Não têm conta os contos que tu, mãe, me
contaste.
Quando eu era muito pequena, nem sempre
tinha paciência para os ouvir até ao fim ou deixar que terminasses a leitura. Saía
do teu colo e ia buscar outro livro, mas voltava logo porque o teu regaço era o melhor sítio para ouvir as histórias, fosse
de um livro ou contadas por ti.
A ouvir histórias e aconchegadinha a ti,
mãe, tudo parecia perfeito.
No tempo em que eu ainda não sabia ler,
gostava sobretudo de ver as imagens e ouvir as tuas palavras mágicas.
Recordo-me que abria o livro e tu perguntavas-me se eu sabia onde estava o
galo, o pintainho, a flor, o cavalinho... Quando me enganava, sorrias e repetias
as palavras serenamente para eu as fixar melhor.
Se vias o desenho de uma menina muito
bonita, logo dizias que era eu. A seguir, apressava-me a encontrar uma senhora igualmente
bonita para te dizer que eras tu, mãe.
Eu ainda não sabia dizer todas as partes
do rosto, mas reconhecia-as e apontava-as: os teus olhos azuis (com os óculos
que às vezes te queria tirar, embora soubesse que não devia), a boca
sorridente, as faces rosadinhas e macias...
E recordo que usavas palavras ligadas ao
céu: minha estrela, meu sol...
Só não sei é por que razão nunca me
chamaste lua, porque sempre sentiste muito encanto por todos os pontos
luminosos do céu. Até dos aviões. Ainda guardo, por exemplo, um livrinho com
uma imagem de que eu gostava muito: um ursinho a dormir serenamente e uma lua
muito luminosa.
Muitas outras expressões que usavas eram
como o açúcar, apesar de nunca abusares dele: minha doce, minha doçura...
Mas a minha preferida sempre foi: tu és
a luz dos meus olhos. Lembras-te, mãe?
À noite, quando chegavas do trabalho,
sentavas-te um bocadinho comigo e esse era um dos melhores momentos do dia. Às
vezes, chegavas cansada a casa, mas parecia que tinhas todo o tempo do mundo.
Agora, dou comigo a repetir para a
Clarinha muitas das frases que me dizias quando eu era criança. Ela gosta muito
e eu fico feliz. Espero que fiques feliz também.
Um abracinho, mãe, que é uma maneira
muito singela de dizer que te amo.
Clara
Nota - Este texto teve uma menção honrosa no concurso Textos de Amor, do Museu Nacional da Imprensa, 2019
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