vias o desenho de uma menina muito bonita, logo dizias que era eu. A seguir,  apressava-me a encontrar uma senhora igualmente bonita para te dizer que eras tu, mãe.
Eu ainda não sabia dizer todas as partes do rosto, mas reconhecia-as e apontava-as: os teus olhos azuis (com os óculos que às vezes te queria tirar, embora soubesse que não devia), a boca sorridente, as faces rosadinhas e macias...
E recordo que usavas palavras ligadas ao céu: minha estrela, meu sol...
Só não sei é por que razão nunca me chamaste lua, porque sempre sentiste muito encanto por todos os pontos luminosos do céu. Até dos aviões. Ainda guardo, por exemplo, um livrinho com uma imagem de que eu gostava muito: um ursinho a dormir serenamente e uma lua muito luminosa.
Muitas outras expressões que usavas eram como o açúcar, apesar de nunca abusares dele: minha doce, minha doçura...
Mas a minha preferida sempre foi: tu és a luz dos meus olhos. Lembras-te, mãe?
À noite, quando chegavas do trabalho, sentavas-te um bocadinho comigo e esse era um dos melhores momentos do dia. Às vezes, chegavas cansada a casa, mas parecia que tinhas todo o tempo do mundo.
Agora, dou comigo a repetir para a Clarinha muitas das frases que me dizias quando eu era criança. Ela gosta muito e eu fico feliz. Espero que fiques feliz também.
Um abracinho, mãe, que é uma maneira muito singela de dizer que te amo.
Clara

Nota - Este texto teve uma menção honrosa no concurso Textos de Amor, do Museu Nacional da Imprensa, 2019



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