segunda-feira, 25 de março de 2019

Histórias da Clarinha. E não só.

Estou a preparar a apresentação de sábado. 
Tantas questões: 
Como estará o livro? Como vou reagir quando o vir pronto para ser visto e lido?
Como reagirão os adultos e as crianças para quem cada minuto de escuta pode ser uma eternidade?

Mas também espero alegrias à volta de um livro feito, carinhosamente, a pensar nos mais pequenos. 
E nos adultos que vão ajudando a que os dias de todos tenham histórias simples e bonitas.
Que podem ser contadas por palavras ou por desenhos.

É primavera

(Sempre lhes chamei) andorinhas
Margaridas

quinta-feira, 21 de março de 2019

As árvores de todos os dias

Cada árvore é um ser para ser em nós

Cada árvore é um ser para ser em nós
Para ver uma árvore não basta vê-la
A árvore é uma lenta reverência
uma presença reminiscente
uma habitação perdida
e encontrada
À sombra de uma árvore
o tempo já não é o tempo
mas a magia de um instante que começa sem fim
a árvore apazigua-nos com a sua atmosfera de folhas
e de sombras interiores
nós habitamos a árvore com a nossa respiração
com a da árvore
com a árvore nós partilhamos o mundo com os deuses 


António Ramos Rosa 





Que fizemos das árvores?
Era fácil pousar o ouvido
 num ramo
que de longe trazia
do fundo da infância
 os búzios encantados
porque as árvores eram coisas
que diante de nós
estavam acontecendo
num incrível passado

Natália Correia

Postais enviados pelo Clube das histórias.

Conversa ao pé da porta

- Hoje tive um contratempo no take-away.
- A comida estava fria?
- Nada disso. Reutilizei um recipiente de plástico que usam para a sopa.
- E qual era o problema?
- Fizeram má cara porque consideram tara perdida.
- Mas é resistente e lavável.
- Claro que sim, e, na próxima semana, vou fazer o mesmo.
- Vais deitar ao lixo?
- Achas? Queres que os peixes ainda comam mais plástico?
- Não, não! Já temos também a nossa conta!

quarta-feira, 20 de março de 2019

Histórias da Clarinha

Cartaz elaborado pela Biblioteca Municipal de Gondomar

Convite - sábado, dia 30 de março, às 11h, na Biblioteca Municipal de Gondomar












Era uma vez uma menina que, como todos os meninos e meninas, foi dando origem a várias histórias.
Era uma vez uma avó que foi escrevendo algumas dessas histórias.
Era uma vez uma amiga ilustradora que, com muito talento e muito carinho, as ilustrou.
Era uma vez um livro que nasceu desse trabalho conjunto, que a Editora Lugar da Palavra acolheu, e que irá ser apresentado no dia 30 de março, às 11 h da manhã, na Biblioteca Municipal de Gondomar.
Era uma vez um workshop que irá ser realizado no mesmo local e (quase) à mesma hora, para meninos e meninas, com a presença de familiares e amigos.
Todos serão BEM-VINDOS!

Conversa ao pé da porta

- Gostava um dia de escrever um livro.
- Porquê, se já há tantos que as pessoas não leem?
- Acho que será como construir uma nova casa.
- Sim, isso é verdade.
- Uma casa arrumada e sempre com uma janela aberta.


segunda-feira, 18 de março de 2019

A Clarinha e o pai


Vou falar de uma menina,
Mas antes quero dizer  
Que se chama Clarinha
E, sem dois aninhos ter,
Na sua terna candura
Parece gostar de ler;
Tal como o pai e a mãe
Apreciam a leitura!

Desculpem que me enganei,
E a verdade aqui  vai:
A Clarinha gosta de livros,
Mas quem os lê é o pai.

E desde muito bebé,
Um pequeno bebezinho,
Gosta de ouvir histórias
No bom paternal colinho.

O  pai é muito expressivo,
Imitando os animais,
E a Clarinha ri, ri, ri,
Pedindo-lhe sempre mais.

Mas um dia aconteceu
Uma coisa de espantar:
Do desenho saiu um trator
Para um campo lavrar.

A Clarinha assustou-se
E começou a chorar.
Para que ela se acalmasse,
O pai pôs-se a cantar
E a fazer atchim, atchim,
Tal como na bela história,
Que veio da Califórnia,
E que fala de um espirro
Que tudo atira ao chão,
Mas não pensem que é por mal
Porque  o autor dos espirros
Está é muito constipado;
Não lhe falta educação.

(...)


E, para além dos livros,
O papá está presente,
Pensando na Clarinha,
Mesmo quando está ausente.

De manhã, leva-a à escolinha
E também buscá-la vai,
Vindo ela a palrar
Quando do infantário sai.
E o pai parece sonhar
Quando a linda Clarinha,
Com a sua voz meiguinha,
Lhe diz a palavra pai.

E ao jantar a comidinha
Nem sempre é prioridade
Porque é mesmo de brincar
Que a pequena Clarinha
Sente  mais necessidade.
E o pai lá conta histórias,
Com a ajuda da mãe,
Para convencê-la também
A comer o peixinho,
A carne ou o arrozinho,
A fruta ou o pãozinho,
Podendo depois brincar
Com o panda ou o cãozinho,
Ou então com a boneca
A que só falta falar.

(...)


E de noite a Clarinha,
- Talvez esteja a sonhar -
Se acorda de repente,
Logo começa a chorar.
Então, o pai levanta-se,
Outras vezes é a mãe,
Dizendo à Clarinha:
- O dia está a dormir,
Vamos dormir também!

E o pai da Clarinha,
Quando olha os olhos dela,
No futuro pensando vai
E, ouvindo a palavra pai,
Sente que a vida é tão bela!


A história completa foi publicado na coletânea
Contos do meu pai, da Editorial Novembro, 2017

domingo, 17 de março de 2019

Li devagar e gostei!















Postal enviado pelo Clube das histórias

Subo um passeio branco alastrado de sombra,
luz e folhas caídas.
Pela mão vai minha filha,
juntos subimos rente ao fim da tarde.
Apertando-me os dedos, olhos nos olhos,
minha filha faz-me as perguntas de todas as crianças.
Seus olhos espelham os meus
e na boquita fresca vagueia o sorriso que outrora perdi.
Absorto, caminho rumo ao fim do tempo, ela, rumo ao princípio.
O meu poente roxo é a sua alvorada estridente.
Termino um pouco onde ela começa,
mas minhas mãos continuam nas suas.
Penso agora na morte sem angústia e na vida com outro empenho.
Minha filha vai comigo, seus olhos, seus gestos, seu sorriso,
lembrança de mim.
Vou partindo. Ela apenas chega.
A tarde cai e não é triste morrendo.

 
Rui Knopfli


(Nasceu em Moçambique em 1932, faleceu em Lisboa em 1997)

sábado, 16 de março de 2019

O Pai

 

O Pai

Terra de semente inculta e bravia,
terra onde não há esteiros ou caminhos,
sob o sol minha vida se alonga e estremece.

Pai, nada podem teus olhos doces,
como nada puderam as estrelas
que me abrasam os olhos e as faces.

Escureceu-me a vista o mal de amor
e na doce fonte do meu sonho
outra fonte tremida se reflecte.

Depois... Pergunta a Deus porque me deram
o que me deram e porque depois
conheci a solidão do céu e da terra.

Olha, minha juventude foi um puro
botão que ficou por rebentar e perde
a sua doçura de seiva e de sangue.

O sol que cai e cai eternamente
cansou-se de a beijar... E o outono.
Pai, nada podem teus olhos doces.

Escutarei de noite as tuas palavras:
... menino, meu menino...

E na noite imensa
com as feridas de ambos seguirei.

Pablo Neruda, in "Crepusculário"

Chile
12 Jul 1904 // 23 Set 1973
Poeta [Nobel 1971] 

sexta-feira, 8 de março de 2019

CALÇADA DA CARRICHE

Há tantas Luísas na terra!

 

Calçada de Carriche

Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

António Gedeão, in 'Teatro do Mundo'

quinta-feira, 7 de março de 2019

Dia 7 de março 2019

Lourdes Castro, 1976

quarta-feira, 6 de março de 2019

"E agora, José?"

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Carlos Drummond de Andrade, 1942

segunda-feira, 4 de março de 2019

É possível processar quase um país inteiro?


Editorial
PÚBLICO

3 de Março de 2019 

'Carta ao sr. Neto de Moura

O senhor, vindo lá das cavernas de onde fala, está a infringir a Constituição, mas nem dá por isso – assim como os seus colegas que lhe aplicaram a advertência. Os senhores metem-me medo. E não há sociedade mais doente do que aquela que fica com medo da Justiça.


Senhor Neto de Moura. Não nos conhecemos, felizmente. Digo felizmente, porque, embora o jornalismo me obrigue, de quando em vez, a contactar com as catacumbas da sociedade, prefiro, como dizia o famoso Bartleby do Herman Melville, não o fazer.
A verdade é que gostaria de o processar. Não tenho muita paciência para tribunais e os juízes metem-me algum horror, porque já vi em acção alguns exemplares como o senhor. Também não tenho muito tempo livre e a Justiça é lenta. Depois, é verdade que não tenho muito dinheiro e, já se sabe, a Justiça é cara.

Eu tenho um problema de saúde: perante o asco, tenho vómitos. Às vezes também tonturas. As últimas decisões que tomou provocaram-me problemas de saúde. Talvez isso seja um motivo para o processar. Fico literalmente doente ao ver a sua, vá lá, doença com as mulheres. O prejuízo para a minha saúde dos seus acórdãos pode ser um motivo para um processo.
O meu problema com situações asquerosas é uma razão porque evitei, até este momento, escrever sobre o acórdão em que o senhor invocou a Bíblia e considerou exemplares – no sentido de lhe servirem de exemplo — as sociedades que apedrejam as mulheres adúlteras para “acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras)” e por isso a dita sociedade “vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”.
O senhor, vindo lá das cavernas de onde fala, está a infringir a Constituição, mas nem dá por isso – assim como os seus colegas que lhe aplicaram a advertência. Os senhores metem-me medo. E não há sociedade mais doente do que aquela que fica com medo da Justiça.

Eu sinto-me humilhada, vexada pelo senhor e a sua repugnante ideia de “sociedade”, mulheres e adultério. Acho que o senhor não me respeita e ofende todas as mulheres deste país.
O adultério não é crime, a não ser na sua cabeça, que me abstenho de qualificar ainda mais. A questão é que o senhor é juiz e põe em causa a segurança das pessoas, desde que sejam mulheres. Isso ofende-me.
A ideia de lhe dar um soco na cara até me pode passar, assim de repente, pela cabeça, mas não o farei. No meu quadro moral e seguindo os preceitos da lei e Constituição, acho que a violência física não é de todo desculpável – nem contra um juiz que a desculpa'.

domingo, 3 de março de 2019

Conversa ao pé da porta

- Nem me lembro de um Carnaval assim.
- Sim, costumava chover mais.
- As tulipas até se desfolham com a secura.
- Também tenho de regar as minhas plantas.
- Temos estado demasiado distraídos a ver a banda a passar.


sábado, 2 de março de 2019

Conversa ao pé da porta

- Tenho andado a organizar armários e gavetas.
- Também gosto. Mas há alguma razão especial?
- Não quero dar trabalho um dia mais tarde.
- Ainda é cedo para pensar assim.
- Enquanto dura o Carnaval, sabe bem algum despojamento.